Atualizado em: 28/07/2024, as 10:07
A Era Psicodélica avançava sobre o planeta desde 1966, mais perceptivelmente falando. Mas sinais pipocaram antes, principalmente em suas grandes matrizes, isto é: Estados Unidos e Europa. No caso da Europa, sem dúvida era na Inglaterra o maior centro irradiador.
Muito por conta da explosão do Rock, ainda que na Ilha, a bipolarização entre o movimento Mod e o Rock americano, pudesse sugerir subdivisões irremediáveis, o fato é que, pelo contrário, só precipitou uma onda de euforia, que tornaria Londres em 1967, a chamada “Swingin’ London” do desbunde psicodélico.
Há diferenças sutis entre a percepção da psicodelia britânica e a americana, ainda que houvessem raízes comuns, claro. Se era óbvia a adesão de setores universitários interessados no viés político ou na profusão de estéticas artístico-comportamentais de avant-garde, no caso dos britânicos, a preocupação sócio-política parecia mais centrada no avanço da segunda hipótese citada.
Nessa época, havia uma casa noturna que promovia shows de Rock de diversas bandas emergentes em Londres, chamada “UFO”. Nessa casa, mais que um espaço para divulgar o trabalho e brigar por um lugar ao sol no mercado da música, havia uma atmosfera que privilegiava bandas que experimentavam novos caminhos, além do Rock’n’Roll tradicional. Mas, o clube tinha instalações tímidas para um evento desse porte, pois não se trataria de um simples show de Rock, ainda que com ares de Festival e a apresentação de diversas bandas.
A ideia era mesmo a de um grande happening, com intervenções, performances, instalações e muitas projeções de luzes, dando a atmosfera psicodélica ideal ao evento. Surgiu então a ideia de usar um grande galpão, na verdade um hangar, chamado Alexandra Palace, que entre os londrinos, é chamado carinhosamente de “Ally Pally”.
E dessa forma, em 29 de abril de 1967, o evento aconteceu, com o nome de “14 Hour Technicolor Dream”, prometendo ser uma experiência sensorial, sem precedentes, unindo o elemento Rock, às artes plásticas de vanguarda, atuação de poetas, projeções psicodélicas, dançarinos e performances.
A lista inicial de bandas anunciadas era enorme, contudo nem todas se apresentaram. Nomes como Pretty Things, Soft Machine, John’s Children, The Move, Graham Bond Organization, Savoy Brown, Champion Jack Dupree, Purple Gang, The Crazy World of Arthur Brown, Donovan, Alexis Korner, Tomorrow, The Cat, Denny Laine e muitos outros.
O Mothers of Invention do guitarrista Frank Zappa, estava agendado, mas de última hora, cancelou sua participação. O número performático do loucaço Arthur Brown, ao interpretar “Fire”, sempre usando uma coroa incandescente à cabeça, foi um dos que mais marcaram o happening, e foi muito citado entre as pessoas que lá estiveram. E o Pink Floyd, acabou sendo a banda que mais se beneficiou do evento, tornando-se uma lenda a sua participação.
Vivendo um momento excepcional por conta de seu recém-lançado LP de estreia, a banda do louquíssimo Syd Barrett, apresentou-se às cinco horas da manhã, quando o delírio já era enorme dentro do hangar. Cerca de 10 mil pessoas transitaram pelo evento e em sua maioria absoluta, fazendo uso de drogas alucinógenas, principalmente o LSD. Daí a experiência assemelhar-se aos “Acid Tests” que os hippies americanos já promoviam na Califórnia.
Apesar de cansados, pois estavam chegando de um show realizado na noite anterior, na Holanda, e terem chegado à “Ally Pally”, por volta das 3:00 h. da manhã, fizeram um show muito performático, pleno de experimentalismos psicodélicos, como era de praxe, principalmente nessa fase inicial de sua história, com Syd Barrett à guitarra.
Entre inúmeros artistas plásticos e performáticos presentes, estava a japonesa Yoko Ono. Mesmo que nessa época ainda não fosse admitido publicamente, estava namorando o Beatle, John Lennon, apesar deste ainda estar casado com Cynthia Lennon.
Lennon foi certamente a maior celebridade presente no evento, despertando a atenção de jornalistas e do público em geral. Uma das intervenções de Yoko Ono no evento foi a performance da garota que se deixa desnudar, com a participação de qualquer pessoa do público, disposta a cortar peças de seu vestuário, munidos de uma tesoura cedida pela artista.
Essa performance silenciosa e muito impressionante pelo fator psicológico com a qual se reveste, já havia sido realizada em diversas outras oportunidades (existe até em vídeo oficial, com uma performance de Yoko, em 1965, em Nova York, chamado “Cut Piece”).
Todavia, pelo caráter de multidão ali representada, mais o alto volume dos shows e projeções psicodélicas pelas paredes, não era um ambiente propício para isso, e a garota que se submeteu à experiência, passou um certo sufoco, com aquele bando de doidos e uma enorme tesoura às mãos… Há relatos de que houve projeções de filmes de arte em vários momentos. Películas do cineasta Kenneth Anger, por exemplo.
Nem tudo foi perfeito, todavia. A reclamação sobre a acústica do local foi geral e convenhamos, o fato de ser um enorme hangar, com o teto muito alto, é claro que não favorecia a equalização ideal para shows musicais.
Um palco menor foi montado para performances de poetas e danças. Entre inúmeros grupos de dança, um chamado “The Tribe of the Mushroom”, ilustra pelo seu próprio título, o espírito do happening.
Por muitos anos, circulou uma VHS entre colecionadores, só com a performance do Pink Floyd, mas mostrando algumas cenas gerais do evento, principalmente a presença de John Lennon.
Mas felizmente, um DVD mais completo foi lançado em 2008, com muito mais material e bons extras, onde depoimentos esclarecedores de quem esteve lá, fazem a diferença. Como é o caso de Roger Waters e Nick Mason, baixo e bateria do Pink Floyd, por exemplo, além do guitarrista Phil May, do Pretty Things, e pessoas ligadas à produção de evento.
“14 Hour Technicolor Dream” entrou para a história da psicodelia como um dos maiores eventos públicos e ilustrativos do espírito dos anos sessenta.
Texto Publicado na 2ª edição da Revista “Gatos & Alfaces“, Março, 2014
Luiz Domingues é músico desde 1976, tendo tocado nas bandas Língua de Trapo, A Chave do Sol, Patrulha do Espaço, etc. Atualmente com Kim Kehl & Os Kurandeiros. Como escritor, tem três livros publicados e outros no prelo. Escreve em diversos blogs e revistas impressas.
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A atração principal desse evento foi, sem dúvida, a Srta. Lucy in The Sky with Diamonds. Foi um desbunde genuíno. Quem viu, viu.
E a hoje triste figura de Roger Waters estava lá, fazendo a coisa acontecer.
O tempo passa…