Imagem Criada Com IA (Firefly Adobe)

A Fenda na Realidade

Atualizado em: 28/07/2024, as 04:07

Na cidade, onde os prédios se erguiam como colossos de vidro e avenidas se entrelaçavam como veias pulsantes, havia uma fenda. Uma fenda que não estava nos mapas, nem nas mentes dos transeuntes apressados. Era uma rachadura no tecido da realidade, um portal para o inimaginável.

Ninguém sabia como a fenda havia surgido. Alguns diziam que era um erro de construção, uma falha nos cálculos dos engenheiros. Outros acreditavam que era uma manifestação do inconsciente coletivo, uma brecha aberta pelas mentes famintas da cidade. Mas, independentemente da origem, a fenda estava lá, escondida em um beco estreito, entre um café decadente e uma loja de antiguidades.

Um jovem escritor, tropeçou na fenda por acaso. Ele estava fugindo do bloqueio criativo, das palavras que se recusavam a dançar em sua mente. Quando viu a rachadura na parede, algo se acendeu dentro dele. Era como se a fenda sussurrasse: “Venha, aventure-se além.”

Atravessou a fenda e encontrou-se em um mundo paralelo. As ruas eram as mesmas, mas os prédios eram vivos, pulsando com energia. As árvores sussurravam segredos, e os pássaros tinham olhos que brilhavam como estrelas. Estava dentro de sua própria história, mas ela havia ganhado vida.

As pessoas eram diferentes ali. Tinham asas de borboleta, olhos de fogo, cabelos feitos de névoa. Elas o chamavam de Narrador, e pediam que ele contasse suas histórias. Ele escrevia com os dedos no ar, e as palavras se materializavam em objetos, criaturas, sonhos. Era o arquiteto daquela realidade, o mestre das palavras.

Mas havia um preço a pagar. A cada história que Lucas contava, ele perdia um pedaço de si mesmo. Suas memórias se desvaneciam, suas emoções se tornavam pálidas. Ele se tornou um vazio, um eco das palavras que criava. E, quando olhava no espelho, via apenas um reflexo distorcido, um personagem sem passado nem futuro.

Continuou a escrever, mesmo sabendo que estava se desfazendo. Criou amores impossíveis, monstros que devoravam a própria alma, cidades flutuantes que desafiavam a gravidade. E, quando a fenda começou a se fechar, ele soube que era hora de partir.

Atravessou de volta para cidade, mas não era mais o mesmo. As palavras ainda dançavam em sua mente, mas agora eram como fantasmas, lembranças distantes. Se tornou um escritor famoso, mas suas histórias eram vazias, sem alma.

E, quando morreu, a fenda se abriu novamente. Ela esperava por outro Narrador, alguém disposto a pagar o preço pela magia das palavras. E assim, a cidade continuou a girar, suas avenidas se entrelaçando como veias pulsantes, escondendo segredos que só os loucos e os sonhadores ousavam descobrir

Renato Pittas, Rio de Janeiro, RJ, é artista plástico, poeta, escritor e Livre Pensador. Autor de Tagarelices: Conversas Fiadas Com as IAs.

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