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A Guerra Cultural e o Poder dos Mitos na Política Brasileira

Aqui estamos nós, assistindo a uma ópera política onde a narrativa não se desenrola apenas nas páginas dos jornais, mas nos mitos e arquétipos que moldam nosso entendimento da realidade. Jair Bolsonaro, nosso próprio Capitão América, é o herói que se ergueu dos recantos das Forças Armadas para se tornar o campeão dos valores tradicionais. Do outro lado da arena, Alexandre de Moraes, o Lex Luthor do Brasil, se apresenta como o vilão que, sem superpoderes, manipula a influência e a inteligência com uma malevolência digna de um arqui-inimigo.

É preciso entender que essa batalha não é meramente política. Estamos imersos em uma mitologia moderna que transforma nossos líderes em figuras quase sobrenaturais, embutidas em narrativas épicas que tornam a política uma espécie de teatro de sombras onde heróis e vilões se enfrentam. A Direita Conservadora vê em Bolsonaro uma espécie de salvador nacional, alguém que, assim como Steve Rogers após o soro do super-soldado, se levantou para defender os valores sagrados da pátria: Deus, Família e a nação. Ele não é apenas um político; é a personificação de uma visão de mundo, uma linha de defesa contra o que eles veem como uma ameaça ao tradicionalismo e ao nacionalismo.

Enquanto isso, Alexandre de Moraes é representado como um Lex Luthor em plena forma. Um gênio, sim, mas um gênio do mal, cuja astúcia e influência são percebidas como uma ameaça direta ao que os conservadores consideram ser o bem. Moraes, para muitos, não é apenas um juiz; ele é a encarnação do poder corrupto, da manipulação e da injustiça que eles acreditam que está destruindo o Brasil. A narrativa é clara: enquanto Bolsonaro é o bastião da virtude, Moraes é a encarnação da corrupção e da traição.

Essa construção mitológica vai além das meras preferências políticas. É uma forma de tribalismo cultural onde as figuras políticas são moldadas em arquétipos que representam o Bem e o Mal em suas formas mais puras e simbólicas. O Capitão América e Lex Luthor não são apenas personagens de histórias em quadrinhos; eles são espelhos de como os grupos políticos veem e interpretam o mundo ao seu redor. Para os seguidores de Bolsonaro, ele é o herói que se opõe a uma conspiração opressiva, enquanto Moraes é o vilão que busca subjugar o povo.

A narrativa não é exclusiva da Direita. Olhando para a esquerda, vemos um paralelismo claro: Lula, quando preso, foi elevado ao status de mártir, uma figura persecutória que sofreu injustamente por lutar pelos pobres e oprimidos. Seu retorno à política foi visto como uma espécie de ressurreição, uma vitória contra as forças que tentaram silenciá-lo. Da mesma forma, a direita vê Bolsonaro como alguém que está sendo atacado pelas forças do mal, e sua possível prisão seria vista como uma nova crucificação.

A questão central aqui é que toda essa batalha épica, com seus heróis e vilões, nos desvia do verdadeiro campo de batalha. O problema não reside apenas nas figuras que dominam as manchetes, mas na cultura subjacente que sustenta essas narrativas. As instituições políticas e jurídicas são apenas a ponta do iceberg. O verdadeiro iceberg, aquele que está submerso e invisível, é a cultura que molda nossas percepções e comportamentos.

Estamos lidando com um cenário onde a política é apenas a superfície de uma guerra cultural muito mais profunda e complexa. O verdadeiro poder está na cultura, nas ideias que circulam e que, finalmente, moldam nossas sociedades. E aqui está o ponto crucial: a Direita Conservadora, assim como a Esquerda, está lutando com armas antigas em um campo de batalha que mudou radicalmente.

As eleições, para a maioria, são vistas como o principal meio de influência. Mas, na verdade, elas representam apenas uma pequena fração da mudança cultural real. A política é a ponta do iceberg, enquanto a cultura, com seu poder de moldar ideias e valores, é a massa submersa. A mudança real ocorre no nível cultural, onde as ideias sobre individualismo, responsabilidade e liberdade são formadas e disseminadas.

O problema fundamental é que a Direita, ao focar quase que exclusivamente nas questões políticas e eleitorais, está negligenciando a construção de uma cultura robusta que promova valores de auto-responsabilidade e liberdade individual. Em vez de lutar apenas por votos e mudanças legislativas, é imperativo que se engaje na construção de uma cultura que não apenas abraça, mas também promove essas ideias fundamentais.

A nova guerra cultural que enfrentamos é virtual e global. As plataformas digitais, as mídias sociais e o conteúdo cultural são os campos de batalha onde as ideias são disputadas. Séries coreanas e animações japonesas, que frequentemente celebram a autonomia pessoal e a responsabilidade individual, são os sinais de uma mudança cultural que pode ser amplificada e expandida. A verdadeira batalha não é apenas contra um vilão ou em favor de um herói, mas pela transformação cultural que moldará o futuro da nossa sociedade.

A Direita Ocidental precisa fazer uma reflexão crítica e se reinventar para enfrentar essas novas dinâmicas. O verdadeiro desafio não está em derrotar um inimigo ou eleger um líder, mas em transformar a cultura que molda nossas decisões e comportamentos. O campo de batalha moderno não é mais sobre armas e tanques, mas sobre a influência cultural e ideológica que molda a nossa realidade.

A verdadeira mudança começa dentro de cada um de nós. Precisamos reconhecer que a luta pela liberdade, pela responsabilidade pessoal e pela mudança cultural não é apenas uma questão de política, mas de transformar a cultura em que vivemos. Se quisermos realmente mudar a trajetória da nossa sociedade, devemos começar por construir uma cultura que valorize o individualismo e a autonomia pessoal, preparando o terreno para uma verdadeira transformação que ressoe nas esferas política e social.

A batalha é grande e a jornada é desafiadora, mas é a única forma de enfrentar e superar os desafios do nosso tempo. O poder está nas ideias e na cultura que cultivamos. E é nesse campo que devemos investir nossos esforços se quisermos um futuro que valorize verdadeiramente a liberdade, a responsabilidade e a autonomia individual.

29/02/2024

Olavo Villa Couto, São Paulo. Arquiteto, escritor, e Livre Pensador. Autor de “Satânia” e “Jorro”.

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