O mês de setembro marcava três meses de ocupação alemã, a população começa a sentir a falta de alguns gêneros alimentícios, o Ministério do Abastecimento era responsável por toda a produção e comprava quase toda ela para garantir um mínimo de calorias para cada cidadão a um preço razoável.
A burocracia e o desperdício eram claros, com isso os franceses passam por crescentes privações, a alimentação dispendia quase todo o salário dos trabalhadores, a busca por alimento passa a ser uma obsessão de todas as famílias.
Ao final deste mês chegam notícias de que a Alemanha a Itália e o Japão assinam, em Berlim, um acordo de cooperação que consolida a formação do Eixo, e com isso a guerra ganha outros contornos, Jean fica ainda mais convencido de que se quiser voltar para os braços de sua mulher terá que fazê-lo naquele momento, mais tarde talvez fosse impossível, pois a Alemanha dava mostras de que seu exército seria invencível.
Com isso ele se aproxima de antigos amigos estudantes, ele sabia que eles estavam realizando inúmeros atos de protesto, o que poderia dizer que eles estivessem ligados à Resistência Francesa, e com isso tentar se aliar a eles e tentar voltar à Londres, ele não tinha nada a perder, estava sem seu amor, e nada o impediria de, pelo menos, tentar, mesmo que isso lhe custasse a sua vida.
Ele começa a participar de algumas reuniões com amigos, diz a eles o seu verdadeiro objetivo, e aos poucos passa a fazer parte de reuniões com alguns membros da Resistência Francesa, com o tempo ele vai ganhando o seu espaço até que um dia ele é chamado para participar de uma ação, iriam explodir um depósito de munições que ficava num paiol próximo à Estação Ferroviária, ali ficavam cerca de seis soldados alemães montando guarda, eles teriam que mata-los e numa ação rápida colocar os explosivos detonarem e saírem de lá o quanto antes.
Jean aprende a manusear armas, a montar explosivos, sente— se muito mal com isso, pois é uma pessoa extremamente pacífica, mas Evelyn era mais forte que tudo, quando treina só tem ela em sua mente, e junto disso o medo dela ter sido ferida nos bombardeios, às vezes sente vontade de gritar por isso, e pelo fato de não estar do lado dela.
Durante a semana que antecede o ataque eles ensaiam como será a ação, cada um sabe exatamente o que deve fazer, a Jean cabia a colocação e detonação dos explosivos, treinam isso de forma exaustiva, dentre eles havia um sargento do exército francês que os auxiliava nisso.
Chega o dia da ação, eles se reúnem na casa do líder do grupo, pois a casa ficava muito próxima à Estação Ferroviária, ali revisam os passos que deverão ser dados, checam as munições, as armas, os explosivos, repassam tudo e saem, o relógio marcava duas horas da madrugada, Paris estava silenciosa, eles se dirigem com muita cautela aproveitando a escuridão da noite, quando se aproximam do local observam a presença de apenas quatro soldados, os outros dois não se encontravam ali, isso estava fora do plano, não tinham ideia de onde eles tinham ido, mas resolvem agir assim mesmo, então se posicionam, definem qual soldado será atacado por quem, Jean tem os explosivos em sua mão preparados para serem colocados em seu devido lugar.
À ordem do chefe do grupo todos se movimentam, os homens se colocam atrás dos soldados e a ação é muito rápida e silenciosa, utilizam a faca para que não houvesse qualquer espécie de aviso por parte dos soldados, os golpes são certeiros e logo os quatro soldados estavam mortos sem que qualquer som fosse emitido.
Voltam aos seus postos e ficam observando a possibilidade dos guardas voltarem, pegam as armas dos soldados mortos, e ficam a espera da ação de Jean.
Jean rapidamente, ao sinal do líder, vai à porta do paiol e instala as duas cargas de explosivos, acerta o tempo de detonação para um minuto, e sai voando dali, assim que todos o vêm saindo sabem que as cargas haviam sido colocadas e que teriam um minuto para saírem de lá, assim que o primeiro francês sai de sua posição e alcança o pátio dá de cara com os dois soldados alemães que estavam voltando aos seus postos, a ação dos militares é muito rápida e a resistência perde um de sés elementos, em seguida um dos soldados soa um apito alertando os demais da presença de inimigos, o outro soldado consegue ver os outros dois revoltosos e atira com sua metralhadora ferindo mortalmente os dois, logo vários soldados se juntam a estes, e a perseguição dos demais em início, o líder é visto por outro soldado que atira em sua perna com um rifle, Jean estava ao seu lado, se volta para pega— lo quando ele lhe diz:
— Vai embora, se salve você não conseguirá sair daqui com vida comigo às suas costas, vá embora.
Mas Jean jamais faria isso, pega ele o coloca nas costas e se escondem por baixo de um vagão, ali ele vê os soldados passarem de um lado para outro, o medo de serem pegos era enorme, Jean suava muito, orava em silêncio e a imagem de Evelyn não saia de sua cabeça, olhava para os lados e não via saída, acabariam por encontra-los, pois mais soldados vieram e todos com lanternas, quando então ele observa, na calçada próxima, um bueiro que dava acesso ao sistema de drenagem das águas da chuva, ele mostra ao companheiro a tampa, pede para que ele fique ali e sozinho vai até ela e, com muito esforço, consegue abrir a tampa do bueiro, mais tiros são ouvidos, eles eram o que restava daquele grupo, então ele arrasta o amigo até a entrada do bueiro, e entram nele, Jean o tampa novamente e se esgueiram pelos túneis escuros, caminham o máximo que podem, o esforço dispendido esgota fisicamente os dois.
Chegam a um local mais amplo onde havia outros três túneis, acima deles outra tampa, Jean sobe é ela abre parcialmente e consegue ver que se encontrava, longe do local da confusão, volta e ajuda o amigo a subir, Jean consegue se localizar, eles estavam longe do centro da cidade, mas o amigo conhece um combatente que morava ali próximo, então os dois praticamente se arrastam e conseguem chegar onde era a casa do conhecido, são recebidos por ele que os abriga.
O amigo faz um curativo na perna do líder, comem algo bebem um pouco de vinho, decidem ficar ali o resto da noite, no dia seguinte iriam decidir o que fazer, Jean se deita, ainda estava com muita adrenalina em seu corpo e em que pese o enorme cansaço por todo o esforço físico e mental realizado não consegue relaxar, fica olhando para o teto, sentia— se ainda pavor em ver os amigos serem mortos pelos alemães, o rosto de Evelyn volta à sua mente e lhe traz ainda mais angústia, dúvidas e sentimentos de culpa o abordam causando mais dor:
— Como você está meu amor?
— Me perdoe por ter te abandonado!
— Me perdoe por não estar do seu lado nesse momento difícil!
Isso lhe dá mais forças para continuar a luta para conseguir voltar à Londres, e desse jeito a noite termina, o dia amanhece e Jean continuava acordado, não consegui descansar nada, era o momento deles voltarem às suas casas e continuarem com o anonimato, até enquanto alguém não os delatasse, Jean pega o rumo do restaurante de seu pai, assim que chega sua mãe olha para ele e percebe que a noite não tinha sido boa, ela era contra a que o filho participasse dessas ações, ela dizia a ele que essa não era a sua natureza, então seria um estranho nesse mundo tão perigoso, mas ele tinha um objetivo e faria o que fosse necessário para voltar à Londres e reencontrar sua esposa.
A partir desse dia Jean passa a ser muito respeitado entre os membros da Resistência por seu heroísmo em ter salvado o líder, participa de mais ações, sempre porta uma pistola, mas decide que só a usará quando for para defender a sua vida, caso contrário ela permanecerá no coldre.
No dia dezessete de outubro chega a notícia de que, no dia anterior, os nazistas criam uma região isolada dentro de Varsóvia, onde foram colocados todos os judeus da cidade, ele recebeu o nome de Gueto de Varsóvia, lá dentro estavam confinadas cerca de trezentas e oitenta mil pessoas, e junto com essa notícia começam a chegar outras dizendo do extermínio em massa dos judeus, todos ficam apavorados com tudo isso, e percebem que em Paris essa perseguição também estava em prática.
O ano de 1940 se encaminhava para o seu final, os combates realizados pela Resistência Francesa muitas vezes não surtem os efeitos desejados, havia certa desorganização e falta de foco neles, com isso os alemães endurecem o seu relacionamento com o povo, e a violência aumenta drasticamente, os SS passam a ser intolerantes e fazem cada vez mais prisioneiros, muitos dos quais são levados para outros locais para exercerem trabalhos forçados, a maioria destes nunca mais voltaria aos seus lares.
Algumas cidades francesas, e dentre elas a própria Paris sofria frequentes bombardeios, alguns deles de fogo aliado, a cidade estava um caos, as mercadorias escasseiam fazendo com que a população se utilizasse de qualquer coisa para sua necessidade, os raros restos de alimentos iam para os animais, os restos de tecidos eram usado para os remendos das roupas, a madeira era usada para a substituição das solas dos sapatos.
Para piorar a situação o inverno de janeiro de mil novecentos e quarenta e um vem com temperaturas muito baixas, chegando a permanecer em quinze graus negativos durante vinte e oito dias consecutivos, com a falta de agasalhos mais adequados e sem o aquecimento central nos edifícios, as famílias passam a se refugiar em um único cômodo da casa aquecido por um pequeno fogão, além de que preferiam dormir cedo devido ao toque de recolher.
Os efeitos morais da ocupação alemã começam a pesar demais no consciente do povo, a população se sentia humilhada em seu sentimento patriótico, a maioria suportava tudo isso em silêncio e com paciência, porém os jovens se revoltavam e engrossavam as hostes da Resistência Francesa.
Notícias vinham, através de rádios piratas e radioamadores, da Inglaterra, dizendo que ela havia revidado o ataque enviando inúmeros bombardeios até Berlim, a Batalha da Inglaterra seguia com as duas nações envolvendo toda a sua Força Aérea no conflito, com isso os bombardeios se seguiam ferozmente.
Informações vindas pela Resistência Francesa davam conta e que Londres ardia em chamas devido às bombas incendiárias lançadas pela Luftwaffe, e que os bombardeios noturnos estavam intensos, Jean se desespera a cada notícia que chega, os companheiros tentam acalmá— lo dizendo da enorme rede de metrô que seria suficiente para abrigar todos, e que ela estaria segura nos túneis, os companheiros de resistência passam a se solidarizar com ele devido ao sofrimento do amigo, ele era um membro muito estimado por todos da Resistência.
Devido a esses ataques ingleses o exército alemão em Paris torna— se mais violento, as prisões aumentam muito, pessoas são frequentemente capturadas, e o clima de terror se instala na população, que somada à carência material e fome faz com que ela passe a hostilizar a presença alemã em sua cidade, causando alguns conflitos em locais isolados, com isso a violência dos alemães aumenta ainda mais, as necessidades alimentares e materiais da população aumentam, criando mais revolta.
No dia vinte de agosto Churchill fala à Câmara dos Comuns sobre a situação geral da guerra, então o Primeiro Ministro faz uma de suas mais eloquentes oratórias que ficará marcada para a eternidade quando ele diz:
— A gratidão de cada lar em nossa ilha, em nosso império e, na verdade, no mundo inteiro, exceto no covil dos culpados, vai para os aviadores britânicos que, sem se intimidarem diante das desvantagens, incansáveis diante do terrível desafio e indiferentes quase à presença constante da morte, estão mudando o rumo da guerra mundial, pelas suas façanhas e pela devoção à causa da liberdade. Nunca, no campo dos conflitos humanos, tantos deveram tanto a tão poucos. Todos os corações acompanham os pilotos de caça, cujas ações brilhantes testemunhamos diariamente com nossos próprios olhos.
O dia quinze de setembro chega com notícias assustadoras, nas quais relatam um ataque maciço da Luftwaffe em Londres, dão conta de que mais de mil aviões alemães estavam nesse ataque, mas que a Real Força Aérea estava conseguindo repelir tal ataque, Jean ficou aquele dia inteiro ao lado do rádio tentando captar as emissões da BBC de Londres, mas as informações vinham fragmentadas.
Ao final do dia recebem a notícia de que a RAF havia conseguido repelir os ataques inimigos, e que tudo estava bem na cidade, haviam vencido essa etapa da batalha, mas as perdas alemãs foram enormes, e provavelmente as chances de um novo ataque seriam mínimas, pelo menos nos próximos meses, isso deixa Jean, pela primeira vez, um pouco mais aliviado, então ele chora, mas desta vez de alívio.
No dia trinta e um de outubro o Comando Alemão adia indefinidamente os bombardeios diurnos em larga escala sobre o Reino Unido, embora os noturnos continuassem prosseguindo esporadicamente.
O povo inglês, assim como o francês, estava esgotado, as situações de vida eram muito parecidas, a fome e o frio castigavam, o medo dos bombardeios e da morte fora substituída pela indiferença, eles se mantinham vivos apenas por rotina, o ódio aos nazistas era enorme.
A guerra continuava intensa, Jean andava pelas ruas de Paris e só via a miséria, se recorda muito bem de como ela era há um ano quando esteve lá com sua querida esposa, as ruas estavam todas cheias de buracos devido aos bombardeios, as pessoas passam maltrapilhas com o olhar vago, magras, pois a fome havia pegado a todos, sentia em algumas pessoas que estavam sem alma, ele de certa forma se sentia assim devido a distância de sua mulher, mas ainda tinha com fé de encontrá— la e por isso prosseguia adiante em sua missão.
O natal de 1940 chega, o frio estava intenso, Jean estava diante do Arco do Triunfo parado olhando para ele, pensa na vida que teve com Evelyn, imagina que ela estivesse ao seu lado naquele momento e fala como se ela estivesse realmente ali:
— Nós éramos muito felizes, não é mesmo meu amor?
— Como você é linda, esse seu rosto magnífico, esses olhos verdes, o seu abraço e o seu beijo, espero que você esteja quente onde você está neste momento, espero que a Clair de Lune esteja te confortando, me espere que em breve eu estarei voltando, e voltaremos a ser felizes novamente.
— Espero que não te falte a comida, e o afeto e compreensão dos que estão ao se lado, que eles te confortem enquanto eu não estiver junto a ti.
— Iremos ter filhos que nos darão muitas alegrias, depois que tudo isto passar talvez seja melhor irmos para os Estados Unidos, e ficarmos lá, estou farto da guerra, estou farto de ver a miséria, a fome, a dor, e de sentir a enorme saudade que sinto de você.
Lágrimas escorrem por seu rosto, ele abre o relógio olha para foto, abre um sorriso e dá um beijo na foto de Evelyn.
Assim o ano de mil novecentos e quarenta termina com Jean sentindo uma enorme dor em seu peito por não estar ao lado de quem ama, mas renovado em suas esperanças de reencontrá— la em breve, em que pese tudo o que Londres havia passado.
Walter Possibom, São Paulo, SP é autor de Um Brilho nas Sombras e Quando os Ventos Sopram na Pradaria. É editor dos Blogs Planet Caravan e Walter Possibom Escritor, e além de músico, Livre Pensador.
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Clair de Lune
Walter Possibom, São Paulo, SP, é escritor, guitarrista da banda Delta Crucis, e Livre Pensador.
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