Clair de Lune — Capítulo 14

Atualizado em 28/07/2024 as 11:49:18

O grupo estava a caminho de San Sebastian, haviam descansado estavam abastecidos de água e alimentos, mas o trajeto seria duro, passariam por campos onde poderiam entrar em contato com espanhóis que apoiavam o regime ditador instaurado naquele país na Guerra Civil Espanhola desencadeada por Francisco Franco, poderiam ser denunciados por eles, teriam que evitar isso a qualquer custo.

Depois de descansarem iniciam a jornada que teria o Porto de Gijón como alvo final, Oliver ressalta aos dois membros da Resistência de que a viagem teria que ocorrer no menor espaço de tempo possível em virtude das informações que deviam ser passadas pessoalmente por ele ao Alto Comando Militar, Jean está ciente disso e diz:
— Iremos fazer essa viagem da forma mais rápida possível, porém não podemos nos descuidar da segurança senão podemos pôr tudo a perder.

Estão em meio a campos de produção agrícola, como são margeados por pequenas florestas se esgueiram através delas, e assim vão progredindo, mas sabiam que havia uma linha férrea a cerca de dez quilômetros de onde estavam e talvez conseguissem uma boa carona, mas tinham que levar em consideração que tinham duas crianças e uma senhora junto, os quais teriam maiores dificuldades para pegarem, por exemplo, um trem em movimento, mas só saberiam disso quando chegassem à linha férrea.

Caminham e descobrem uma estrada ao lado da pequena floresta, havia pouco movimento nela, estavam no caminho certo caso seguissem a estrada, pois em determinado momento ela ficaria paralela à linha férrea, mas observam que apenas veículos particulares passam por ela, nenhum caminhão.

O dia passa e conseguem, finalmente, chegar à linha férrea, dali em diante o mato seria menos denso, teriam que ter muito cuidado para não serem vistos, todos estavam muito cansados então Jean e Charles decidem fazer uma pausa, tiram as rações que tinham e a repartem, haviam conseguido encher os cantis um pouco atrás então estavam bem de água.

Em virtude dessa condição do terreno decidem que prosseguirão a jornada durante a noite, os riscos seriam menores, então iriam descansar até a meia noite, depois partiriam rumo ao destino.

A meia noite chega e voltam a caminhada, a família polonesa estava visivelmente esgotada, deviam ter passado horrores em sua cidade que se somaria ao stress da viagem até aquele momento, eram pessoas pacíficas, se amavam muito, pois estavam o tempo todo cuidando um do outro, a comunicação com eles era impossível, eles não falavam outra língua senão o polonês, Oliver sabia apenas algumas palavras dessa língua que não ajudava muito.

De repente, no meio da madrugada, ouvem ruído de caminhões, se escondem, logo avistam um comboio de caminhões com soldados do exército espanhol, eles estavam se dirigindo para o mesmo local que eles, ficam quietos e esperam que todos passem.

Assim que somem da vista eles retomam a caminhada, e logo avistam uma pequena estação de trem, Jean e Charles pedem para os demais fiquem ali escondidos que eles iriam investigar, e assim os dois vão à estação, não se tratava de uma estação para passageiros, era apenas um entreposto de produtos a serem transportados, não havia soldado e nem policial cuidando do local, apenas alguns trabalhadores que faziam o carregamento dos vagões, e trem estava voltado para a direção para onde eles estavam se dirigindo, talvez fosse uma ótima ideia pegar uma carona com ele, sabiam que aquela linha os levaria muito próximo à Bilbao, ganhariam um precioso tempo nisso, os dois procuram algo que possa lhes dar mais noções sobre o destino do trem, e numa das salas, num quadro negro, havia a identificação do trem e seu destino: Bilbao.

Isso seria muito bom, conseguiriam chegar a Bilbao rapidamente e ganhar um bom tempo, então os dois voltam para buscar os demais.

Voltam para próximo do trem, encontram um vagão carregado com madeira e coberto por uma lona, ajeitam todos de forma que ficassem seguros e bem escondidos e a seguir entram e ficam ao lado deles, pelas informações do quadro o trem estava próximo de sua partida, a ansiedade cresce dentro de todos, e Jean intimamente pensa em Evelyn e pensa:

— Meu amor eu estou indo te encontrar, logo estaremos juntos, me aguarde.

Não demora muito e o trem inicia a sua marcha, a noite estava fria, o vento incomodava, mas a felicidade que sentiam por aquele momento de calmaria compensava isso, poderiam descansar um pouco, a viagem não deveria ser longa, pois estavam próximos de Bilbao.

A madrugada estava quase em seu fim quando o trem chega a Bilbao, Jean e Charles acordam os demais, a estação ainda estava vazia, então rapidamente eles evadem do trem e se escondem atrás de um monte de caixas, os rebeldes analisam rapidamente situação e Charles sabe exatamente para onde deveriam ir, e os dirige até uma pequena sala que havia no final da estação, era um local abandonado, ele daria guarida momentânea a todos, então eles avistam uma saída numa grade parcialmente rompida, no horizonte o sol já dava início à sua aparição, então aceleram a marcha e logo estavam fora da estação, dali eles andam por uma estrada de terra em direção a um descampado, aquele seria o ponto referencial deles, dali deveriam pegar o caminho através de um riacho.

Conseguem chegar a esse riacho com o sol já completamente à mostra, eles conseguem ficar num local apropriado, havia arbustos por todos os lados, o que facilitaria se esconderem em caso de necessidade, a caminhada continua até acharem o riacho, não demora muito e dão de cara com ele, havia um mato espesso em sua margem, então conseguem se ajeitar por ali mesmo, eles descansariam ali por um tempo e na dependência da movimentação do local caminhariam mais um pouco até descansarem novamente, para somente partirem quando a noite se fizesse presente.

A noite chega e com ela os viajantes tomam rumo, e após duas noites conseguem chegar à cidade de Santander, de lá teriam condições de pegar um trem que os levaria até as proximidades de Gijón, era o dia doze de maio, as vezes ouviam as notícias por alguém que conversava próximo a eles as quais diziam que a guerra seguia firme, com a Alemanha expandindo o seu império, as informações que Oliver levava poderia abreviar essa guerra, isso deixa os dois combatentes mais ansiosos ainda.

Durante a noite conseguem chegar até a estação ferroviária, que assim com a outra, não estava vigiada, isso os deixam felizes pois poderiam ir de trem até o próximo alvo, porém uma rápida análise mostra a eles que os trens eram de passageiros, e não poderiam se arriscar e ficar junto dos demais, poderiam ser descobertos e tudo acabaria, então desistem do trem e se colocam à estrada novamente.

Param ao lado de um pequeno lago, fica escondidos no meio de uns arbustos altos, cada um se deita e aproveita todo momento para descansar, sabiam que a jornada ainda não havia terminado, as rações estavam escassas, a fome se fazia sentir, os dois membros da Resistência Francesa doam parte de suas cotas aos meninos, eles estavam mais acostumados a isso.
Fazia uma noite esplêndida, a Lua se fazia presente de forma magnífica, Jean fica olhando para ela e a imagem de Evelyn lhe vem à mente, uma dor intensa se faz em seu coração, ele não sabia como ela estava, mas desejava muito que ela estivesse bem, não se perdoaria se algo tivesse acontecido a ela, então ele olha firmemente para a foto que trazia junto em seu relógio, lhe dá um beijo, olha para a Lua e diz mentalmente:

— Pai, eu sei que não tenho sido muito religioso, que tenho ficado sem rezar, e que também me esqueço de Vossa bondade, às vezes, mas eu lhe suplico que tome conta de minha Amanda Evelyn, que nada de mal tenha acontecido com ela, e que o sofrimento que a toma neste momento pela minha ausência seja amenizado por Sua Bondade, e que me ilumine para que eu consiga chegar até ela.

As lágrimas escorrem por sua face, a dureza da guerra ainda não tinha conseguido tirar o sentimento de amor de dentro dele, seu coração estava aflito, mas ele ainda acreditava que iriam se encontrar e viverem felizes pelo resto de suas vidas.

A jornada prossegue, e logo chegam à Santander, estavam cada vez mais próximos do Porto de onde sairiam em direção ao continente inglês, isso lhes dá força extra para continuarem com a jornada.

A jornada até Gijón foi a mais longa, não conseguem carona e fazem todo o percurso a pé, as forças de todos estavam praticamente esgotadas, mas quando chegam à cidade onde havia o porto por onde fugiriam uma felicidade sem tamanho se apodera deles, então caminham até o porto, ele ficava do outro lado da cidade.

Fazem uma parada no meio do caminho, havia uma plantação de milho que facilitaria se esconderem além de que lhes forneceria o alimento de que tanto lhes fazia falta nos últimos dias, e comem aquele milho como se fosse a melhor refeição que já tiveram em suas vidas.

Caminham à noite quando então se defrontam com o Porto de Gijón, Gerôme e a Senhora Ethel Janowicz estavam em piores condições, quase não conseguiam mais andar, se fosse preciso correr fatalmente esses dois estariam fadados à desgraça, Jean pede a Charles que fique com o grupo, pois ele irá encontrar o barco que irá levá-los à costa inglesa, sabia que o barco tinha o desenho de uma Sereia segurando uma âncora, e que a frase pela qual se identificaria com o aliado seria: Seu barco está preparado para a pesca em águas profundas?

A resposta correta, dada pelo contato, seria: Somente em noites de Lua Cheia para pesca em arrasto
.
Então Jean se esgueira entre os barcos ali ancorados, não havia movimento, parecia que todos estavam dormindo, mas na beira do cais ele enxerga um candeeiro aceso, e um homem abaixo do candeeiro manipulando uma rede de pesca, ele se aproxima e enxerga a proa da embarcação, e vê que ali estava o desenho que o identificava, então ele se aproxima mais e se deixa ver pelo homem, que o olha fixamente, então Jean lhe faz a pergunta:
— Seu barco está preparado para a pesca em águas profundas?

O homem fica inerte, olha para os lados e responde a ele após dar um sorriso:
— Somente em noites de Lua Cheia para pesca em arrasto.

Jean sorri, quase chora, vai de encontro ao homem que logo lhe pergunta:
— Onde estão os demais?

Jean responde:
— Estão próximos, irei buscá-los.

O homem fala:

— O barco está preparado para partir, vá logo.
Jean vai junto aos demais e os leva até o barco, ele dá suporte a Gerôme enquanto que o Sr. Janowicz e Charles auxiliam a Senhora Janowicz no caminho, quando chegam à embarcação são recepcionados pelo homem com quem Jean teve contato e por outros três marinheiros, eles os conduzem para dentro da embarcação e sem mais delongas ela é solta do cais e rapidamente suas velas são enfunadas e com isso, aproveitando-se da brisa marítima se dirigem para o Alto Mar.

Após estarem instalados recebem alimento e água, Jean e Charles esperam que todos estejam saciados e depois era a vez deles, após isso Jean sobe e vai conversar com o homem, e ele diz:
— Graças a Deus não tivemos problemas para chegarmos até aqui, agora nos resta a última jornada, e espero que nós não nos defrontemos com nenhum barco alemão.
— Me perdoe meu nome é Jean.

O homem então lhe aponta a mão, as apertam, e responde em ótimo inglês:
— Meu nome é Conneghan, fico muito feliz que possa estar fazendo isso por vocês, e quanto aos barcos alemães é pouco provável, iremos para a costa oeste da Inglaterra onde nossa marinha reina soberana, apenas que quando nós estivermos próximos eu terei que me comunicar com eles nos identificando, senão comeremos chumbo inglês, mas saiba que eles estarão nos esperando, temos uma carga muito valiosa para eles entre nós.

Assim as velas são enfunadas e o barco avança para o mar aberto, assim que saem da encosta os motores da embarcação são ligados apontam a proa para seu destino e zarpam em direção à ele, dando início à jornada através do oceano em direção à terra segura.

Walter Possibom, São Paulo, SP é autor de Um Brilho nas Sombras e Quando os Ventos Sopram na Pradaria. É editor dos Blogs Planet Caravan e Walter Possibom Escritor, e além de músico, Livre Pensador.

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