Atualizado em 28/07/2024 as 11:47:44
Os primeiros dias de janeiro de mil novecentos e quarenta e cinco mostram que o exército de Hitler estava sendo sufocado pelos Aliados, os nazistas estavam sendo derrotados em todas as frentes, a guerra estava em seu final ao que tudo indicava pelo andamento das batalhas, menos a luta de Jean, ele ajudava na reconstrução da cidade, os prédios estavam sendo reerguidos, a cidade tentava voltar a sua normalidade, Jean ia todos os dias no acampamento da Cruz Vermelha obter notícias de Gregory e elas não vinham, pelo menos as que ele queria o amigo lhe diz que naquele início de janeiro o Embaixador estaria de volta, e dessa forma teriam mais notícias sobre Evelyn, mas por enquanto teriam que aguardar ainda mais um pouco.
Jean começa a ficar alheio a praticamente tudo, trabalhava na reconstrução, porém sua mente estava muito longe dali, às vezes nem ele sabe para onde ela vai muitas vezes Charles o encontra falando sozinho e fica preocupado com o amigo, tem medo de que ele fique louco, conforme o tempo passa e ele compreende a dimensão do amor que o amigo tinha pela esposa, e sofre junto a ele, a ansiedade por notícias dela também afligem a ele, e algumas vezes ele simplesmente senta ao lado do amigo e fica alheio a tudo junto a ele.
O mês de janeiro caminhava e Jean não recebia notícias de Gregory há mais de duas semanas, começa a ficar preocupado com isso, pois o amigo nunca deixou de falar com ele esse tempo todo, o prédio onde ficava o restaurante estava parcialmente recuperado, ele passa a morar ali junto de Charles, improvisam um pequeno fogão a lenha num dos cômodos, depois de tanto tempo teriam uma comida quente.
Era o dia trinta e um de janeiro, final de tarde de um dia com temperaturas amenas, o sol começava a se esconder por detrás das nuvens deixando um rastro amarelado por todo o céu azul, Jean estava sozinho, havia um silêncio incomum, a atmosfera normalmente empoeirada dava lugar a um ar puro, ele se sentia muito bem, estranhamente bem, as dores no peito que sentia há dias sumiram, vai até o cômodo onde estava o fogão a lenha e ajeita para acendê-lo quando de repente ouve uma música, ele a conhecia, sua pele toda se arrepia ao ouvir a Clair de Lune depois de tanto tempo, ele olha para os lados tentando descobrir de onde vinha ela e percebe que vinha do salão da frente, se dirige a ele com calma, devagar, dele saia uma luz relaxante, conforme vai se encaminhando para o salão fica em dúvida se a música era real ou vinha de sua mente, se aproxima do salão e quando entra nele vê uma mulher parada no meio do salão, os raios de sol que entravam pela porta principal por detrás dela dificultava para ele ver quem era ele para e fica olhando, a mulher também estava imóvel, Jean então pergunta:
— O que deseja?
Uma voz conhecida responde:
— Desejo um abraço e um beijo de meu marido.
Jean estava confuso, seu cérebro não consegue distinguir se aquilo era real ou fictício, não consegue dizer quem era aquela mulher, e responde:
— Qual o nome de seu marido?
Ela não titubeia e responde:
— Jean Marcel.
Ele olha para ela com surpresa, e diz a ela:
— Mas esse é o meu nome.
Ele estava muito confuso, lágrimas escorriam por sua face, não consegue se mover, ele ainda não conseguia ver o rosto da mulher, acha que alguém pode estar querendo lhe pregar uma peça, sabiam que ele estava em busca de sua esposa há muito tempo.
A mulher então se aproxima mais dele, seu rosto fica iluminado e põe à mostra as feições de um lindo rosto adornado por dois olhos verdes luminosos, era Evelyn, estava lindamente vestida então ele a reconhece, mas ainda estava em dúvida se aquilo era real ou fruto de sua imaginação, não consegue se lembrar há quanto tempo que não a via, então ele senta num pequeno banco que havia ali, não tira os olhos dela, as lágrimas aumentam e ele diz:
— Você é a Evelyn, minha linda esposa que tanto amo.
Evelyn mantinha um sorriso radiante, algumas lágrimas escorrem por sua linda face, olha para ele com um carinho enorme, ele sente isso e um pequeno sorriso se mostra em seu rosto apagado por tanto tempo longe dela, ele enxuga algumas lágrimas e diz a ela:
— Estive a sua busca por tanto tempo, me desesperei por tê-la deixado aqui sozinha e quando soube dos bombardeios entrei em pânico, eu me deitava pensando em você, se você estava bem, se estava confortável, se estava se alimentando bem, pensava nas noites que você deve ter passado deitada em nossa cama chorando pela minha ausência, a sua dor era a minha dor, eu sofri muito por não ter ficado ao seu lado nesses momentos críticos, chorei todos os dias por você ter sofrido por minha causa, por favor, me perdoe, eu te amo muito, você é o amor com que sonhei em toda a minha vida.
Evelyn se aproxima dele, afaga seus cabelos e diz:
— Não há o que perdoar, nós temos que fazer o que deve ser feito, as coisas são assim, na vida sempre nos deparamos com bifurcações em nosso caminho, cabe a nós escolher em qual deles iremos, tudo faz parte da vida.
— Você salvou seus pais, livrou-os da ira nazista, e em que pese todas as dificuldades você voltou para cá, voltou para o seu lar, voltou para os braços de sua amada, para que possamos juntos continuar a nossa jornada.
— A vida às vezes não é tão simples, os fatos e os acontecimentos surgem para nos colocar no caminho certo, mesmo que para isso seja necessária uma separação precoce, mas você logo irá entender tudo isso, ainda está confuso, sua mente não distingue as coisas ainda, tenha paciência meu amor, logo tudo ficará claro.
Após falar isso ela o pega por suas mãos e lhe dá um abraço apertado, os rostos se encaram, lágrimas escorrem pelos olhos dos dois, Jean diz a ela:
— Meu amor quanta saudade, te amo muito.
Em seguida trocam um beijo de uma paixão enorme. Eles se separam do abraço, ela o pega pela mão e caminham para a porta de saída, a música de Debussy é ouvida ao fundo, eles se entreolham ela sorri para ele, então saem pela porta por onde entravam raios luminosos intensos e desaparecem em meio a eles.
Gregory chega a Londres, seu semblante era muito sério, voa em direção onde ficava o prédio do restaurante, no meio do caminho se depara com Charles perambulando pela rua como se fosse um andarilho de cabeça baixa, ele vai até ele e o chama, mas Charles não responde, ele se aproxima dele e o pega pelo braço e o abraça, olha para o amigo e diz:
— Que bom que te encontrei, acabei de chegar de Oxford, estive ontem com o Embaixador, precisamos ir conversar com Jean, mas temos que ir nós dois juntos ele vai precisar muito de nós, assim que entrei na sala do Sr. George Folmer perguntei a ele sobre Evelyn, o embaixador abaixou a cabeça e ao levantá-la percebi que seu semblante havia se modificado, ele recebeu contornos de uma dor profunda, suas mãos estavam trêmulas, ele então olhou para mim e me relatou o seguinte:
— Momentos antes do primeiro bombardeio nós já sabíamos que ele aconteceria, fomos avisados pelo Serviço de Inteligência com uma pequena antecedência, então descemos até o abrigo, mas quando estávamos descendo as escadas Evelyn parou e disse a mim que precisava voltar, pois havia esquecido uma coisa e que não poderia ficar sem ela, e em que pese meus apelos ela se soltou de nós e voltou ao prédio, ela foi buscar uma caixinha de música que Jean havia dado a ela.
— Desde o dia que Jean foi para Paris e a partir do momento em que ela soube que ele estaria preso em Paris devido à invasão alemã ela ouvia a música de Debussy todos os dias, então isso era compreensível.
— Mas infelizmente as portas do abrigo foram fechadas, em que pese todos os nossos apelos para que esperassem, quando as portas foram liberadas após o bombardeio subimos as escadas e dei ordens aos Policiais Militares do Exército Norte Americano que fossem à frente e procedesse à busca dela como ação prioritária.
— Verificamos que o prédio havia sido atingido parcialmente, mas quando os soldados entraram a encontraram sob os escombros, em sua mão estava a caixinha de música, firmemente agarrada por ela, levamos Evelyn para o posto médico do exército inglês, fizemos os primeiros atendimentos necessários, mas ela estava em coma, infelizmente, havia recebido um trauma intenso em sua cabeça, nos dias que se seguiram ela lutou bravamente por sua vida, eu a visitava todos os dias, e quando eu chegava em seu quarto eu pegava a caixinha de música e fazia com que a linda melodia de Debussy invadisse os ouvidos dela querendo dizer para que ela lutasse, e que logo Jean voltaria para ela.
— Certo dia ela estabilizou, mas o coma persistia então eu a encaminhei para nossa pátria, eu a internei no Hospital Militar em Washington, onde foi atendida pelos melhores médicos dos Estados Unidos, além do que ficaria longe da guerra e os perigos de novos bombardeios.
— Ela estava indo bem quando começou a apresentar uma febre muito alta, tosse e expectoração com sangue, fizeram inúmeros exames e constatou-se que ela estava com uma enorme Pneumonia, iniciaram de pronto os tratamentos conhecidos, porém o estado de saúde dela foi se agravando e após duas semanas iniciaram um tratamento com uma nova droga chamada de Penicilina, era nossa esperança que essa nova droga pudesse curar Evelyn.
— Infelizmente o quadro de Evelyn ficou mais grave, a pneumonia estava fora de controle e para piorar as coisas os médicos constataram que os rins dela estavam entrando em colapso, em parte pela medicação e em parte pela infecção pulmonar que parecia estar se alastrando pelo corpo dela, o quadro era muito grave.
— Eu voltei para os Estados Unidos para poder fica junto dela para acompanhar o seu estado de saúde, e me desesperei quando a vi naquele estado.
— Os primeiros dias após a administração da nova droga passam com Evelyn lutando muito, seu coração, por vezes, demonstra certo cansaço, mas logo se recupera e segue adiante, a febre oscila, consegue ficar em alguns momentos em níveis baixos, isso me deixava esperançoso, a função renal se estabiliza, era um bom sinal, pelo menos não estava piorando.
— Num certo dia eu estava ao lado dela quando de repente ela começa a tremer toda, eu entrei em pânico e sai gritando pelas enfermeiras, elas entram no quarto de terapia intensiva a toda velocidade, Evelyn estava tendo uma crise convulsiva, logo o médico chega e manda que administrem uma medicação na veia de Evelyn, com isso aos poucos a convulsão vai cedendo.
— Após esse episódio que deixa a todos assustados o médico solicitou inúmeros exames, dentre eles o do líquido que fica na espinha, ele estava visivelmente preocupado, mas teria que esperar o resultado dos testes para saber com exatidão o que havia acontecido.
— Não demora muito e os resultados chegam, fui chamado pelo médico que me diz que infelizmente os resultados não eram bons, Evelyn teve esse episódio convulsivo devido a uma Meningite Pneumocócica, e os resultados nos mostrava que o quadro era intenso, o quadro dela era muito grave, lamentavelmente, a bactéria saiu dos pulmões e se disseminou pelo corpo dela.
— Continuamos lutando com todas as nossas armas, mas, infelizmente, o organismo fragilizado dela foi se comprometendo mais até o dia em que teve uma parada cardíaca que não se reverteu, infelizmente ali nós perdemos a nossa Evelyn.
— Fiquei arrasado, destruído por dentro, me senti culpado por Jean ter voltado à Paris e ficado preso por lá, e pelo sofrimento que vi Evelyn passar, eu fiz o que pude para salvá-la, mas infelizmente isso não foi o suficiente, levarei esse peso na consciência pelo resto de minha vida.
Gregory conta isso tudo com lágrimas em seus olhos, aquele foi um dos dias mais tristes de sua vida, olha para Charles que o olhava com um ar estranho, então Gregory diz a ele:
— Vamos nos encontrar com Jean, precisamos contar a ele o que houve com Evelyn, mas prepare-se, a dor que irromperá do peito de nosso amigo será enorme, ele irá necessitar de nós dois ao seu lado nisso.
Charles o interrompe e diz:
— Ha dois dias atrás eu voltava para o restaurante e encontrei Jean sentado num pequeno banco no meio do salão da frente, ele estava olhando para a porta de entrada e sorria, seu rosto parecia estar banhado por uma calma e por uma paz que eu jamais havia visto, achei estranha essa atitude dele então perguntei a ele se estava tudo bem, e ele não me respondeu, me aproximei dele e o toquei, percebi que sua pele estava fria e constatei que estava sem pulso e sem respiração, eu entrei em pânico, eu repetia para ele que ele não podia nos abandonar naquele momento, eu o peguei em meus braços e sai correndo como nunca o fiz em toda a minha vida, eu o levei até a Cruz Vermelha, os médicos vieram e o examinaram, mas ele já estava morto, eles não podiam fazer mais nada por ele.
Gregory se ajoelha ao ouvir isso, as lágrimas saem de seus olhos como uma cachoeira, ele é tomado por uma dor sem tamanho, e o amigo continua sua narrativa:
— Estou andando desde então sem saber o que fazer, me perdoe meu amigo, mas eu fracassei em minha missão de mantê-lo vivo até que ele se encontrasse com sua esposa, perdi tudo em minha vida, agora me resta apenas me deixar levar pelo destino.
Charles então se ajoelha e se abraça a Gregory, choram juntos a perda do amigo, ficam assim por um bom tempo, em sua volta as pessoas passavam indiferentes a cena, muitas passavam como se fossem robôs, andando de forma automática, os dois levantam e se juntam a essa massa humana e caminham pelas ruas cheias de entulho, as pessoas iam e vinham algumas agitadas outras introspectivas, as paredes estavam sendo reerguidas, as vidas estavam sendo reconstruídas e algumas almas estavam sendo reconduzidas.
Eles desembarcaram em 1945
E ninguém falou e ninguém sorriu
Havia espaços demais nas fileiras
Agrupados no mausoléu
Todos pacíficos com a mão no coração
A embainhar as facas de sacrifício
Mas agora
Ela ficou na Doca de Southampton
Com seu lenço de pescoço
E seu vestido de verão
Mantém-se fiel mesmo molhada na chuva
Num desespero silencioso
Inocentes sobre as rédeas escorregadias
Ela corajosamente dá adeus aos garotos de novo
E a escura mancha ainda escorre
Nos ombros deles
Uma muda lembrança
Dos campos de papoula e túmulos
E quando a luta acabou
Nós gastamos o que eles conseguiram
Mas, no fundo dos nossos corações
Sentimos o corte final voltar
Southampton Dock – Pink Floyd
Roger Waters
Walter Possibom, São Paulo, SP é autor de Um Brilho nas Sombras e Quando os Ventos Sopram na Pradaria. É editor dos Blogs Planet Caravan e Walter Possibom Escritor, e além de músico, Livre Pensador.
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Do Livro:
Clair de Lune