Clair de Lune — Capítulo 9

Atualizado em 28/07/2024 as 11:51:24

Na Embaixada Norte Americana Evelyn estava aflita, não tinha notícias nenhuma quanto ao voo que havia levado seu marido para Paris, na embaixada ninguém sabia de nada, ao início da noite ela estava absolutamente apavorada, então ela é chamada à sala do Embaixador, o semblante dele era muito pesado, ela percebe e fica ainda mais nervosa, começa a tremer pelo corpo todo, ela senta à frente dele e ele a encara, ambos ficam assim por um tempo, então lhe diz:
— Minha menina querida, infelizmente eu não tenho boas notícias para você.

Mal termina de dizer isso ela cai num choro profundo, soluçava muito, ele vai até ela, dá um forte abraço nela, puxa uma cadeira e senta ao lado dela, enxuga as lágrimas dela e a olha de frente e lhe diz:
— O avião teve que voltar antes do horário combinado, os alemães invadiram Paris antes do tempo previsto, então o militar em comando decidiu voltar antes do tempo para salvaguardar a integridade de todos, dentre eles haviam alguns adidos militares norte americanos.
— Infelizmente Jean não conseguiu chegar lá antes disso.
— O resgate não poderá ser feito por esses dias, o tráfico aéreo e o marítimo entre a Europa e a Inglaterra estão fechados, somente alguns barcos comerciais se aventuram por esses locais sob o risco de serem afundados.
— Me sinto culpado por isso, mas não sei como fazer para corrigir isso.

Evelyn chorava muito, essas palavras caem em sua mente como se fosse uma sentença de morte ao marido, fica um tempo chorando no ombro do amigo, então se afasta dele e lhe diz:
— O Senhor não tem culpa, foi muito gentil em nos conseguir isso, mas as coisas às vezes acontecem sem o nosso controle, eu acredito muito em Deus e sei que se ele fez isso é porque era necessário, sei que ele cuidará de meu amor.

Cai novamente num choro profundo, falava essas coisas para que ela mesma pudesse se convencer de que tudo estaria bem, o amigo então lhe diz:
— Você tem minha autorização para ligar a Paris quantas vezes você quiser embora neste momento aparentemente as linhas telefônicas estejam danificadas, infelizmente deixamos poucas pessoas na embaixada e elas não poderão te ajudar, mas se eu vier saber de alguém que lá esteja e que seja de nossa confiança, irei pedir ajuda a encontrar seu Jean, ele provavelmente ficará no restaurante de seus pais, não deverá ser difícil encontrá-lo, vamos ter fé, além de que ele também tentara falar com você.

Naquele dia mesmo ela tenta ligar para o restaurante dos pais de Jean sem sucesso algum, as linhas telefônicas simplesmente não funcionavam, passa aquela madrugada em claro, fia acariciando o travesseiro do marido colado ao seu corpo, a saudade e o medo de perdê-lo a deixa muito mal, por volta da duas horas da madrugada se levanta, não conseguia ficar na cama, então vai até o apartamento de Gregory, ela havia informado a ele por telefone sobre o que tinha acontecido com Jean, assim que ele abre a porta ambos se olham e as lágrimas irrompem no rosto de ambos, em seguida eles se abraçam ela entra e senta no sofá da sala, tentam buscar forças juntos para continuarem com as suas vidas.

No dia seguinte Paris estava numa movimentação intensa, os carros com as insígnias nazistas transitavam por todos os lugares, havia soldados postados em guarda nas principais avenidas, ainda havia alguns focos de resistência os quais eram rapidamente reprimidos e eliminados, os blindados tomaram de assalto à cidade e estavam por todos os lados.

A Máquina de Guerra Nazista desfila pela Champs-Elysées com seus cavalos reluzentes, tanques, canhões, uma fila interminável de soldados extremamente bem vestidos e alinhados portando bandeiras e estandartes com os símbolos nazistas, a cidade estava sendo totalmente ocupada e sufocada pelos invasores, o povo via isso tudo em silêncio com indignação e ódio, aquela era mais uma página negra na história da bela cidade, já castigada inúmeras vezes por esses conflitos.

Jean nada pode fazer além de tentar a comunicação com Londres, mas as linhas telefônicas não funcionavam, estavam isolados do resto do mundo, só resta esperar, passa o dia no restaurante de seus pais, sua mãe fechou o restaurante e todos ficam no restaurante do pai com poucos funcionários, eles cozinhavam as refeições que eram servidas para míseros cinco ou seis clientes, não havia mais clientes em Paris, o medo do desabastecimento de alimentos começa a tomar forma, e com isso Jean pensa em sair de Paris junto com seus pais, mas tema informação de que o êxodo da cidade em direção ao oeste entupiu as principais estradas, e os alemães estavam simplesmente metralhando todos que fugissem, então não havia saída naquele momento, teria que esperar o momento certo para se comunicar com Evelyn, ele ficava o tempo todo olhando para a foto interna do relógio que ele havia ganhado dela, esse era um objeto preciso que precisaria esconder, pois se algum soldado alemão o visse com aquilo poderia “confisca-lo” dele, e naquele momento aquilo era a única coisa que ele tinha de sua esposa.

Os líderes franceses pensam, a princípio, em retirar-se para territórios franceses no Norte da África, mas o Vice Primeiro Ministro Philippe Pétain e o Chefe do Estado Maior General Máxime Weygand insistem que o governo deveria manter-se em território francês e negociar um armistício com a Alemanha.

Após essa decisão ser aceita pelo governo francês, o Primeiro Ministro Paul Reynaud demitiu-se e o Presidente Albert Lebrun nomeou Pétain para substituí-lo e no dia vinte e dois de junho dele assina o acordo de rendição com a Alemanha.

Nesse acordo a França seria dividida em duas partes, sendo uma ocupada e outra não ocupada. A Alemanha tomaria conta da parte norte e ocidental da França, e toda a Costa Atlântica enquanto que o restante seria administrado pelo governo francês com a capital em Vichy liderado por Pétain.

No acordo fica acertado que todos os judeus franceses seriam entregues à Alemanha, e todo o custo de ocupação das tropas alemãs seria custeado pelo estado Francês, que, além disso, se preocuparia em impedir que os franceses deixassem o país.

O dia vinte e cinco de junho fica marcado, também, pela fuga do General De Gaulle que consegue chegar à Inglaterra, e por isso ele é sentenciado por um Tribunal Militar à morte por abandonar o país.

Esses acontecimentos deixam Jean apavorado, sua fuga do território francês torna-se cada vez mais longe de acontecer, ele estava no centro da zona ocupada pelos nazistas, não conseguiria sequer sair de Paris, o norte do país estava totalmente tomado pelas forças alemãs, à região leste o levaria direto à Alemanha, o sul e o oeste estavam tomados pelas forças de Vichy que o impediriam de sair dali, teria que esperar o momento certo ou então um resgate heroico, para sair daquela situação, e ambos pareciam improváveis.

Pensa em Evelyn e de como ela estaria desesperada com tudo aquilo, sente-se culpado por deixá-la assim, devia ter ouvido as palavras sensatas de todos que o cercavam dizendo dos riscos, mas ele ignorou todos os avisos e agora estava naquela situação, não tinha ideia do que iria acontecer com ele nem com seus pais, apenas o tempo dirá qual destino estava reservado para eles.

No dia três de julho as informações davam conta de que uma Esquadra da Marinha Inglesa havia atacado navios da Marinha Francesa ancorados na Costa da Argélia, o ataque foi de surpresa e tinha o objetivo de destruir alguns dos principais navios franceses causando a morte de mais de mil e duzentos marinheiros franceses, os ingleses temiam que esses navios caíssem em mão dos alemães.

Essa ação da marinha inglesa fez parte da opinião pública francesa mudar de lado e apoiar a Alemanha e a França de Vichy.

No dia cinco de julho desse mesmo ano o Reino Unido e a França de Vichy cortam suas relações diplomáticas, as motivações para isso foram inúmeras, a França de Vichy sentia-se indignada pelo ataque surpresa em sua frota de barcos, enquanto que a Inglaterra reconhecia naquele governo francês um governo fantoche da influência nazista que se opunha às Forças Livres Francesas.

No início os alemães estimulavam os franceses a manterem a sua rotina de vida, graças a grande valorização do Marco Alemão eles esvaziam as lojas de lingerie, as de artigos finos e de perfumes, as casas de espetáculo experimentam uma grande alta com a exibição de obras clássicas, tanto de teatro como de cinema.

Os restaurantes seguem por essa linha, e todos ficam cheios o tempo todo, os pais de Jean tentam retomar a vida normal, porém ele não consegue, fica ansioso o tempo todo, sentia muita saudade de sua mulher, a falta de comunicação com ela o deixava arrasado, não conseguia se perdoar por ter feito isso com ela, e pensa constantemente em fugir de Paris.

Os deslocamentos populacionais diminuíram muito, a linha que demarcava as duas zonas bloqueia o comércio entre as duas partes, assim como as correspondências e a movimentação de pessoas, para atravessar essa barreira era necessária uma autorização dos alemães, ou então passar clandestinamente correndo sérios riscos.

A França logo passa a sentir os efeitos do embargo econômico imposto pelos alemães, e a penúria começa a ser experimentada por todos, o carvão não mais vinha da Inglaterra, as gorduras e o óleo não vinha mais das colônias.

Era o dia dez de julho, Jean estava sentando, como de costume, no escritório do restaurante de seu pai, em seu pensamento estava Evelyn, quando ouve uma notícia que o deixa em absoluto pânico: a Inglaterra estava sendo bombardeada pelos alemães. Ele sai do escritório do pai alucinado com a notícia, chama pelo pai se põe de joelhos a ele e lhe diz:
— Pelo amor que tem por mim pai, me ajude a voltar para Londres, preciso estar ao lado de minha esposa.

O pai o leva de volta ao escritório, ele estava completamente tomado pela emoção, não conseguia raciocinar, o choro era convulsivo, o medo da perda de sua amada, e o peso na consciência por tê-la abandonado o deixam sem razão.

O pai gradativamente consegue acalmá-lo, pede a um empregado que chame sua esposa, e logo ela se faz presente e tenta acalmar o filho, aos poucos a emoção dá espaço a um pouco de razão, então seu pai lhe diz:
— Impossível qualquer tentativa de irmos até Londres, nós estamos presos em nossa casa e mesmo que consigamos sair daqui não ire4mos muito longe, o país todo está tomado pelos alemães, e somos proibidos de sairmos dos locais onde vivemos.
— Nós precisamos ter muita calma e esperar os fatos.

Jean diz a ele:
— Faz muito tempo que não falo com ela, sinto saudades, ela também sente, e tenho medo em imaginar que possa acontecer algo a ela.

Sua mãe o abraçava, fazia inúmeras carícias em sua fronte, deixa escapar algumas lágrimas de emoção por tudo o que estava acontecendo, então lhe diz:
— Neste momento, meu filho, a nós só resta termos fé em Deus e pedirmos a ele que proteja os nossos entes queridos, além disso, nada mais nos é possível.

Jean interpela a mãe:
— Mas oficiais nazistas comem em seus restaurantes, façam amizade com eles, quem sabe conseguimos uma autorização para que eu possa ir para o norte do país, lá eu me viro para tentar um barco e ir para Londres.

Jean precisava se apegar a algo, seu estado emocional estava crítico, não conseguia raciocinar muito, mas teria que fazer algo senão ele explodiria.

Jean passa a temer pela vida de sua esposa, o noticiário dizia em bombardeios maciços em Londres, chega a ver algumas cenas que o deixam apavorado com inúmeros edifícios em chamas, ora todos os dias a Deus para que proteja sua esposa.

Os dias seguintes foram terríveis para ele, não dormia, ficava andando de um Aldo para outro nervosamente, seus pais lhe voltam com notícias, tiradas dos oficiais alemães, de que as autorizações para o norte do país estavam proibidas, e que não haveria possibilidade nenhuma de deslocamento para fora das zonas em que estavam isso o deixa com um sentimento de muita dor, a saudade o pega de forma violenta, chora pelos cantos olhando a foto de sua amada, mas aos poucos tenta recuperar o seu lado racional, precisava dele, decide então que irá voltar para Londres, então começa a se relacionar com pessoas que estariam envolvidas com a Resistência Francesa, essa talvez fosse uma saída.

Mas também isso poderia ser o seu fim.

Walter Possibom, São Paulo, SP é autor de Um Brilho nas Sombras e Quando os Ventos Sopram na Pradaria. É editor dos Blogs Planet Caravan e Walter Possibom Escritor, e além de músico, Livre Pensador.

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