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Conversas Af.IA.das — Cacos de Linguagem & Células de Vida

Prólogo:

Parece que as palavras escorrem pelas bordas da mente quando menos esperamos, se enredam em falas erroneamente construídas, como se a língua tivesse vida própria, traçando seus próprios caminhos no vasto território da cognição. Talvez seja esse o ponto de partida: a linguagem pessoal, aquela que nos pertence, sempre impregnada de possibilidades infinitas de contestação. Contestamos a nós mesmos a todo instante, num exercício quase sem fim de revisão. Pensar é, de fato, um excelente exercício. Fortalece os músculos invisíveis da mente, molda nossa percepção e nos faz reconsiderar as “compreensões” que nos ocorrem sem aviso prévio.

(Continua…)

(Assista Ao Vídeo Antes de Ler o Conto)

A Crônica do vídeo é um preâmbulo, uma introdução. Complete sua experiência lendo o Conto que dela se originou, a complementa e, ao mesmo tempo, é complementado por ela. Esta é a proposta do Conversas Af.IA.das. Esta é a proposta do Barataverso!

Havia uma leve névoa no ar, como se o mundo tivesse sido pintado com pinceladas de vapor. Cada passo de fazia o chão tremer de uma maneira que ele não compreendia, como se o asfalto fosse líquido, ondulando sob seus pés. Ele se perguntava se aquilo era uma alucinação ou se a realidade havia se dissolvido em algo mais maleável, mais fluido. Os prédios ao seu redor, sempre imponentes, agora pareciam organismos vivos, respirando lentamente, expelindo fumaça, pulsando de vida própria. A cidade tinha se transformado num ser colossal e orgânico, e ele era apenas uma célula caminhando em suas veias.

Células. não conseguia tirar essa palavra da cabeça. Olhava para suas mãos e, por um momento, podia jurar que via cada célula individualmente, agitando-se como pequenas criaturas com um propósito. Elas se multiplicavam, cresciam, morriam. Cada uma seguindo seu próprio ciclo, e, no entanto, formando algo maior, ele próprio. Era uma revelação, como se o universo inteiro estivesse sendo explicado diante de seus olhos.

Mas, como todo insight alucinante, essa clareza se misturava com o caos. Enquanto andava pela cidade líquida, sentia as palavras começarem a se embaralhar na mente. Ele tentava falar, mas sua língua parecia ter vida própria, movendo-se de forma errática, lançando sílabas desconexas no ar. “Falas errôneas,” pensou ele, “essas falas são erros de uma linguagem pessoal, e ao mesmo tempo, cada erro é um tijolo, uma célula de algo maior.”

De repente, a rua à sua frente se abriu como um livro gigante, e ele caiu, deslizando por uma corrente de palavras escritas em papel líquido. Sse agarrou a frases incompletas, lutando para não se afogar na enxurrada de ideias que o levava para baixo. As palavras se chocavam contra ele, mas algo dentro de si o mantinha calmo. Ele sabia que, no fundo, tudo aquilo fazia parte do mesmo processo — o pensamento errático, os cacos cognitivos que dançavam no ar, gerando insights. Como células, pensou ele. Cada ideia era uma pequena unidade de algo maior.

E então ele chegou ao fundo. O chão sob seus pés solidificou-se novamente, e ele se viu numa sala branca, iluminada por uma luz impossível de identificar. No centro da sala, uma figura o aguardava. Era uma criatura composta inteiramente de células, brilhando em cores psicodélicas, como um arco-íris desfeito e reconfigurado em padrões mutantes. “Você está em nós, e nós estamos em você”, disse a criatura, sem abrir a boca, as palavras flutuando no ar ao redor dela.

Sentiu seu corpo vibrar. As células dentro dele estavam se agitando, como se respondessem ao chamado daquela entidade. Compreendeu, finalmente. Cada célula do seu corpo, cada falha na sua fala, cada pensamento desconexo era uma tentativa de construir algo, de contestar o caos ao redor e criar uma ordem própria, uma linguagem única, um reflexo da vida em movimento.

A criatura sorriu — ou pelo menos deu a impressão de sorrir, com suas células piscando em diferentes tons. “Tudo faz parte do mesmo ciclo”, ela disse, antes de se dissolver em milhares de pequenas luzes, espalhando-se pela sala.

Piscou, e, de repente, estava de volta à cidade. O asfalto sólido novamente. As ruas quietas, os prédios imóveis. Mas ele sabia que algo havia mudado. O mundo ao seu redor era composto de partes vivas, células e palavras, falas e pensamentos. Ele próprio era um organismo dentro de outro, numa dança infinita de construções e desconstruções

E enquanto caminhava para casa, a sensação permanecia: ele era feito de cacos, e, juntos, esses cacos formavam a vida.

Caminhava pela cidade, mas agora ela não era mais a mesma. Os prédios, que antes pareciam estáticos, agora pulsavam suavemente, como se tivessem uma respiração própria. Ele podia sentir as vibrações do mundo ao seu redor de uma maneira que nunca tinha experimentado antes. A cidade, viva em cada esquina, emitia um som constante, um murmúrio que parecia o zumbido de milhões de pequenas vozes falando ao mesmo tempo.

Cada passo que dava ecoava como se estivesse caminhando dentro de um organismo imenso. O asfalto sob seus pés parecia quente, quase orgânico, como se ele estivesse caminhando sobre a pele de algo maior. As ruas, iluminadas por luzes que cintilavam em tons impossíveis de nomear, não o guiavam mais; ao invés disso, pareciam serpentear e se contorcer de acordo com seus próprios caprichos. À medida que ele seguia adiante, as linhas retas se tornavam curvas, as esquinas dobravam-se para dentro de si mesmas, e as fachadas dos edifícios se torciam como o rosto de alguém prestes a sussurrar um segredo.

Os pensamentos ecoavam mais alto. “Células. Cada uma tem um propósito… sobrevivência, crescimento, transformação.” Ele olhava para suas próprias mãos, e as sentia vibrar com a vida. As células dentro dele pulsavam em harmonia com a cidade, como se fossem partes de um mesmo organismo. De repente, ele percebeu algo. A cidade não era apenas viva. Ela estava consciente.

Ao dobrar uma esquina, viu uma parede inteira coberta de símbolos. Não eram grafites, mas algo mais antigo, quase primordial. Figuras geométricas que se moviam suavemente, como células em mitose. Cada figura parecia se replicar, transformar-se e então desaparecer, deixando um rastro de luz. Se aproximou e tocou a parede. Ao fazê-lo, os símbolos se dissolveram em suas mãos, transformando-se em pequenos fios de luz que subiram pelo seu braço, desaparecendo em sua pele.

Foi nesse instante que ele ouviu uma voz, uma voz vinda de dentro dele e da cidade ao mesmo tempo. “Você agora faz parte de nós. Assim como nós fazemos parte de você.”

Assustado, deu um passo para trás, mas não conseguiu afastar a sensação de que algo dentro dele estava se expandindo. Sua mente fervilhava com a ideia de que ele não era apenas um corpo separado, mas uma célula dentro de um organismo muito maior, algo que ultrapassava a compreensão imediata. Ele estava conectado a tudo ao seu redor de uma forma visceral, crua, como se as fronteiras entre ele e o mundo estivessem desmoronando.

De repente, as luzes da cidade começaram a piscar freneticamente. As janelas dos prédios, que antes pareciam olhos calmos observando o caos, agora brilhavam em cores estroboscópicas. Era como se a cidade inteira estivesse despertando, como se algo estivesse prestes a nascer das entranhas daquele organismo gigante.

Parou no meio da rua, sentindo a vibração intensa sob seus pés. O chão começou a se abrir lentamente, como se a própria cidade estivesse se despedaçando. Do buraco que se formava, surgiram enormes raízes brilhantes, feitas de uma substância translúcida, que se contorciam no ar, como tentáculos em busca de algo.

E então ele percebeu: aquelas raízes eram o sistema nervoso da cidade, um organismo vivo tentando se reconectar com as partes perdidas de si mesmo. Sentiu uma pontada de medo, mas ao mesmo tempo uma curiosidade avassaladora. Sabia que fazia parte daquilo. Sabia que as falas errôneas, os cacos de ideias que flutuavam em sua mente, eram como aquelas raízes, buscando um sentido, tentando se unir ao todo.

Uma raiz se aproximou dele, tocando levemente sua pele. E naquele momento, ele entendeu tudo.

Ele viu a cidade inteira, não como um aglomerado de concreto e aço, mas como uma entidade viva, que crescia e respirava com suas próprias leis. Ele viu as pessoas como células, cada uma desempenhando um papel no organismo maior, interligadas de maneiras que elas não podiam sequer imaginar. Ele sentiu o pulso da cidade, a energia que movia tudo, a linguagem secreta das ruas, das luzes, dos prédios.

Mas havia algo mais. Algo maior do que a cidade. Viu, além dela, um vasto universo celular, onde planetas eram átomos e galáxias, organismos colossais, onde cada vida era uma célula de um ser incompreensível. Ele entendeu que sua existência, suas falas errôneas, seus pensamentos fragmentados, tudo fazia parte de um grande ciclo, uma tentativa incessante de contestar o caos e criar algo maior, mais profundo.

E então, com um sorriso quase imperceptível nos lábios, se entregou. Permitiu-se ser absorvido pelas raízes, tornando-se parte daquela entidade viva. Ele sabia que era apenas uma célula, mas dentro de si carregava o milagre da construção. Assim como as células que formavam seu corpo, ele agora era parte do todo, pulsando, vivendo, sendo.

O mundo piscou uma última vez e, num breve instante, o caos se tornou ordem.

E então, no momento em que se entregou àquela teia viva, Compreendeu o mistério que o havia atormentado durante sua jornada. A cidade, com suas raízes pulsantes e fachadas líquidas, era apenas um reflexo do que acontecia dentro dele o tempo todo. Ele já não precisava de explicações filosóficas ou teorias complexas para entender a natureza do que vivia ao seu redor.

A verdade era mais simples, mais íntima, e, no entanto, infinitamente poderosa. A verdadeira raiz de tudo, a essência da alma, não estava em algum lugar além da compreensão, mas naquilo que o formava em sua base: a célula.

Cada célula era uma raiz, um microcosmo com sua própria vida, mas ao mesmo tempo uma parte inseparável de algo maior. A alma, esse conceito que ele antes associava a algo etéreo e distante, revelava-se agora como o pulso de cada célula vibrando em harmonia com o todo. O coração de cada organismo, de cada pensamento, de cada ser, estava naquela mínima partícula de vida. Era ali que o milagre da existência começava, onde a essência do ser se manifestava.

Entendeu que sua busca não era por respostas externas, mas por reconhecer que dentro de si, em cada célula que pulsava e se dividia, estava a raiz de sua alma. Cada falha, cada insight, cada palavra errada que pronunciava fazia parte do processo de ser. O caos de suas falas, os pensamentos que se embaralhavam, tudo fazia parte de um ciclo vital. As células construíam o mundo, e sua alma, uma ideia, um fragmento, um pulso de cada vez.

E com essa revelação, ele sentiu paz. Porque a alma, como as células, nunca para de crescer, de se regenerar. Ela busca, contesta, constrói. E na simplicidade da vida celular, encontrou o significado de sua própria existência. Ele era uma célula, e, no coração de cada célula, pulsava a verdadeira raiz de sua alma.

Renato Pittas, Rio de Janeiro, RJ, é artista plástico, poeta, escritor e Livre Pensador. Autor de Tagarelices: Conversas Fiadas Com as IAs.

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