O protagonista de “Corra Lola, Corra!” é o tempo. Todos os outros são secundários. A música frenética que acompanha Lola em sua desabalada correria é o “tic-tac” insano e moderno de uma sociedade que desaprendeu de simplesmente existir. No filme, pouco importa o caráter dos personagens como Manny, um bandidinho, o pai de Lola um banqueiro inescrupuloso que tem uma amante, o Chefe de Manny, enfim, pouco importa o caráter de ninguém, pois o principal é… O Tempo. Lola é uma espécie de ponteiro do relógio. Então ela corre, corre, corre, porque o tempo sempre corre.
No inicio da história da marcação das horas os relógios não tinham o ponteiro de segundos. Hoje tem o de segundos e os mais modernos marcam milésimos, centésimos… Quanto mais preciso é a marcação do tempo mais precisão é exigida das pessoas. E precisão significa escravidão. Escravos do tempo e de tudo o que está atrelado a ele, perdemos a capacidade de julgamento, de amar e tudo mais de bom que existe. É exatamente assim em “Corra Lola, Corra!” Pouco importa se Manny é um bandido, que o pai de Lola é um escroto, o que importa é que ela corre e precisa mudar um futuro iminente.
Lola corre e ao correr interfere nas vidas daqueles que estão no caminho de sua corrida. E sem perceber, porque nunca percebemos aqueles que ultrapassamos na rua, em nossa corrida em busca sempre de algo que na maioria das vezes nem sabemos o quê. Lola corre e em 20 minutos tem que impedir que seu namorado tem um fim trágico. Mas não é o que importa. O que imporá é que Lola precisa correr, como um relógio precisa correr e atropelar quem passar em sua frente. O que importa é que existe um tempo que precisa ser alcançado.
O ritmo do filme é frenético, misturando em alguns momentos animação e película. Três finais possíveis para uma mesma história inicial, sempre mostrando que o tempo é o senhor. É ele quem dita as regras. Um micro acontecimento pode mudar nosso destino e por extensão de todas aquelas pessoas que, nem que nos percebamos estão ligadas á ela. Um atraso inesperado e o encontro também inesperado com alguém que nem conhecemos pode significar a diferença entre “começar” e “acabar”, em todos os sentidos desses termos.
De qualquer forma, “Corra Lola, Corra!” é um filme surpreendente sob todos os aspectos em que o analisemos. Por um lado é cinema alemão com toda a carga que possa ter. Mas é surpreendente ao nos prender na tela. E principalmente surpreendente por tratar de um tema tão discutido e nem sempre tratado com tanta competência.
21/10/2006
Corra Lola, Corra
Original: Lola Rennt, Produção: Stefan Arndt, Ano: 1998, País: Alemanha, Diretor: Tom Tykwer, Duração: 81m
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.
No ritmo (com o perdão do trocadinho) do cinema alemão.
Muito interessante esta análise! Lembro-me quando o filme foi lançado, várias pessoas dizendo que o filme era difícil de entender, contraditoriamente, diziam ao mesmo que era simplório. Claro que, estas afirmações vinham de consumidores de filmes mais comerciais. Ali eu percebia, mais uma vez, o quanto a correria diária tirou a sensibilidade de muitas pessoas. Pensando bem, o contrário também aconteceu. De qualquer forma, “Corra Lola, Corra”, é um alerta em forma de arte.
Esse filme e a resenha tem quase 20 anos, mais ainda me lembro de quando assisti (foram umas 3 ou 4 vezes). Realmente não é um filme para gente de cabeça de madeira.