Atualizado em 02/11/2024 as 13:13:40
Quem daquele que, como eu, era frequentador assíduo das salas do Metro, na Avenida São João, do Gemini, na Paulista às meias-noites de Sexta , ou do Cine Biju, na Praça Roosevelt, em São Paulo dos anos 1970, decerto irá reconhecer e até deixar um suspiro sair sobre esse filme: “Corrida Contra o Destino”, nome dado ao original “Vanishing Point” (decerto para referenciar comercialmente o “Sem Destino”, de Peter Fonda), bem na onda dos “road movies” do final da década de 1960, início da 70.
Kowalski (Barry Newman), o herói da história, trabalha para um serviço de entrega de carros. Ele recebe um Dodge Challenger de 1970 para levar do Colorado para São Francisco, Califórnia. Logo após a coleta, ele faz uma aposta para levar o carro para lá em menos de quinze horas. Depois de alguns confrontos com policiais e patrulhas nas estradas, eles começam a persegui-lo.
Ao longo do caminho, Kowalski é guiado por Supersoul, interpretado por Cleavon Little (na legenda brasileira foi traduzido para “Magnalma”, que ficou chique, mas que soa muito estranho), um DJ cego que tem uma escuta do rádio da polícia na estação de rádio em que trabalha.
No filme, muitas cenas de perseguição de carros, motociclistas nuas, hippies com serpentes, caronas gays e um tanto, claro, de melodrama pessoal do protagonista com a perda de sua namorada. Aliás, falando em protagonista, Barry Newman é, digamos, o ponto fraco do filme, já que não convence ninguém na atuação.
O filme dirigido por Richard Sarafian, de 1971, é um estudo fascinante daquelas pessoas que os antropólogos chamam de “marginais” – indivíduos presos entre duas culturas poderosas e concorrentes, compartilhando alguns aspectos importantes de ambas, mas não uma parte verdadeira de ambas. e, como tal, permanecendo tragicamente confinados a uma solidão existencial muitas vezes dolorosa. O disc jockey Super Soul e o motorista de entregas Kowalski são dois desses espectros.
O próprio Kowalski tentou “encaixar-se” no establishment como soldado e policial e, mais tarde, tentou fazer o mesmo com a contracultura florescente da década de 1960, mas logo descobriu decepcionantemente que ambos estavam montados com suas próprias formas de desonestidade e insinceridade. Honra pessoal, autoconfiança e respeito genuíno foram tragicamente muito pouco valorizados, apesar das reivindicações estridentes e arrogantes de cada um.
Além disso, não é por acaso que o personagem de Newman tem sobrenome polonês; os poloneses ao longo de sua história criaram uma cultura eslava muito rica e única, baseada em grande parte nessa “marginalidade” – sendo geograficamente encravada entre poderosos inimigos históricos, Alemanha e Rússia, nunca sendo capaz de se identificar completamente com nenhum deles.
Também não é por acaso que o personagem de Little é cego e negro, o único de sua espécie em uma pequena cidade deserta no oeste americano. Sua falta de visão aprimora sua capacidade de persuasão e sua capacidade de ler a mente de Kowalski, o microfone de rádio, sua voz, sua raça, sendo o foco de um longo e fervoroso desdém e, de repente, explosivo, características de um profeta que enxerga injustamente a desonra em sua própria terra.
O ambiente do deserto também desempenha um papel fundamental na consolidação da relação pessoal entre e os respectivos destinos desses dois homens: os profetas ao longo de nossa história emergiram de algum tipo de deserto, já que, de certa forma, os desertos esgotaram seu próprio futuro e, portanto, estão livres dos conceitos de tempo e existência, como os conhecemos convencionalmente, como Super Soul instintivamente sabia, criando assim seu próprio vínculo psíquico com o motorista condenado.
“Vanishing Point” é um filme notável, não apenas pela cinematografia, que caracteriza o cenário do sudoeste norte-americano e por seu comentário social sobre o clima pós-Woodstock nos Estados Unidos no começo da década de 1970. Por isso é considerado um filme cult, que combina os impressionantes e desolados panoramas e o pano de fundo da contracultura de Easy Rider com as perseguições automobilísticas de Bullitt e The French Connection.
Ainda por cima, é uma ótima trilha sonora, cinematografia e direção de tirar o fôlego e ação automotiva que não tem igual. Este filme consegue ser atraente e emocionante. Apenas assista já.
Em 1997, o diretor Charles Robert Carner lançou uma refilmagem, com Viggo Mortensen, mas, garanto, é pura perda de tempo, já que nenhum dos elementos, digamos emocionais, do do anterior estavam presentes. Cuidado ao procurar na Internet e não pegar essa bomba!
Trilha Sonora:
O diretor Sarafian queria que a trilha sonora do filme fosse toda feita com as músicas do disco “Motel Shot” da banda Delaney & Bonnie and Friends, que além da dupla de cantores e compositores marido-mulher do nome, também tinha a participação de artistas como Leon Russell, Joe Cocker e Rita Coolidge. Porém, o chefe o departamento musical da 20th Century Fox da época, Lionel Newman, vetou a ideia por não querer gastar muito dinheiro na compra dos direitos de todos estes artistas de renome. O diretor então sugeriu que o compositor Randy Newman fizesse a trilha, o que também foi recusado.
Depois de assistir o filme, o supervisor musical Jimmy Bowen escreveu então três canções novas para a trilha e usou músicas de artistas mais baratos para completá-la. A Delaney & Bonnie and Friends acabou participando do filme como a banda “J. Hovah”, um grupo de hippies religiosos que faz um show no deserto.
1. “Super Soul Theme” (The J.B. Pickers)
2. “The Girl Done Got It Together” (Bobby Doyle)
3. “Where Do We Go From Here?” (Jimmy Walker)
4. “Welcome to Nevada” (Jerry Reed)
5. “Dear Jesus God” (Bob Segarini & Randy Bishop)
6. “Runaway Country” (Doug Dillard Expedition)
7. “You Got to Believe” (Delaney, Bonnie & Friends)
8. “Love Theme” (Jimmy Bowen Orchestra)
9. “So Tired” (Eve)
10. “Freedom of Expression” (The J.B. Pickers)
11. “Mississippi Queen” (Mountain)
12. “Sing Out for Jesus” (Big Mama Thornton)
13. “Over Me” (Bob Segarini and Randy Bishop)
14. “Nobody Knows” (Kim & Dave)
Curiosidades:
• “Freedom of Expression” tocada por The J.B. Pickers, despertou especulações na época: muitos acreditavam que era na verdade, o J.B. de Jeff Beck, mas se trata de Jim Bowen, que aparece em outras duas faixas.
• Outra curiosidade sobre essa música, é que no Brasil ficou famosa por ser o tema de abertura do Globo Repórter, tendo sofrido ao longo dos anos várias mudanças de arranjo, que a descaracterizaram.
• Charlotte Rampling teve um papel de carona com quem Kowalski conheceu durante o percurso, mas suas cenas foram excluídas antes do lançamento nos EUA. As cenas foram reinseridas para o lançamento no Reino Unido. O lançamento do DVD inclui as versões dos EUA e do Reino Unido.
• O carro apresentado no filme é um Dodge Challenger R/T de 1970, com um V-8 de 440 polegadas cúbicas e não um 426 Hemi V-8 (como geralmente se acredita).
• Cinco Challengers brancos emprestados da Chrysler Corporation foram usados durante as filmagens: quatro 440 Challenger R/Ts e um 383 Challenger R/T, que era automático com interior verde. Este foi usado para algumas fotos.
• Os os carros não eram originalmente brancos. Eles foram pintados de branco para o filme. A cor branca foi escolhida para o carro simplesmente para que ele se destacasse no cenário de fundo do filme. O branco não era simbólico de forma alguma. O diretor diz isso no comentário do DVD.
• David Gates, cantor e compositor da banda Bread tocou piano durante o revivalismo no deserto com os cantores de J. Hovah.
• A escolha original do diretor Richard C. Sarafian para o papel de Kowalski foi Gene Hackman, mas o estúdio, 20th Century Fox, insistiu em usar Barry Newman se o filme seria feito.
• A Kim & Dave, que aparece na última faixa do disco, era formada pela mais tarde muito famosa Kim Carnes, com “Beth Davis Eyes”.
Corrida Contra o Destino
“Vanishing Point”
Estados Unidos, 1971, 98 Minutos
Direção: Richard C. Sarafian
Roteiro: G. Cabrera Infante
Elenco:
- Barry Newman (Kowalski)
- Cleavon Little (Super Soul)
- Dean Jagger (Prospector)
- Victoria Medlin (Vera Thornton)
- Paul Koslo (Charlie, Young Nevada Patrolman)
- Timothy Scott (Angel)
- Gilda Texter (Nude Motorcycle Rider)
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.
Esse filme é sensacional. Mas cuidado: há uma refilmagem, conforme citado no texto, que é uma verdadeira BOSTA!
Filme realmente marcante, sobretudo, em razão da combinação da história com o cenário natural (o deserto). Cinematograficamente falando, os anos 70 são inigualáveis (ao menos para o meu gosto).
Convenhamos que o astro da trama não é o ator Barry Newman, e sim o Dodge.
Por todos os motivos do mundo, e apesar do Barry Newman, mas por Clevon Little, (Supersoul) , o tema, e claro, a Gilda Motociclista, esse é um dos filmes que assisto vira e mexe. E ele sempre mexe!
Cleavon Little também tem uma atuação marcante na comédia Banzé no Oeste (1974), de Mel Brooks. Vale a pena assistir.
Quanto à Gilda, você tem razão.
Assisti Banzé no Oeste, creio que ainda nos 70… Vou procurar rever.
Pelo Título em Português eu não lembrava do filme, Barata ! Agora vendo o original ( Vanishing Point ) é que minha memória funcionou. Vi este filme lá nos 70’s. Sensacional. Eu adoro o tema. Obrigado por postar com essa riqueza de detalhes. Abraço do Vinnie
Eu que agradeço seu apoio, por ler as postagens e comentar. Esse filme marcou muito para mim, pela trilha… E, claro, pela Gilda… Ah… Bom… Deixa pra lá…