Eduardo Schloesser nasceu em São Paulo em 1962. Até 1975 morou em Guarulhos, Pirituba e centrão velho da capital. Nesse ano o pai foi transferido para Brasília, onde a família residiu por 16 anos. Em 1986 entrou para a Faculdade de Artes de Brasília. E foi um ano inesquecível, pois também arrumou o primeiro emprego como desenhista profissional no SENAC AR/DF (onde ficou por quatro anos).
No ano seguinte realizou sua primeira (e única) exposição de desenhos no Espaço Cultural do Banco Central, com bom reconhecimento da crítica e do público. Em 1989, ao criar estampas para uma loja especializada em camisas esportivas, surgiu o embrião do que viria a ser sua “magnum opus”, o personagem Zé Gatão. (Uma obra-prima, chef-d’œuvre, masterpiece ou magnum opus, no uso moderno, é uma criação que é considerada o maior trabalho da carreira de uma pessoa ou um trabalho de excelente criatividade, habilidade, profundidade ou acabamento.)
Em 1991 voltou para São Paulo com a família, morando no centrão velho, local que era conhecido como Boca do Lixo, mais tarde batizado de “Cracolândia”. Nesse recomeço, decidiu criar as próprias histórias em quadrinhos, algo entre o “sci-fi” estilo Moebius e o terror da EC Comics, mas sem grandes resultados. Em 1992, Zé Gatão e seu universo antropomorfo foram oficialmente criados. Nesse período, atuou como ilustrador para algumas pequenas editoras, realizando artes para revistas de games, posters de atores de cinema e rockstars, desenhos para revistas de art pop e coisas do tipo.
Para ajudar nas despesas da casa, também pintou muitas telas a óleo com temas indígenas e até releituras de clássicos da arte — Manet e Picasso, por exemplo — que eram vendidas em feiras de arte.
Foram tempos difíceis em termos de dinheiro. Havia também o avantesma da existência solitária, e isso refletiu na depressão que marcou a personalidade do felino Zé Gatão em histórias violentas, com forte apelo erótico, mas sem possibilidade de publicação, uma vez que não havia editoras que abrigassem aquelas sagas.
Em meio a tudo isso, fez estampas para camisetas encomendadas pelas confecções dos chineses do Braz. Bicos em oficinas de serigrafia. Pintou murais de mulheres peladas nos cinemas adultos do centro. Criou artes para algumas agências de publicidade, inclusive uma embalagem para a fábrica de brinquedos Estrela.
1994 marcou o início da criação do álbum que ficaria conhecido como “Zé Gatão, a Cidade do Medo”, que apenas três anos depois, com empréstimo feito num banco, seria publicado. Eduardo fez a distribuição (sempre de ônibus e metrô) nas comic shops da cidade. Foi um “tour de force”, mas com o tempo o personagem ganhou resenhas em jornais e revistas (lembrando que naquele tempo não havia internet, muito menos sites e canais de HQs). A obra foi comentada pelos que “entendiam” de quadrinhos nas gibitecas e locais de encontros de fãs de gibis. Houve também certa rejeição por causa dos temas fortes.
Em 1998, retornou a Brasília e atuou como desenhista em uma empresa de comunicação que fazia quadrinhos instrucionais para o governo do DF. Trabalhando entre São Paulo e Brasília, criou para pequenas editoras paulistas diversas histórias em quadrinhos de temática adulta que pagavam um preço bem razoável por página. Foi um momento de vasta produção, que durou até 2003, já morando de novo em Brasília.
No ano de 2003 houve dois momentos marcantes: foi publicado pela Editora Via Lettera o segundo livro do Zé Gatão chamado “Crônica do tempo Perdido” e Eduardo mudou para o nordeste do país, Jaboatão dos Guararapes – Pernambuco, onde vive até hoje.
Eduardo Schloesser publicou três álbuns de anatomia voltada para artistas, pela Ópera Graphica e ilustrou 45 livros da literatura clássica brasileira para a Editora Construir, de Recife. Além disso, elaborou manuais de desenho para iniciantes em seis volumes para a Editora Escala, de São Paulo, além de vários projetos para diversas pequenas editoras. Também criou mais três livros de anatomia para a Editora Criativo (que republicou os três primeiros que tinham saído pela Ópera Graphica).
Em 2011 lançou pela Devir, Zé Gatão – Memento Mori, e no mesmo ano a P.A.D.A. (um grupo de artistas pernambucanos) editou uma coletânea de histórias curtas de eduardo, engavetadas, em tiragem limitada, o álbum “Especial PADA — Zé Gatão”.
Em 2015, também pela Devir, chegou ao público “Zé Gatão – Daqui Para a Eternidade”. Três anos depois, em 2018 foi lançada a biografia em quadrinhos “A Vida e os Amores de Edgar Alla Poe”, com roteiro de Rubens Francisco Lucchetti e desenhos de Eduardo. Foram seis anos trabalhando nesse projeto que, dada a fama do roteirista (N.do E. – R.F. Luchetti é uma lenda dos quadrinhos no Brasil, e faleceu recentemente em Abril de 2024, aos 94 anos, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo), deveria ter sido um enorme sucesso. Mas, devido a uma série de fatores, não foi, apesar da absurda qualidade dos desenhos.
2019 foi o ano de uma obra diferente, o álbum em quadrinhos “O Bicho Que Chegou à Feira”, baseado na obra de Muniz Sodré, com roteiro de Marcelo Oliveira Lima e arte de Eduardo e de outros artistas, cada um ilustrando em seu traço peculiar um capítulo da obra.
Recentemente (2023) saiu pela Atomic Editora o álbum “Siroco”, com tiragem de apenas 50 exemplares, e foi vendida também uma edição especial com quadrinhos e matérias, além de um conto, chamada “Pintura de Guerra”.
Também há outra publicação, “Phobos e Deimos”, um livro importante na bibliografia do Eduardo, idealizado há muitos anos. Seu livro-homenagem, onde tenta exaltar tudo o que de alguma maneira construiu o que hoje ele poderia chamar de sua arte: quadrinistas da velha guarda, diretores de cinema obscuros, lutadores mexicanos, guitarristas, escritores pulp e tantos mais. Também lançado pela Editora Atomic, também numa tiragem de apenas 50 unidades.
Existe a possibilidade de ser lançada uma edição omnibus (N. do E. – Uma edição omnibus é uma publicação que reúne várias histórias em quadrinhos de um personagem, série ou universo, em um único livro. Geralmente, as histórias são sequenciais e contadas por um mesmo roteirista e ilustrador), que reunirá todas as agaquês do Zé Gatão num só volume, além de inéditas, pin-ups, making of e mais um monte de coisas, totalizando mais de 1000 páginas. Embora seja um tanto difícil sair, na atual conjuntura de ladeira abaixo que o país enfrenta, a esperança é sempre a última remanescente da família.”
Galeria de Capas das Principais Obras de Eduardo Schloesser
Este texto é parte do vídeo: “Artistas de HQ Injustamente Esquecidos (Ou Ignorados)”
Celso Moraes F., São Luís dos Montes Belos. Lecionou Literatura, Português e Redação por 17 anos, passando depois a trabalhar com Revisão Textual. É escritor, quadrinista, poeta e Livre Pensador.
É simplesmente admirável a trajetória do Eduardo Schloesser e seu forte dote artístico. Para quem que, como eu, foi “educado” curtindo os trabalhos de Robert Crumb, Angeli, Adão Iturrusgarai, entre tantos outros, e cada um com seu estilo próprio, as obras do Eduardo não ficam nada a dever. FELIZMENTE, tive a sorte de conhecer (ao menos parte delas) aqui no site.
Por outro lado, INFELIZMENTE, a arte de E. Schloesser, não teve (até agora) o reconhecimento merecido.
Recomendo fortemente, além das agaquês do Eduardo, “A Vida e os Amores de Edgar Allan Poe”. Ali terá a dimensão do traço genial, com detalhes impressionantes de cenários, vestuário, expressões, etc.
Recomendação anotada.
Eu e o Edu somos parças de tempos remotos, meninos sofridos, encardidos, de pés no chão, apanhando em casa por tudo e por nada. Testemunhei a dura escalada dele até aqui e noto, pela postagem, que ele não passa em brancas nuvens, graças a Deus.
Parabéns, Celso, nosso criador do Zé Gatão merece!
Sensacional a transcrição do vídeo. Apenas uma pequena correção, Siroco é de 2023.
Grato. Corrigido.
Tivesse eu mais amigos como Celso e Barata Cichetto, com certeza estaria num outro patamar de vida. Mas o que entendemos como sucesso? Depois de velho, eu chego a conclusão que o sucesso que preciso e me interessa eu já conquistei, a amizade e admiração de ambos.
Obrigado, Celso, muito grato Cichetto!
Homenagem mais que merecida! Embora o texto seja meu (veiculado num vídeo no meu canal “Só Quadrinhos” (YouTube), o crédito da ideia de postá-lo aqui também é todo do amigo Cichetto, que também fez os ajustes necessários para esta mídia, além de criar artes específicas com as imagens disponíveis. A César o que é de César e ao Barata o que é do Barata!
O César que merece os louros, é ninguém mais e ninguém menos que o Eduardo Schloesser.
Obrigado, meu amigo!