Dos Ridículos da Vida — As Vidas Negras na Pós-modernidade Liquefeita

Na segunda metade do segundo decênio do século XXI, e uma onda proto-fascita, ganhou força, mundo afora e por estas paragens não seria diferente. Afetando todos os setores da sociedade, radicalizando discursos e práticas políticas, mundo afora.

E antes de entrar no tema proposto, teço algumas considerações. O quão é delicada a questão racial, ao sul do país em que vivo, aqui neste pequeno espaço, não quero eu me aprofundar nas minúcias e complexidades que o tema cabe, pretensões que esta narrativa não tem. Contudo, não escrevo em frágeis asas de mariposas, vou relatar a minha perspectiva, através dos olhos de um mero militante do movimento negro. Sendo eu um simples habitante, do subsolo da sociedade estratificada, eu um marxista, um homem negro, eu periférico e membro efetivo do aparato repressivo do estado.

Dito isto, ouso dizer que, dos muitos embates, grandes e pequenos, nos anos que acumulo, na pequena cidade litorânea e portuária, vou ressaltar um pequeno embrulho, que passou despercebido aos olhos de muitos. Um aparelho cultural, que guarda e resguarda a história do lugarejo onde vivo, no momento que dedilho este breve texto. Em suma, era um sarau, um recital poético feito em praça pública, organizado pelo aparato memorialista local, um evento para homenagear a negritude. Nada de novo no front.

Eis que eu estava tocando a minha vida, até que um professor historiador, militante do movimento, me alertou do tal evento para a negritude. Como eu não sabia do tal evento, eu queria participar, até que o meu bom amigo, me alertou que o evento para a negritude já havia ocorrido e pior, sem a presença de afrodescendentes. Disse eu que não era possível, em resposta me mandou a link da página oficial na internet do aparato histórico e lá estava um grupelho da elite cultural e política da cidade.

O que ocorreu depois, foi um debate rasteiro na página oficial do aparato estatal local e não quero aqui neste pequeno espaço detalhar as minúcias do ocorrido. Só posso resumir aqui, que o ponto não foi ter a presença dos semideuses, querubins descendentes de teutos, lusos, ítalos e afins, no tal evento para a negritude. E sem, quase ausência de afrodescentes no evento, para homenagear a negritude. Digo quase porque tenho somente um afrodescente no tal evento, um querubim graduado e pós-graduado.

Mal-estares à parte, para os muitos ridículos da situação, ocorreu poucos anos depois. Eu fui participar de programa de rádio, uma amiga minha, habitué da cena cultural da cidade me chamou para uma entrevista neste programa. Tinha eu acabado de lançar, de minha autoria, um livro coletânea de poesias e estava promovendo o livro. E a produtora cultural, me explicou que o outro escritor iria participar do programa. O mesmo afrodescente que participou do sarau estatal da negritude, sem negros e negras, o querubim presta a lançar o livro de versos. E na minha ignorância, pensei que o programa seria dividido em duas partes, mas não foi bem assim, pois fui informado no dia da entrevista que eu iria dividir o espaço com o outro escritor/jornalista/poeta/historiador. Verdade seja dita, para mérito dele, que tem um currículo acadêmico e profissional, bem maior e melhor que o meu, coisa que por si só não quer dizer nada.

Então avisei a minha amiga radialista que iria haver problemas, que não seria da minha parte. Dito isto, a minha amiga radialista me passou a dinâmica do programa e acertar os detalhes, assim que começou o preparativo da entrevista. Lugares ocupados, vinheta sendo transmitida na página oficial do programa, a radialista um pouco nervosa, me chamando a atenção para o atraso do outro entrevistado. E eis que o escritor/jornalista/poeta/historiador querubim graduado e pós- graduado, queda de lá, das densas alturas e dá as suas graças no estúdio da rádio.

O que se seguiu, foi que o escritor/jornalista/poeta/historiador querubim graduado e pós- graduado, se sentiu ofendido pelas minhas palavras ásperas, na página oficial do aparato histórico, sobre o tal sarau de negros e negras, sem negros e negras. Fui áspero nas minhas colocações? Fui! Poderia ter perdido desculpas para o escritor/jornalista/poeta/historiador querubim graduado e pós- graduado? Poderia! Mas o que ocorreu de fato, foi um pequeno bate-boca rasteiro, entre eu, o mero habitante dos subsolos da sociedade estratificada e o escritor/jornalista/poeta/historiador querubim graduado e pós- graduado. Só para lembrar que tive, pouco tempo depois, do sarau da negritude, um pequeno embate desse mesmo naipe, no privado de uma rede social digital, com o mesmo querubim escritor/jornalista/poeta/historiador graduado e pós- graduado. Tudo isso, enquanto rolava a vinheta do programa de rádio, o assistente ficou chocado e a apresentadora somente abaixou a cabeça. Passado o mal-estar e o programa no ar, baixamos a guarda e seguimos a entrevista como se nada houvesse ocorrido.

Com a distância do tempo, depois de em eventos culturais, de eu conversar com o querubim graduado e pós- graduado, com os ânimos serenados, onde há animosidades severas entre ambas as partes, foras as diferenças conceituais das nossas partes.

Fragmento do Livro: “Dos Ridículos da Vida”

Samuel da Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

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