Dos muitos embates que eu presenciei, na localidade em que vivo, e que marcou nesses anos de lutas de classe, política e social, eu destaco uma e em um momento muito particular. Das muitas ridiculices, que eu presenciei, eu um mero habitante do subsolo, da sociedade estratificada, eu o mero trabalhador mal pago, o agente efetivo do aparato repressivo do estado. Em suma, eu uma figura menor, dos grandes debates e grandes embates públicos entre classes.
E lá estava, no parlamento local, eu um homem negro, marxista, um diminuto militante do movimento sindical e movimento negro, muitas das vezes um mero observador anônimo e nada mais. Era o primeiro decênio do início do século XXl, e o mergulhado em debates públicos efervescentes, pois uma onda progressista à esquerda, vinha varando o país. E grandes avanços sociais, se viram em todos os cantos do país.
E voltando ao tema aqui, no parlamento local do lugarejo que vivia e vivo enquanto dedilho este texto, logo depois do dito grande expediente o primeiro momento onde são apresentadas as pautas do dia, que iriam ser debatidas e votadas. O então presidente da casa do povo, alinhado com a tal onda progressista à esquerda, resolveu cometer um pequeno suicido político em público. Assim que terminou, o dito grande expediente, do parlamento local, o querubim-mor, saiu de lá, das densas alturas e foi se misturar com os meros mortais. Enquanto os demais parlamentares locais, foram ter com as suas vidas, nos bastidores do poder o querubim-mor. O excelentíssimo senhor edil camarista e presidente da casa do povo, se deslocou da mesa da presidência e foi sorridente pavonear, em meio aos meros mortais. E lá estavam todos, os meros mortais e o querubim-mor, o parlamentar presidente do parlamento local, na segurança, mais que segura, no páramo, nós separados por uma pequena amurada. Afinal de contas, as figuras mitológicas, os semideuses e as semideusas, não se misturam, com o populacho, com os habitantes do subsolo.
No lado dos mortais estava eu, mais um parlamentar conservador de oposição, mais um famoso jornalista setorista local, uns alguns outros meros mortais, diante do impávido e poderoso querubim-mor. E ele, o sorridente parlamentar presidente da casa do povo, o ser mitológico, então perguntou para a audiência involuntária, se tudo estava indo bem. Então com cara de poucos amigos, um popular, em que nada estava indo bem. Quem era o dito popular? Um professor de educação física, ele dando conta de atletas, jovens atletas, estavam abandonados, pelo poder público local! Quem eram os jovens atletas? Eram jovens atletas de cidades do interior, receberam proposta do poder público local, vieram integrar os quadros de atletas locais. E segundo o tal professor, estavam abandonados à própria sorte, pelo poder público local, estavam na rua.
E para os muitos ridículos da vida, desta e muitas outras possíveis e imagináveis vidas, depois que o tradicional bate boca, entre os dois contendores, o querubim-mor. Então o todo poderoso presidente da casa do povo local, exigiu provas das graves denúncias feitas pelo habitante do subsolo. E elas vieram, as provas vieram, pois o tal professor de educação física, dona de si, se virou e perguntou para dois jovens, a centímetros metros atrás dele. Perguntou quem eles eram, o que eles vieram fazer na cidade e onde estava morando. Então responderam alternadamente os jovens atletas interioranos: — Somos atletas, viemos para cidade jogar e estamos vivendo na casa do senhor! — Falaram em desespero olhando para o professor de educação física.
Depois do grande constrangimento alheio, entre pequenos risos e olhares marejados, a pequena tragicomédia terminou, com a fala do presidente da casa do povo, que ele não era membro do poder executivo local. Um convite insólito do edil presidente da casa do povo, para o professor de educação física e seus dois jovens agregados, para uma conversa reservada.
Do que saiu da tal conversa a portas fechadas eu não sei dizer, o que ficou para a minha pessoa, desse episódio tragicômico é que quando essas as figuras mitológicas, donas de si, quedam lá das densas alturas para os subsolos. Impávidos, esses querubins e essas querubinas, plenos de si, cheios de suas superioridades. Pavoneavam perante aos meros mortais, de um jeito ou de outro a coisa não terminam bem.
Fragmento do Livro: “Dos Ridículos da Vida”