Durval Discos

“Durval Discos” é um filme sobre a modernidade. Não sobre a modernidade em si, mas sobre como ela entra na vida das pessoas, queiram ou não. Sobre os efeitos que a modernidade pode causar em quem resiste á ela. No roteiro, muito bem construído e alinhavado por Ana Muylaert, Durval é um quarentão que, junto com uma mãe possessiva e que o trata como uma criança, é dono de uma loja de discos de vinil, o título do filme. Moram em um sobrado com mobiliário antigo e decoração “kitsch”, têm uma vida aparentemente tranqüila e insossa. Durval usa camisetas de Janis Joplin e Raul Seixas, cabelos compridos e acredita que nada será capaz de substituir seus amados discos de vinil. É capaz de se enervar com um cliente que lhe peça por um CD e aparentemente sequer tem uma vida sexual.

Assim vivem Durval e Carmita sua mãe, interpretada magistralmente por Etty Fraser. A monotonia só é quebrada eventualmente pela presença de Elisabeth, personagem de Marisa Orth, balconista de uma doceria ao lado da loja, que vai até ali para fumar e conversar com Durval. Além disso, nada no mundo parece poder quebrar a quietude daquela vida até que chega a modernidade na vida dos dois. E ela, a modernidade, faz sua entrada da forma mais cruel que existe: por intermédio do crime e da violência. A partir daí, o que parecia ser um filme simples sobre pessoas simples que aceitam e não discutem sua simplicidade, muda completamente de rumo. Ao contratar uma empregada, vivida por Leticia Sabatella, Durval e sua mãe começam a viver primeiro um sonho que aos poucos transforma suas vidas em um pesadelo com cores modernistas. A loucura começa a tomar conta das personagens e a modernidade, encarnada de início como uma rósea, ingênua e doce criança, passa ás cores vermelhas da violência absurda que nos deparamos diariamente, principalmente nos centros urbanos modernos. Isso a diretora mostra de forma muito clara em uma seqüência antológica em que a criança, montada sobre um cavalo branco pinta com sangue uma parede. É melhor cena do filme e Ana Muylaert consegue nesse ponto mostrar a loucura a que todos nós estamos sujeitos ao adentrar á modernidade.

O filme conta com participações muito especiais, como a de Rita Lee, hilariante no papel de uma cliente que procura um disco de Caetano Veloso que tem “Irene” e fica perguntando do que Irene tanto ri. Theo Werneck no papel dele mesmo, André Abujamra de rastafari, um “doidão” que não abre a boca. A interpretação da garota Isabella Guasco também é digna de destaque. A trilha sonora do filme é um capitulo á parte e contém grandes clássicos da Música e Rock Brasileiros dos anos 70, como “Mestre Jonas” de Sá Rodrix e Guarabira”, “Pérola Negra” de Luiz Melodia, “London London” de Caetano com Gal Costa, “Alfomega” de Gilberto Gil, Tim Maia, Novos Baianos, Jorge Ben e outros. A direção de Ana é impecável e trás componentes extremamente interessantes como a própria abertura do filme com os nomes dos atores aparecendo em lambe-lambes de postes, tabelas de preço de lanchonetes, maquinas de fliperama e o nome da própria diretora em uma placa de nome de rua. A demolição da casa onde funcionava a “Durval Discos”, segundo informações é real e foi a base da idéia original do roteiro. Um ótimo mas simples filme sobre pessoas e sobre como apenas um fato pode desencadear uma seqüência de acontecimentos desastrosos.

10/12/2006

Original: Durval Discos
Produção: Dezenove Som e Imagens e África Filmes
Ano: 2001, País: Brasil, Diretor: Ana Muylaert, Roteiro: Ana Muylaert, Duração: 93m

Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador

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