Seria esperado, ao menos uma hora depois de saber que meu pai faleceu, que eu me dirigisse ao público e dissesse o quanto isso é doloroso, o quanto sinto saudades. Falar que estou muito triste, que choro a cada minuto, que ele foi isso e aquilo, sempre ratificando as coisas boas que fez.
Mas, para mim, chegou o momento que, obviamente, eu “esperava”. Não no sentido de esperar por querer, mas esperar pelo simples motivo da idade da pessoa, neste caso, 91 anos. E porque ainda penso que qualquer ser humano, pelo bem e pelo mal que causou, deveria ser eterno. Por um lado, para receber de volta o que fez; por outro, a condenação, também pelo que fez.
Decerto, meus amigos cristãos, e outros ligados a coisas espirituais, me dirão que devo rezar, orar e agradecer por ele “estar num lugar melhor”, e por todas as coisas que espiritualistas enxergam no além. Esses dirão que tenho que perdoar, como se a morte de uma pessoa apagasse todos os feitos e desfeitos. E defeitos.
Mas, repito, chegou o momento que esperava. E não pelo falecimento de meu pai, mas para saber em mim qual seria o impacto. Qual seria minha reação, diante do que vivi pela pessoa em questão. A pergunta, nos últimos anos, para mim sempre foi: “Como vou reagir?” Vou chorar, me descabelar, chutar as paredes? Ter uma convulsão de choro? Como eu iria reagir ao saber da notícia?
A minha preocupação, confesso sem culpa nem dolo, nunca foi pelo ser que, em primeira instância, colaborou com a minha existência, fornecendo parte da matéria-prima para ela, mas como eu, apenas eu, reagiria frente à notícia de que: “Meu pai faleceu”. Preocupei-me comigo, sim, mas não por vaidade nem egoísmo, mas por preservação da sanidade, e explico.
Sem entrar em detalhes, mas apenas como contextualização, não tenho, pelos atos e não-atos de meu pai, nenhum motivo para lamentar sua ida para algum lugar que não sabemos e nunca saberemos, o que, como, ou se é bom ou ruim. Apenas afirmo que, neste momento, minha relação ao acontecido, e que fiquei sabendo há uma hora, não me causa dor, nem nenhuma imediata tristeza. Neste momento afirmo que, como imaginei, estou sentindo… Nada!
Nos últimos tempos venho me confrontando com isso: como eu reagiria com a morte de meu pai? Eu sofreria porque ele nunca foi o pai que eu queria? Eu morreria junto porque ele nunca foi o amigo que eu pretendia? Ou apenas, como qualquer um, ao lamentar a perda, me entregaria? Como eu agiria, pela distância e pelas dificuldades, em me despedir? Como eu faria?
Há uma hora chegou, então, a notícia de que ele se foi. O que devo fazer, pergunto ao coração, à alma e a qualquer coisa que me diferencie de um inseto: devo chorar? Devo dizer que, enfim, o vaso ruim se quebrou? Devo pensar que ainda bem que tanto tempo ele durou, apesar de todo o mal que fez?
Não, eu não chorei, não lamentei, não vou rezar missa, nem dizer que ele foi um grande homem, um grande pai, porque não foi. Mas, com certeza, não festejo sua ida, nem agradeço a partida. Nem lamento a despedida, mas apenas me entristeço com a ida de alguém que era um ser humano e que, estou certo, como eu, acreditou que suas atitudes eram as melhores perante os demais, esperando apenas que meus filhos, que por muitos motivos a menos que os meus, não ajam com sua superioridade, tanto quanto eu.
Espero que, nos próximos dias, meses, anos ou até o meu próprio fim, eu consiga o que ele nunca me deixou ser, romper as amarras que não deixou romper, e que não cobre minha consciência injustamente com uma tristeza que ele nunca me deixou sentir.
Descanse em paz, seu Genaro, e que a quietude do infinito vazio lhe dê a paz que nunca me permitiu, e que a vida que sempre se omitiu, na morte lhe seja leve, muito mais do que aquela que a mim permitiu.
Seria apenas por vingança, acaso ou sua costumeira ironia que ele morreu justamente no Dia do Escritor, algo que, de mim, poeta e escritor, ele nunca aceitou?
Obs.: Não é necessário me desejarem pêsames. E não postarei imagem de fita fita entrelaçada e a palavra “Luto” no Facebook.
25 de Julho de 2024
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.
Não me darei ao atrevimento de tecer comentários sobre alguém que não conheci, mas entendo perfeitamente a sua reação ao tomar conhecimento da partida do seu pai, haja visto a existência de mágoas, incompreensões, decepções, bem como a tão falada falta de diálogo entre gerações.
Em geral, os pais sempre querem o melhor para os filhos, mas às vezes tropeçam no caminho, e as marcas ficam para sempre. O melhor a fazer é transformar tudo em perdão, pois não há como voltar atrás no tempo para refazer o caminho.
E é partir daí [a morte] que toda uma sorte de julgamentos e auto-julgamentos começam a acontecer, onde os erros e acertos na relação pai-filho voltam à tona. É um período em que tudo, absolutamente tudo, é pesado e medido.
Neste momento em que o fatídico dia chegou, há quem perceba uma certa frieza ao receber a triste notícia. Mas não é nada disso. Você apenas está sendo honesto.
Exista ou não vida lá no outro lado, espero que seu Genaro tenha partido em paz.
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