Atualizado em 08/07/2024 as 21:54:14
“São Paulo é uma selva cultural sem precedentes, sem contra-indicações nem prescrições médicas. Uma megalópole multi-cultural, miscigenada, globalizada, marginalizada, corrompida e sem paradigmas ou dogmas que a cerceie. E lá se encontra as mais variadas espécimes de artistas, dos mais letrados e formados multi-mídias do mundo, aos mais despreparados e infantis. Mas, os que mais se identificam com a cidade são os undergrounds, os marginais, os escrotos pluralistas poluídos e contaminados com as loucuras mil de uma vivência aprofundada no submundo da sociedade que a novela mostra. Dentre esses personagens interessantíssimos da capital paulista, encontrei há mais de uma década o Barata, sim, simples assim, aquele ser que sobrevive à tudo (reza a lenda que até a bomba atômica), aos altos e baixos financeiros e emocionais, um cara que tem bagagem de sobra pra escrever as poesias mais recheadas de conteúdo ‘do-contra’ que já conheci, uma agitador cultural de qualidades mil e capacidades ímpares de ‘se virar’ nessa vida sem regras. Comecei a escrever no site dele depois de uma conversa numa mesa de bar de pouco mais de meia hora, há 12 ou 13 anos e assim nasceu a TOCA DO SHARK em sua primeira versão, como uma coluna de tema livre, com nome inspirado também numa coluna do site dele que era a Toca da Barata ou algo assim. Tenho uma dívida moral com ele que jamais pagarei, sendo assim abro espaço pra ele conversar com os internautas da Toca explicando melhor quem ele é… ou não.” (Alexandre Wildshark, na introdução da entrevista publicada no blog “Toca do Shark” em Setembro de 2015.
• Primeiramente, diga-nos quem ou o quê te levou para o mundo da poesia e quando começou?
< Bien… O que me levou á poesia não foi a poesia..rs… Mas o Rock. Eu comecei a escutar muito Rock, desde os 11, 12 anos. Sempre gostei de ler, de escrever, mas eram pequenas histórias, contos. Mas, por volta de 1974, 75, descobri o trabalho de um sujeito chamado Lou Reed. li numa revista a tradução de umas letras dele logo depois e aí… Meu amigo, aí a coisa pegou. Eu tinha dezesseis, dezessete anos e tinha acabado também de descobriu a Boca do Lixo de São Paulo. As putas, os puteiros… E esse coquetel fez com que eu quisesse ser igual a ele. Cortei o cabelo curto, comprei óculos escuros. Não tinha grana, então improvisava no visual. E foi ai que comecei a escrever poesia. Que durante muito tempo para mim nem eram poemas, mas letras de musica. Imaginava que chegaria alguém e pudesse transformar tudo aquilo em musica. Nunca tive paciência para aprender nenhum instrumento musical. Bem depois, quatro ou cinco anos depois – lembre-se que não havia Internet e o acesso a informação era muito restrito, até por que vivíamos na época do Regime Militar, com uma censura braba -, foi que comecei a ler de fato os poetas. Descobri primeiramente Augusto dos Anjos e na sequencia Baudelaire. Isso veio a sedimentar mais ainda essa veia.
• Pra você, quem são os nomes mais importantes da literatura em geral?
< De uma forma geral, incluindo poesia e prosa, meu destaque sempre vai para escritores como os que citei acima, além de Bukowski (a prosa, que a poesia dele eu não gosto), Aldous Huxley, George Orwell, que aliás nasceu no mesmo dia que eu; Henri Miller, Adelaide Carraro, que foi minha escritora preferida na época que andava pela Boca. Em termos de literatura, sou do tipo que lê até bula de remédio, se tiver uma certa estética- rs. Há alguns anos, descobri uma escritora que mudou muito a minha maneira de pensar o mundo, que creio ser uma dos maiores funções da arte. Ayn Rand é a escritora. Uma russa naturalizada americana, que tem uma filosofia absurdamente perturbadora sobre o que é individualismo. Uma critica ferrenha aos falsos coletivismos. Gosto muito de biografias, também.
• Durante a sua carreira você tentou lançar livros da maneira convencional, ou seja, patrocinado por editoras ou caiu de cabeça logo de cara no underground?
< Alexandre, eu fiz um circulo completo nessa questão. Em 1976/77, comecei a fazer “jornalzinho”, como a gente chamava, antes do termo “fanzine” aparecer por aqui. Em 1981 lancei um livro de poesia chamado “Arquíloco”.Tinha quase 100 páginas e era mimeografado, em mimeógrafo à álcool. Fiquei uns anos, em função de filhos pequenos praticamente sem escrever. Depois tentei por algum tempo editoras, concursos literários, esses caminhos que qualquer escritor busca. Nunca obtive sucesso. Em 2011 um editora do Rio se propôs a editar um livro meu, mas não me deu o menor apoio ou divulgação, e ao que sei, devem ter feito uns 50 exemplares do livro. Em 2010, quando eu e Amyr Cantusio Jr. criamos “Vitória”, eu precisava lançar o libreto. E foi assim que nasceu a ideia da Editor’A Barata Artesanal, pela qual já lancei cerca de 60 títulos, entre meus e de outros autores.
• De 1 a 100% qual o grau de influência do ROCK AND ROLL no seu trabalho?
< Hummm, difícil…rs… Essa influência existe, claro, conforme relatei. Foi por causa do Rock que comecei a escrever. Ainda hoje, muitas coisas minhas são direta ou indiretamente influenciadas pelo Rock. Mas, sou um sujeito ligado nas coisas da mente, das perturbações do ser humano, na filosofia, enfim. Mas como tua pergunta gira em torno de percentual, eu diria que a coisa é dividida assim: trinta por cento é Rock.
• Li muitos de seus relatos desde seu site ‘A Barata.com – Liberdade de Expressão e Expressão de Liberdade’ e sempre você contava suas particularidades com a cultura underground paulista, de shows de Rock à bordéis, passando por botecos enfumaçados. Gostaria que elucidasse melhor essa sua literatura que mais se parece com músicas do VELVET UNDERGROUND ou NEW YORK DOLLS, é tudo baseado em fatos reais ou tem um alto grau de ficção nela?
< Bom, creio que a maior parte da sua pergunta eu já adiantei na resposta da primeira pergunta. Fica apenas a questão da factibilidade do que escrevo. Qualquer escritor é autobiográfico, alguém já disse. E absolutamente tudo que escrevo tem a ver com minha vivência, com acontecimentos que presenciei, com pessoas – principalmente – que conheci, etc. Claro que tem o necessário componente ficcional agregado, afinal o que escrevo é basicamente poesia e crônica, e sem esse componente, jamais se consegue boa literatura. Mas, mesmo em poesia, nunca descrevo uma experiência que não tive, um pensamento não experimentado. As personagens, pode acreditar, todas elas existiram e existem de fato.
• Você trabalhou alguns anos com a Patrulha do Espaço desenvolvendo o site deles e também acompanhando eles numa turnê pelos idos de 2005, relatando tudo num de seus livros. Gostaria de saber se antes você já tinha trabalhando tão intimamente com uma banda de ROCK ou se ainda gostaria de repetir essa experiência?
< O trabalho com a Patrulha do Espaço foi entre 2002 e 2004. Quatro anos completos, que terminaram com a dissolução da formação iniciada em 1999. Nessa época eu viajava com a banda, fazia o site, vendia shows. Fui também o idealizador de um dos discos, o “.ComPacto”. foi uma época fantástica, de muito aprendizado, não apenas do que é o mundo de uma banda de Rock, como pelo aspecto de relações humanas. Um aprendizado de vida, enfim. Acontecia de tudo nessas viagens, era pura adrenalina, puro tesão. Nunca tinha trabalhado diretamente com uma banda, e não creio que gostaria de voltar a fazer. Na vida temos que dar passos adiante, criar experiências novas. Ademais, estou com 57 anos e não tenho mais o pique para encarar, por exemplo, 25 horas de viagem dentro de um ônibus velho, que pode parar na estrada, enfrentar donos de bares caloteiros, enfim, as coisas inerentes a chamada Estrada do Rock. Underground. No Brasil.
• Agora sua nova investida (desde o ano passado) é a revista independente Gatos & Alfaces, primeiro, de onde veio esse nome e o que ele quer dizer?
< Fiz inúmeras publicações independentes, sempre no formato fanzine, mas queria algo mais sólido, mais com cara de revista, mesmo. Por outro lado, queria criar uma revista de Rock, mas não da forma que sempre se fez, com entrevistas, biografias, essas coisas. Tudo isso hoje está na Internet, e não queria uma revista nesses moldes. Queria algo que fizesse as pessoas pensarem, que abordasse determinadas coisas de Rock sob um outro prisma, que tivesse pessoas que não seriam as costumeiramente e necessariamente ligadas ao meio. Convidei alguns amigos, como o Genecy Souza e o Jorge Bandeira, de Manaus, que foram colabores fixos, participando em todos os números, com seus textos. Genecy é um aficcionado por Rock, mas não tem nenhuma atividade ligada ao meio, o que faz com que seus textos, sempre lúcidos e ácidos, não tenham nenhum tipo de amarra. Já o Jorge é um agitador cultural, diretor de teatro e dono de um espaço cultural em Manaus, além de ser escritor, e tinha uma coisa fantástica que era uma espécie de biografia de um determinado artista de Rock em cordel. Não tenho conhecimento de ninguém que tenha feito nada assim antes. Rock e Cordel parece ser uma mistura que não agrada a nenhum lado, nem a turma do Rock, nem a turma do Cordel. Mas, é uma coisa sensacional, que garanto que surpreendia positivamente os leitores da revista. Com relação ao nome, a história é a seguinte: Um amigo de Facebook, o André Luiz Leite, postou uma chamada, em tom de brincadeira, usando uma charge. O tema era; “Vamos fazer um fanzine?”. E daí a conversa desandou, com a Gigi Jardim, uma outra amiga já de algum tempo, sempre ligada nas coisas do Rock, botando pilha. Num determinado momento, a coisa debandou para as pessoas começarem a falar de gatos, e por algum motivo que não lembro, alfaces. Então me deu um estalo: então aqui todo mundo gosta de gatos e de alfaces… Então esse será o nome da revista. E assim ficou. O gato sempre foi o símbolo da revista, e até a penúltima edição era pintado manualmente, um a um, pela minha mulher, cada edição de uma cor diferente.
• Agora sim, fale mais sobre essa revista, venda o seu peixe.
< Não seria o caso de vender o peixe, mas sim o gato… rsrsrsrs. Mas como dizia minha avó, a gente tem que estar sempre com um olho no gato e outro no peixe… E edição seis da revista está a venda, e traz entre outras coisas, um CD com 21 faixas chamado Ciberpajé – Egrégora, idealizado pelo mestre Edgar Franco, um artista multimidia, professor da Universidade Federal de Goiás. O disco tem bandas de seis países e se trata de uma interpretação por parte de cada banda ou artista de um aforismo escrito e interpretado pelo Edgar. Ademais, como nem só de Gatos e de Alfaces se vive, o meu peixe mais fresco é o livro de poesia “Troco Poesia Por Dinamite” e um que, sinceramente não sei classificar, que tem o titulo de “Manual do Adultério Moderno”. Esse deve ser lançado ainda em Outubro, e a idéia é que o evento de lançamento seja feito num puteiro no centro de São Paulo.
• E a festa Rock In Poetry que já teve 3 edições, servindo de plataforma para lançar alguma edição da revista e algum livro novo seu, fale mais sobre a festa e sua equipe?
< “Rock In Poetry” é uma idéia que sempre procurei colocar em prática desde quando comecei a organizar eventos, ainda nos primeiros anos da década passada. Misturar Rock com poesia, basicamente, além de outras formas de arte, sempre foi o objetivo, mesmo que não tivesse esse titulo. Nesta era, a primeira edição eu fiz praticamente sem nenhuma ajuda, apenas com a Gigi, que uma força na produção. Na segunda tive o apoio do Jones Senoj, que começou também a colaborar na parte comercial da revista. E na terceira, os dois. A primeira edição, da Galeria Olido foi fantástica, com poucos problemas e boa afluência de publico e uma repercussão muito boa. Nessa edição, além das apresentações das bandas Kamboja e Blues Riders, aconteceu um fato histórico, que foi a apresentação da banda Psychotic Eyes, mostrando algo totalmente inusitado, que foi o primeiro show de Black Metal Acústico. A repercussão disso foi até em sites do exterior, fazendo com que a banda se animasse a gravar o primeiro trabalho do gênero: um CD Acústico, com apenas dois violões, de uma banda desse estilo. A segunda, feita no Bar do Aranha, que infelizmente recentemente fechou as portas, teve um resultado bem mais modesto, embora tivesse contado com bandas muito boas, como a Poolsar e a Vento Motivo, que tem entre os musicos o lendário Kim Kehl e a poesia poderosa do Fernando Ceah. Agora, a terceira edição, embora tenha voltado à Olido com muito mais garra e organização, fatores externos, como shows internacionais acontecendo no mesmo dia na cidade, fizeram com que o publico fosse menor. Além disso, uma das bandas anunciadas cancelou a apresentação quinze minutos antes. Mas, por outro lado, a apresentação de Amyr Cantúsio Jr foi impecável, com sua erudição e maestria ao interpretar Rock Progressivo, além da banda Muqueta na Oreia, que tem uma pegada muito forte, com letras muito foda e faz uma pancadaria sonora no palco.
• Como é a última pergunta, eu não pergunto nada, fale o que você quiser:
< Primeiramente, claro, agradecendo pelo espaço na Toca do Shark, que é parceiro e amigo há muito tempo. E lembrando que continuo com meu programa na webradio Stay Rock Brasil, todas as segundas-feiras as 22:00 com duas horas de Rock In Poetry e Fuck’n’Roll. Além disso, quero falar que estou, mais uma vez com Amyr Cantusio Jr, compondo uma nova Opera Rock, nossa terceira em cinco anos. Desta feita estamos contando com um reforço maravilhoso de uma cantora de Minas Gerais chamada Liz Franco, que além de uma voz maravilhosa é também poeta e tem criado as melodias para as faixas de sua participação. Possivelmente em novembro a obra estará a venda, e o tema é bem mais pesado que das outras, falando sobre a Síndrome de Cotard,também conhecida como “Sindrome do Morto-vivo”. Aguardem e ouvirão um trabalho de ponta, como nunca se fez no Brasil É isso. Abraço, Alexandre e todos os amigos da Toca do Shark.
Links da Entrevista Original:
http://tocadoshark.blogspot.com.br/2015/09/entrevista-com-luiz-carlos-barata.html