Entrevista | Barata a Diego El Khouri (Molho Livre e Fetozine)

Atualizado em 08/07/2024 as 21:43:49

Em 17 de Janeiro de 2013, o artista plástico, poeta e blogueiro Diego El Khouri, publicou uma entrevista comigo em seus dois blogs: Molho Livre e Fetozine. Posteriormente o artista criou até um personagem de HQ inspirado em mim, o “Barata Rocker”, que se pretendia virar uma história. A entrevista ainda está publicada nos dois blogs, mas há alguns anos, por conta de irracional divisão que políticos nos jogaram, insana e cruel, Diego se afastou e cortou relações comigo. Espero, sinceramente, que isso acabe, pois perdemos mutas amizades e relacionamentos. Ah, certo, sou otimista demais. Segue a entrevista.
(BC, Fevereiro de 2024)

Você começou a escrever poesias nos anos setenta, na famosa geração mimeografo, porém migrou de forma simples e natural para a internet. O que acha então da opinião que boa parte dos intelectuais possuem ao condenarem a internet como “máquina de produzir idiotas” e ao mesmo tempo em que poesia cantada é inferior a escrita?

R.- Sim, comecei a escrever e a publicar ainda nos anos 1970. Em 78 lancei um “jornalzinho”, como a gente chamava antes de ser batizado com o nome pomposo de “fanzine”, que tinha o nome de “Pipoca”. Durou apenas dois números, mas foi muito bom, pois me possibilitou contato com inúmeros poetas e demais artistas, pois as únicas formas de distribuição eram o corpo a corpo ou o Correio. Quando tomei contato com a Internet, ainda numa época extremamente ingênua e tosca, em 1994, imediatamente vislumbrei possibilidades fantásticas, principalmente na abrangência maior. Não titubeei em começar a usar. A época era outra, a conexão discada, os sites tinham que ser bem simples e assim aprendi a criá-los e entrei de cabeça. Meu primeiro projeto na Internet, o “Cichetto’s W.C.”, ainda em 96, foi o embrião de outro que se tornou muito grande na explosão da Internet anos depois. “A Barata”, criado em ano depois, chegou a atingir uma média de 2.000 acessos/dia, numero espetacular para a época, ainda mais pensando que se tratava de um projeto totalmente independente.

Não acredito que a Internet seja a “máquina de produzir idiotas”, mesmo porque idiotas se auto reproduzem em qualquer ambiente, embora seja ela realmente um habitat perfeito à sua reprodução. Mas precisamos separar bem as coisas. Se por um lado, as facilidades inerentes à Internet e principalmente às redes sociais, facilitou a proliferação de pseudo artistas, gente que não tem nada a falar ou mostrar, achando que porque tem um computador e uma conexão é artista ou jornalista, por outro deu oportunidade a muitos bons artistas que não tinham meios para divulgar seu trabalho o fazerem. Esses pseudo intelectuais (acho que no fundo todo intelectual é pseudo) colocam a culpa na Internet pela proliferação de “idiotas” pelo motivo de que não se conformam que agora não é preciso ter um diploma ou “cartucho” para se produzir e divulgar arte. Isso mexe profundamente com a vaidade e com o bolso deles. Normalmente são pequenos ditadores e não podem aceitar que, por exemplo um moleque de subúrbio, escreva suas poesias e poste na Internet. Eles querem manter o “status quo”, continuar a serem reverenciados… E bem pagos. Por outro lado, é certo que existe, sim, muita gente sem o menor talento, muita porcaria sendo postada, principalmente nas redes sociais, mas essas pessoas terão os seus proféticos “15 minutos de fama” e depois desaparecerão.

A segunda parte da sua pergunta, com relação à “poesia cantada”, digo-lhe o seguinte: não acho que ela seja inferior nem superior, apenas que é outra coisa, pois mudando a forma, o conteúdo acaba se transformando em outra coisa. Não usaria sequer o termo “poesia cantada”, pois acredito que tem outro nome: “letra de musica”. Depois de inúmeras experiências que incluíam tal forma, desisti e atualmente penso da seguinte forma: se sou um poeta e escrevo poesia, é esta minha arte; agora se sou compositor, mesmo que tenha uma verve de escrever poesia, minha arte não será poesia, mas letra de musica. A existência da musica, a entonação, o canto, tudo isso, acabam levando a coisa para outro quadrante, despertando emoções diferentes no receptador, uma coisa completamente diferente da poesia impressa ou declamada.

O que acha da nova geração de poetas e o reacionarismo que impera suas visões apesar de todo “liberalismo sexual” que vendem como imagem e também sua opinião sobre as idéias da academia cadavérica que ainda insiste em um pensamento arcaico sem mudanças?

R: – As gerações são espelhos de suas épocas, então acredito que isso não seja um ato inerente a poetas, mas sim a toda a sociedade atual. Essa tal geração nasceu no final do século XX, começo do XI, quando a sociedade mundial caia numa armadilha extremamente perigosa chamada “globalização”. Esse processo desenfreado acabou criando uma falta de individualidade e por conseguinte de personalidade. As pessoas perderam a referencia cultural, massacrados por esse processo. Sem ideal, sem objetivos, sem visões. E essas faltas acabaram por criar uma geração totalmente inócua que, mirando em algo que lhes falta, sem nem saber o que é, se apegou a um reacionarismo burro e inconsequente. O liberalismo sexual com o qual convivemos hoje não é, absolutamente, real e é fruto da mesma plasticidade e encaixotamento que rege todo o resto. Em outras palavras é falso e induzido pelos mesmos meios, não com a clareza e leveza que muitos argúem, mas com o intuito de desmoralização social, ou seja, as pessoas não exercem de fato essa tal liberação sexual, mas agem de acordo com a norma estabelecida pelos dominantes e a mídia, tratando o sexo não da forma como precisa ser tratado, como algo que envolva emoções e desejos honestos. O sexo foi transformado em um produto de prateleira, consumido sem feito carvão de churrasqueira. E isso, em meu entender não é liberdade ou liberação sexual, mas a mais pura escravidão.

As “academias” resistem a pensamentos “evolucionistas” pelos mais diversos motivos, a maior parte pessoais. Desde a falta de interesse e capacidade em entender o que é “novo”, até o medo de perder o fio condutor que os liga ao passado. De certa forma é saudável essa resistência, pois é ela que irá impulsionar as realizações. Além do que, essa resistência serve de linha divisória entre épocas e estilos. A história da cultura mundial está cheio desses exemplos, e se não fosse à resistência, muita coisa “nova” não teria acontecido, ou não teria a importância que teve.

Conte-nos o que o levou à poesia e porque ainda acreditar nessa paixão tão abstrata.

R. – Sinceramente, Diego, não sei dizer com clareza o que me levou à poesia. Não foi a leitura, decerto, a não ser às lidas obrigatoriamente na escola. Comecei a efetivamente ler poesia depois que tinha escrito inúmeras, numa tentativa de entender o que era aquilo que eu fazia. As coisas simplesmente saiam daquela forma. As primeiras coisas que li em poesia odiei, porque era concretismo, modernismo, horroroso. Eu sempre escrevia versos longos e sempre terminava naturalmente com rimas e achei então que o que eu fazia não era, portanto, poesia. Eu versava sobre temas fortes, contundentes e todas as pessoas que eu conhecia escreviam poesia concreta. Um dia, no final dos anos 1970, comprei um livro de Augusto dos Anjos depois de ter lido um poema dele (“O Lupanar”) numa matéria de jornal que falava sobre prostituição. Ai pensei, porra, esse sujeito tem a mesma pegada que eu. Então, fui procurando e lendo Baudelaire, Rimbaud, Jean Genet, os Beats… E fui me emocionando sempre de forma maior a cada leitura. Foram centenas de poemas escritos nesse período, entre 1972 e 1982. Descobertas e fascínios. Em 1981 lancei um livro mimeografado com 50 poemas chamado “Arquíloco”, nome de um poeta grego do século VII. Aí conheci minha primeira esposa que, numa crise infantil de ciúme me obrigou a jogar tudo fora. Passei anos sem escrever, totalmente bloqueado, mas sentindo um buraco enorme. Ademais, tinha filhos a criar e aí a poesia tomou outra forma. Só retornei a escrita por volta de 1986, mas ai a coisa pegou, pois parece que tudo aquilo que ficara represado aflorou. A partir do final de 1999, comecei a viver uma espécie de compulsão criativa. E nem eram mais apenas poesias, mas também principalmente crônicas.

Querido amigo, a segunda parte da sua pergunta eu me faço quase que diariamente. “Porque ainda acreditar em Poesia?” E creio que não seja apenas nós que façamos a nós mesmos e mutuamente tal pergunta. E uma resposta adequada talvez somente seja possível se analisarmos os contextos históricos, quando fatalmente chegaríamos à conclusão que a poesia, se não morreu, entrou em estado de profunda decomposição, a partir do inicio do século XX. O modernismo banalizou a poesia, fazendo com que ela perdesse a aura, e a partir dai, embora tenham aparecido grandes poetas, a poesia deixou de ser importante. Atualmente, ainda dentro desse contexto, o que percebemos é a plastificação das pessoas, ocasionando uma falta de sentimento e compreensão de coisas mais duradoras, estáveis e emocionalmente mais contundentes. E sem essas coisas não há poesia. Enfim, acredito que a resposta mais objetiva à sua pergunta seria: eu não acredito na poesia, nessa paixão tão abstrata quanto qualquer outra, mas nem por isso deixo de realizá-las.

A internet vai acabar com o livro impresso?

R. – Não creio que acabe, mas que se reduzirá o numero de livros impressos, até que ele se torne algo muito específico, e portanto caro. Particularmente não gosto de ler livros em telas de computador, e principalmente de “mobiles”, mas acho que isso é uma questão de hábito. E “acabar” jamais, pois podem não os imprimir,mas os que já foram impressos resistirão nas estantes ainda por muitos anos. E acho ainda que essa pergunta seja a mesma que se fez quando surgiu o cinema, a televisão e a musica gravada, que iriam acabar com suas formas anteriores, como forma de arte. E o cinema não acabou com a fotografia, a televisão não acabou com o rádio e a musica gravada não acabou com as apresentações ao vivo. Acho, portanto, que as duas formas ainda conviverão por muito tempo, embora com desvantagens numéricas para o livro impresso.

Mas o importante não é perguntarmos sobre a forma que existirão os livros, se digital ou analogicamente, mas sim se irão deixar de existir, da forma como o conhecemos. Minha preocupação, como sei que de resto de todas as pessoas que lidam com a palavra escrita é se existirão livros que usem a palavra escrita como forma de expressão. Este é afinal o conceito que temos de livro, independente da mídia, papel ou computador. E é esta a grande questão a ser respondida.

Como sobreviver de arte em um país inculto onde o ensino é sabotado covardemente por esse poder que controla a política e visa apenas seu próprio interesse?

R. – Acho que já destes a resposta dentro de sua própria pergunta. Existe, sim, uma sabotagem consciente por parte do poder publico para que as pessoas não tenham educação de qualidade, e assim poder escolher, que tipo de arte consumir. Essa neutralização tem inúmeros meios e formas, mas o objetivo é só um. É um discurso que pode parecer antiquado, mas que é atual, mas manter as pessoas na ignorância facilita a dominação. Sem cultura, as pessoas não tem capacidade seletiva e acabam sendo manipuladas e conduzidas aos interesses desses poderosos. Então, é claro que dentro desse contexto, penso que um artista que produza arte que tenha conteúdo e qualidade, jamais terá espaço. E jamais poderá sobreviver de seu trabalho, pois este seria direta ou indiretamente uma forma de conscientizar as pessoas, dando-lhes informação. A outra coisa é o efeito disso nos próprios artistas, que ao não conseguirem sobreviver tem poucas alternativas: entrar no esquema de produzir “arte” comercial, ou sucumbir mantendo sua postura e passando necessidade, o que acaba gerando efeitos extremamente positivos no esquema de controle, pois além de passar a idéia de que a arte engajada, comprometida, de qualidade, é coisa para loucos e doentes. Isso desacredita o artista e desmotiva eventuais candidatos. A alternativa final é morrer. E em todas essas alternativas apenas existe um ganhador, que é o poder dominante. Em se tratando de literatura, por exemplo, quem são ou foram os artistas que viveram de sua arte? Jorge Amado e atualmente Paulo Coelho, que na verdade não faz literatura, mas um subgênero chamado “auto-ajuda”. Talvez exista mais um ou dois, mas quase todos os escritores e poetas no Brasil sempre precisaram ter outras ocupações para poder se manter, fruto desse esquema nojento.

O que tem lido ultimamente e quais são suas influencias na literatura, música e cinema que ajudaram a construir o poeta que é? E fale sobre seus livros.

R. – Ultimamente tenho retomado a leitura de alguns clássicos antigos. No momento estou relendo “Nova Califórnia” do Lima Barreto, antes foi “O Retrato de Dorian Gray”. Interessante a releitura dessas obras, pois a cada uma, percebemos detalhes fascinantes que nos tinha passado despercebido ou não mais lembrávamos. Esses livros são eternos e precisam ser relidos de tempos em tempos. O que poderia chamar de influencias, são os autores lidos na minha adolescência e que de certa forma, formataram meu pensamento. Todos os livros que lemos passam a fazer parte de nós, e isso culmina com o que somos, tanto como pessoas, quanto como artistas. E não posso depreender de citar os autores que mais li, apesar de que muitos deles hoje não me dizem mais respeito, mas que foram essenciais na minha formação. Agatha Christie foi uma escritora que acredito que tenha a maior numero de obras lidas por mim, seguido de Adelaide Carraro. Mas sempre li muita coisa diversa e em poesia não posso dizer que tenha sido influenciado pelos autores como Augusto dos Anjos, Baudelaire e Rimbaud, que foram mais identificação, mesmo. Ademais, li e reli muitas coisas de Huxley, Orwell e Skinner, além de muita literatura Beat, particularmente Ferlinghetti, que considero o mais completo deles. Claro que todo o caldeirão de sopa literária que tomei, em cerca de quarenta anos, de certa forma ajudou a “construir o poeta que sou”, mas o que mais contribuiu com certeza foi à forma como tratei a isso, juntando todas essas informações com uma boa dose de ruas, amores e dificuldades financeiras.

Por que associam tanto seu nome ao rock n’roll?

R. – Acredito que seja uma associação natural em função de eu ter escrito muita coisa relacionada ao gênero, mas é claro que existe um histórico que explica tal associação. No inicio, nos anos 70, de alguma forma, mesmo que sutil, todos os “fanzines”, eram feitos por “roqueiros” e distribuídos basicamente em portas de shows de Rock, sendo natural abordarem o tema, com biografias de bandas, letras, essas coisas. Quando criei A Barata, existia ali duas frentes: uma era a divulgação de poesia e prosa minhas e de todos que mandassem material, e a outra, a divulgação de Rock. O “slogan” principal era “Liberdade de Expressão e Expressão de Liberdade” e a bandeira: “Rock é Atitude!”. As pessoas se referiam a ele como sendo um site de “Cultura Rock”. Comecei junto com o João Paulo Andrade, do Whiplash e embora fossemos amigos a distancia, competíamos com o publico roqueiro. Nessa época, bem antes do My Space, criei um sistema que oferecia páginas gratuitas às bandas independentes e criei coletâneas de Rock, além de ter participado de uma das primeiras rádios de Internet no Brasil, a Rock Geral. Entre 2001 e 2006 organizei alguns festivais que uniam Rock, Poesia e outras artes, sempre em casas de Rock, sendo que também foi o criador e administrador de sites de duas das maiores e mais antigas de São Paulo, a Led Slay e a Fofinho. Nesse mesmo período foi “manager” da banda Patrulha do Espaço, quando entre outras coisas, criei o conceito e o nome do disco”.ComPacto”. Além disso, em 2007, uma de minhas poesias foi musicada por uma banda do interior de São Paulo, a “Tublues”, que acabou vencendo o Festival Rock na Net. Desde 2008, comecei a criar, produzir e apresentar programas em “webradio”, onde a musica tocada era essencialmente Rock. Em 2011, criei a KFK, que embora não fosse essencialmente uma rádio Rock, tinha o estilo como dominante. Finalmente, sou amigo de quase todos os músicos de bandas de Rock de São Paulo e tenho o Rock, juntamente com a Poesia, minhas maiores paixões. Não é a toa que minha autobiografia tem o titulo: “Barata: Sexo, Poesia & Rock’n’Roll.

Você declarou em uma entrevista que ao criar a rádio KFK, visava colocar “a musica não como fator dominante da programação, mas como uma deflagradora de idéias, instigadora e contestadora”. De que forma essa rádio foi recebida pelo público e se a internet é realmente um espaço vivo de democratização da informação ou também se há censura na rede virtual já que vários blogs já foram excluídos sem permissão do autor?

R. – A criação da KFK, reputo hoje como um dos maiores erros que cometi. Não porque o projeto fosse ruim ou falho. Sou consciente e lúcido em relação a minhas falhas, mas o erro no projeto da KFK foi eu acreditar que poderia contar com a participação efetiva das pessoas que contatei. Tudo ali pressupunha o coletivo, desde os custos até a programação, passando pela divulgação. Mas não foi o que aconteceu e cedo percebi que o que as pessoas queriam era brincar, fazer um programa e aparecer para os amigos. Criei dezenas de programas, muitos deles com idéias totalmente inovadoras: os “intervalos” eram repletos de programetes como o “Poesia é Merda!”, com leitura de poemas, e o “Quer Um Queijo?” com trechos de declarações provocativas. Quase todo o meu tempo era dedicado a criar e organizar programas, trocar musicas, divulgar a rádio e isso foi me cansando, porque acabava fazendo tudo sozinho. E isso não era o projeto. A gota d’água foi a questão financeira. No principio muitos se propuseram a colaborar financeiramente com o pagamento do “stream”, mas mês a mês desistiam e eu não podia comprometer minha comida para continuar com a rádio. Mesmo assim ela durou um ano.

É importante que eu tenha colocado o panorama geral do que aconteceu, para que possa com mais clareza responder sua pergunta. A ideia da rádio não era ser igual a imensa maioria das Webradios existentes, que são meros vitrolões, tocando musica o dia inteiro. Isso é ilógico, porque com a facilidade em baixar musica e a existência de sites como o “YouTube”, ninguém que algo assim. Então parti da ideia de que a musica seria apenas uma coadjuvante, uma constante matemática para a propagação de ideias e pensamentos. Tanto era assim, que o nome completo era: “KFK Webradio, a rádio que toca ideias”. Com relação à receptividade, acredito que dentro desse universo de webradios, onde a audiência tem números extremamente baixos, foi muito boa.

Quanto a segunda parte da sua pergunta, acredito que a Internet seja um espaço vivo para veiculação de informação, mas está longe de ser aquilo que se acredita sobre ela, pois a partir do momento em que foi descoberta como uma real fonte de “Marketing” por parte das grandes empresas, passou a sofrer todo tipo de pressão. Ainda temos blogues onde postamos, mas esses textos podem ser alvos de processos, até mesmo judiciais, que é a moderna forma de censura. Por outro lado, é preciso entender que existe uma ilusão por parte das pessoas em achar que tem liberdade ao criar um blogue e que este lhes pertence. Ao ler o contrato da Google por exemplo, se percebe que eles podem sem prévio aviso, deletar o mesmo. O maior alvo dessas supressões de blogues, são os que disponibilizam “downloads” de musicas, pois a indústria fonográfica e cinematográfica aciona a Google e eles simplesmente deletam.E não há nenhum tipo de questão moral nisso, mas o fato de que a Google é uma das maiores corporações do mundo e tem que pensar antes de qualquer coisa, em seus interesses comerciais, Se por um lado eles precisam dos blogueiros para criar conteúdo, por outro são sensíveis aos interesses corporativos. Então fingem que dão um espaço, mas esse é um espaço extremamente perecível, de acordo com os interesses deles. Ademais, se formos pensar na Internet como um todo, não existe a liberdade que muitas pessoas imaginam. Ou alguém ainda acredita que sua senha de email é realmente secreta, que ninguém tem acesso? Ou será que alguém acha que o Facebook é um espaço onde qualquer um publica o que quiser? São jogos de interesse mercadológico, financeiro e, portanto, quando o que comanda são esses interesses, não podemos acreditar que exista uma “democratização” (Isso ainda acreditando que esse termo se refira a “liberdade” total, o que é também é uma falsa premissa.)

Nesses quarenta anos de poesia o que mudou na cena nacional como um todo e o que de mais interessante e louco você viu?

R. – Como disse Paulo Leminski, “a poesia é um fenômeno etário”, pois todo mundo é poeta na adolescência e depois acha isso uma bobagem e guarda o caderno na gaveta para mostrar aos netos. De fato, é isso que normalmente ocorre e são raros os poetas que alcançam a maturidade, seja ela etária ou poética. Baseado nisso, eu, que também comecei a cometer meus crimes poéticos ainda na adolescência, de certa forma passei pelo mesmo processo até certo momento. E nesse tempo, decerto que muitos poetas chegaram e partiram, abandonaram. Com isso, claro que muitas coisas mudaram, embora particularmente eu não perceba umas mudança de ordem cultural, nenhum avanço. Não houve melhoria na consciência dos poetas no que tange a abrir espaços devotados à poesia. Algumas coisas esparsas, movimentos isolados, baseados mais em uma ou outra figura, mas nada no contexto geral. Não posso falar com firmeza com relação ao restante do Brasil, mas de São Paulo, mas não creio, pelas informações que tenho que tenham existido grandes avanços com relação a isso. No Século XIX, começo do XX, a poesia era coisa das elites, mas nos tempos correntes, nem ela própria se interessa mais. A coisa ficou resumida a pequenos guetos, a resistências individuais, hoje muito bem representadas pelos poetas que publicam em blogues. E se uma mudança houve na cena, foi justamente deflagrada pela Internet. Talvez esteja ai o futuro da poesia e da literatura, se é que exista tal futuro, conforme falei a pouco.

Quando falamos em cena, pensamos em lugares e movimentos que possam organizar e fazer crescer uma determinada coisa, mas o que observei foi que, apesar de alguns lugares terem sido criados em São Paulo, até com dinheiro publico, a coisa não anda por culpa do mesmo problema que fode com esse pais: a manutenção do poder dos pequenos ditadores. A prefeitura e o estado criaram alguns espaços destinados particularmente á poesia, mas todos se transformaram em antros dominados por alguns dessas aves de rapina, que são vaidosos e corruptos, e criaram esquemas para se manter como proprietários de um feudo nojento. Gastaram milhões em desapropriar um casarão no metro mais caro da América Latina, a Avenida Paulista, e transformaram num centro para a Poesia. Mas o que ocorreu, foi que aquilo foi tomado de assalto por um grupo que o domina, e só tem espaço ali pessoas ligadas a esse grupo. Até se pode chegar lá, assistir e participar de algum sarau, mas na hora de participar de fato, eles ignoram os que não são da panela. É nojento aquilo, e demonstra a mesquinhez que existe em pessoas que por horas acreditamos que por se dizerem artistas, poetas, pensariam teoricamente na mesma direção que a gente. Mas o que impera no final das contas é a vaidade. E o poder que a alimenta. A vaidade e o poder se auto alimentam e quem acaba sendo engolido somos nós, que temos ideal e acreditamos na arte pela arte. Essas pessoas ficam vomitando um monte de besteira, recitando Rimbaud e Baudelaire, mas sem a menor honestidade, sem a menor legitimidade. E digo isso, de honestidade e legitimidade na poesia, porque acredito que a poesia tem um poeta tem que primeiro viver, para depois escrever sua poesia, e não criar uma poesia totalmente desprovida de qualquer sentimento real e depois querer viver aquilo. E essas pessoas ficam querendo reviver a existência desses poetas, roubar-lhes as vidas, e acham que isso é ser legal. As pessoas são únicas e por conseguinte as poesias também. Acredito que minha poesia é tão forte e contundente quanto a de Poe ou Bukowski, mas não vou sair por ai, enchendo a cara, apenas para me parecer com eles. Quero viver a minha vida, não a vida de ninguém, por mais importante e por mais que eu admire seu trabalho. É isso que considero como poesia honesta e legitima e dentro da chamada “cena”, conheço poucos que agem assim.

Diego, o que conto agora é algo que tinha por algumas razões pessoais não comentar, e nem sequer no meu livro o fiz. Mas sinto que neste momento não há mais porque deixar de falar sobre isso, que realmente foi uma das coisas mais interessantes e loucas que vi participei e que tem relação com poesia. Tinha uma mulher, uma cabeleireira que tinha um salão próximo a minha casa, pela qual eu nutria um absoluto tesão. Algo extraordinário e até doentio. Mas eu era muito tímido, não conseguia chegar até ela. Não era aquela coisa platônica, amorosa, era tesão puro e selvagem. Ai, a cada dia que a via escrevia um poema absolutamente visceral, com palavrões aos montes. Era uma declaração de intenção selvagem e cada um deles relatava uma tara, um desejo ou uma expectativa. Fui escrevendo á mão, em um caderno. Quando terminei, tirei cópia daquilo e entreguei a ela sem dizer uma palavra. Eram trinta e dois poemas, uma epopéia. Da próxima vez que passei em frente ao salão, ela me chamou e perguntou se eu queria mesmo fazer tudo aquilo com ela, disse que tinha lido e queria encarnar minha poesia. Fomos a um hotel barato das proximidades. Eu a descrevera como a mais lasciva das mulheres, sem freios nem limites e ela foi até exatamente tão intensa e lasciva quanto eu havia descrito. Ficamos um dia inteiro dentro daquele lugar e no intervalo de cada trepada eu lia para ela alguns dos poemas. Depois praticávamos todas aquelas loucuras que eu tinha imaginado e descrito. No dia seguinte, bem como nos restantes, o salão permaneceu fechado e nunca mais a encontrei. Nem o nome eu sei, pois isso fazia parte do meu poema. Recentemente encontrei esses poemas e os transformei num livro, com o nome de “Versos Orgânicos”, que pretendo publicar em breve.

O que o levou a criar a revista digital POLITICAMENTE INCORRETO AO QUADRADO reunindo diversos artistas do underground brasileiro?

R. – O “insite” da revista ocorreu enquanto eu lavava louça. Veio-me o nome, o conceito e até o desenho da logomarca da revista. Eu já tinha lançado outras revistas digitais, além de revistas independentes, mas eles tinham um espectro amplo, com poesia, Rock, artigos e desenhos. Estava cansado de entrar em embates sobre essa questão do Politicamente Correto e toda a hipocrisia e modismo que existe por trás disso. Nas redes sociais, percebi que existiam muitas pessoas com pensamento idêntico ao meu e então chamei essas pessoas a mandarem suas visões. E o resultado foi surpreendentemente positivo, com muita gente participando, retirando idéias e projetos de dentro do cérebro e mandando. Muitos que achavam que não teriam coragem de se expor ou que não teriam capacidade para tanto, acabaram acordando e mandando. Quanto ao nome e o conceito: na matemática, o “pi”, é a representação de um numero infinito. Então o que seria um numero infinito ao quadrado? E ai entrou o jogo de palavras, com a sigla P.I., Politicamente Incorreto. Juntando tudo e a interpretação popular que diz que quando algo é grande demais ou extrapola seus próprios limites é “ao quadrado”. Queria deixar claros os propósitos da revista já no titulo. O objetivo da revista é de mostrar o quanto estúpida e perigosa é essa onda fascista que de fato tem ligação com o projeto de globalização, onde todas as pessoas são induzidas a pensar que são iguais, para que os “mais iguais” prevaleçam e dominem confortavelmente. É um jogo que só um lado ganha. Sempre me irritou profundamente o fato de as pessoas não terem consciência de que estão sendo usadas, manipuladas em suas próprias consciências. Isso é uma absoluta lavagem cerebral e acho que no fim as pessoas não tem mesmo culpa disso, mas algo era preciso ser feito, não por heroísmo, mas por uma simples questão de sobrevivência da espécie. Agora, estou preparando a segunda edição, com previsão de lançamento no Carnaval e tentando encontrar alguma parceria com editoras para que a lancem em formato impresso.

Um recado para quem está adentrando no reino das palavras agora. Fale o que quiser!

R. – Bom, Diego, obrigado pela oportunidade de meter o pé em algumas portas por intermédio do teu blogue. E a única coisa que gostaria de dizer a quem deseja ser ou já é poeta ou escritor é que, a não ser que você seja bonitinho ou bonitinha, tenha muita grana, pai influente ou alguma forma de estar na grande mídia, não espere ganhar dinheiro com literatura, ao menos não no Brasil. E sempre acredite naquilo que escreve, seja honesto consigo e com sua obra, seja ela qual for. E principalmente não acredite em verdades absolutas, pois não existem verdades absolutas senão a sua, mas é preciso que essas verdades tenham bases sólidas. Leia muito, pense muito e viva muito!

16/01/2013

Barata Cichetto, 1958, Araraquara – SP, é poeta, escritor. Criador e Editor do Agulha.xyz e Livre Pensador.

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