Atualizado em 08/07/2024 as 21:46:28
(O mais complicado, quando a gente revira baús, não é encontrar preciosidades, mas sim coisas que nos perturbam. Numa pasta de arquivos onde tenho entrevistas que fiz eou concedi, encontrei esta, do jornalista Dum DeLucca. (RIP) Não pela pessoa do Dum, extremamente amável e educado, jornalista competente, especialmente quando o assunto era Rock e música em geral, mas perceber que, uma pessoa que passou pela Terra, criou várias coisas, e após falecer quase nada se encontra nada Internet. Isso de uma pessoa que tinha site, ativo em redes sociais, etc. Encontrei apenas uma foto dele, num site de um músico (Xando Zuppo), ainda assim uma montagem. No mais, praticamente nada, a não ser um perfil paralisado no Linkedin. Sinceramente não lembro quando Dum se foi, mas tem quase uns dez anos. Realizamos algumas coisas juntos, para seu site, “Jukebox”, que estou resgatando e em breve estarei publicando. A seguir, um depoimento de Dum sobre minha pessoa, publicada em seu site, em 13/08/2014. A entrevista é de 2015.)
BC, Fevereiro 2024
“A primeira vez que encontrei o chapa, poeta, escritor e editor Luiz Carlos “Barata” Cichetto foi em uma tarde na loja Medusa, na Galeria do Rock, em São Paulo, em 1998. Me pareceu um cara ousado, de ideias e sonhos que apenas com muita luta e suor poderiam dar certo. Conversamos e comecei a enviar alguns textos para seu site, “A Barata”. Hoje digo sem medo de errar, que ele atingiu o que muitos querem e poucos conseguem. Produzir através de um método REALMENTE independente – sem necessitar de verbas públicas, mas com muito trabalho – e de forma artesanal, uma gama de itens culturais substanciais e de qualidade tanto artística como de acabamento (livros, CDs e revistas), reunindo uma gama de colaboradores, escritores e ilustradores de peso que acreditam em suas propostas e ideias, às vezes um tanto “loucas”. Enfim, assumiu um papel único e essencial na forma de raciocinar, fazer e distribuir arte no país. E o mais importante, ser respeitado pelo enorme peso da sua produção cultural, e óbvio, pela sua gana e vontade em FAZER. Sem muito mais a dizer, a melhor coisa é deixar o criador e sonhos reais falar. Como diz a jornalista Célia Coev, ele é uma “lenda” urbana!”. – Dum DeLucca – Jukebox
Quando o conheci você tinha o site A Barata, e isso foi em 1998, o que mudou na sua vida após isso?
R – O site A Barata foi de fato criado em 1997, ainda no início da operação comercial da Internet no Brasil. Ainda não tinha esse nome e era um projeto pessoal. A partir de 99, criei o nome e o perfil mudou, agregando-se conteúdo de Rock, com a colaboração de outros autores. Fui pioneiro nesse lance de dar espaço a bandas, com a criação de páginas próprias, com endereço fixo, bem antes do advento do My Space. Em 2002, com a enxurrada de sites de Rock que apareceram, mudei o foco, agregando literatura, quando publiquei centenas de autores, a maio parte inéditos. Os blogs ainda eram pouco conhecidos e os acessos ao site explodiam, chegando a média dia de mais de 1.000. A partir da explosão das redes sociais, a partir de 2005, o interesse por sites foi diminuindo, com as pessoas preferindo publicar em blogues e Orkut, Facebook, etc.. Isso fez com que a partir de 2009, eu decidisse voltar “às origens”, como um site pessoal, um portfolio meu. O site existe até agora.
De fato muita coisa mudou. Quando descobri a Internet, ainda em 1995, vi nela uma ferramenta fantástica, que seria um “aperfeiçoamento“ do mimeógrafo. As possibilidades de divulgação artísticas e culturais eram imensas. E foi assim durante certo tempo. Mas depois com as grandes empresas percebendo o potencial comercial, esse valor se modificou e, como sempre, perdemos. A mim, se no começo acreditava nessa ferramenta como algo revolucionário, passei a fazer o caminho inverso nos últimos cinco anos, passando a me voltar às publicações impressas, e usando a Internet apenas como forma de divulgação.
A nível pessoal, as mudanças nesses dezesseis anos foram substanciais: três casamentos, acompanhados de um crescimento artístico impar e o fato de encarar com mais seriedade a questão literária. Hoje tenho a coragem de colocar “Escritor”, ou melhor, “Artesão de Livros” quando tenho que preencher um documento…
Fale de seu trabalho como editor. Quais as dificuldades e emoções em tocar uma editora alternativa, underground e bem sucedida, levando-se em conta o grande número de projetos executados?
R – Primeiramente, detesto esse termo “editor”, pois infelizmente ele sempre vem relacionado a um simplesmente comerciante que visa o lucro acima de tudo. E também porque não me considero um, por não ter nenhum estrutura comercial ou administrativa. Trabalho sozinho e todo o processo é artesanal. A ideia surgiu no inicio de 2010 quando estava, juntamente com Amyr Cantusio Jr. Produzindo a Opera Rock Vitoria. O “libreto” tinha que fazer parte do produto e eu sabia que jamais conseguiria um editora. Fiz testes de impressão e encadernação manual, comprei uma impressora laser usada e a coisa saiu. De lá para cá, em pouco mais de quatro anos, foram mais de 60 títulos, sendo 16 meus.
As dificuldades são sempre aqueles inerentes à falta de dinheiro para investimento de várias formas, como equipamentos e comercialização de títulos. As tiragens são sempre bem pequenas, em função disso.
Agora, as emoções são indescritíveis… O fato de pegar um texto de um autor, revisar, diagramar, imprimir o “boneco”, criar a capa, montar tudo, encadernar, etc., dá uma sensação maravilhosa. A cada livro pronto é um orgasmo, mesmo. Às vezes olho para a pilha de livros impressos e me dá vontade de não mandar pro autor, guardar comigo… rs
Como é o processo de execução e distribuição da editora?
R – O processo de execução é puramente artesanal. Depois de uma revisão, o conteúdo do livro é diagramado e impresso numa impressora laser. Juntados os cadernos, esses são costurado, da forma manual, com agulha e linha mesmo e depois colados. Quando é um livro de capa dura, antes da colocação dela, o miolo é refilado. Este é o único ponto em que uso máquinas, pois para um acabamento perfeito, o livro é refilado em guilhotina industrial, feito em gráfica.
Agora, o processo de distribuição cabe a cada autor, pois o meu trabalho é com relação à execução do livro físico e é on demand. Ou seja, o autor pode pedir de 10 a 200 livros, de acordo com sua disposição financeira ou qualquer outra. Os livros de minha autoria, particularmente vendo pela Internet ou, numa volta aos tempos do mimeógrafo, em shows, teatros, etc.
Qual sua relação com a música e a poesia, como elas se relacionam para tu?
R – São duas necessidades fundamentais, para mim, então eu as relaciono intimamente. Não sou musico por falta de paciência e empenho em aprender a tocar qualquer instrumento e como faço da poesia minha forma de expressão mais autêntica, busco uni-las. Sou apaixonado por artistas que conseguem usar as duas formas ao mesmo tempo, como Patti Smith, Lou Reed e Tom Petty e acho Thick As a Brick uma espécie de “Paradise Lost” do Rock. O ruim é que como não sou musico, às vezes tenho ideias malucas ou não realizáveis nas minhas parcerias e isso às vezes me frustra um pouco. Mas, de forma geral, elas podem ou não se relacionar. Há musicas maravilhosas que não tem qualquer poesia, são horrorosas poeticamente falando. Outras, que são maravilhosas poesias dentro de musicas horríveis. Quando as duas se juntam é o casamento perfeito.
Entre seus trabalhos, um que me chamou muito a atenção é “Seren Gogh 2332”. Nitidamente ele é uma crítica à sociedade consumista e pouco reflexiva, então, qual a motivação e o objetivo em produzir uma “ópera rock” progressiva desse porte? Você acha que existe espaço para obras desse porte hoje, mesmo porque as pessoas mal ouvem um CD inteiro?
R – Seren Goch, 2332 é a segunda “Opera Rock” que faço. Em ambos os casos em parceria com Amyr Cantusio Jr. Nas duas eu criei todo o texto, as situações, enredo e passei pronto ao Amyr para a criação musical “Vitória”, de 2010, tinha a participação de outras bandas e músicos e era de fato um musical de teatro (ou cinema…) É uma peça longa, em 33 temas, que contam a trajetória de uma prostituta, contextualizada entre 1977 e 2010.
Já Seren Goch (que significa “Estrela Vermelha” em galês) é inspirada nas obras de Ayn Rand, filosofa russa que viveu nos EUA, e no conceito de criação de “2112” do Rush. Trata de uma distopia futurista onde os seres humanos perderam totalmente sua individualidade, se tornando uma massa sem rosto ou vontade própria. Há um comando central, que chamo de “Cientistas”, que controla as pessoas dando-lhes a ilusão de que o que importa é o coletivo e não o individual. È de fato uma critica ao comunismo e suas armadilhas.
Talvez não exista espaço para esse tipo de obra justamente pelo que coloco em Seren Goch, 2332: as pessoas estão perdendo a capacidade individual de raciocínio, a capacidade de pensar individualmente , em ser crítico. O raciocínio é individual e, a arte é uma criação individual, que deve ser pensada, sentida e analisada individualmente. O coletivismo destrói isso e o resultado é que se nivela por baixo o raciocínio. E, portanto, é esse o papel principal dessa obra. O Amyr criou atmosferas densas, perfeitas para a introspecção, a analise de si próprio. O rock Progressivo é isso, e ele se presta positivamente, pois induz ao ouvinte a um estado contemplativo e auto cognitivo.
Breve lista de discos e livros essenciais
R – Leio e escuto muita musica, desde que me conheço por gente meu maior prazer é esse. Então… Deixa estabelecer um numero, para o seu “breve”: cinco de cada.
Discos: “The Dark Side Of The Moon, Pink Floyd; 2112 do Rush; Black Sabbath, Black Sabbath; Survival, do Grand Funk e The Magician’s Birthday do Uriah Heep.
Livros: Eu e Outras Poesias, de Augusto dos Anjos, A Nascente, de Ayn Rand, Filosofia na Alcova, do Marquês de Sade; A Morte Organizada, de Luiz Carlos Maciel; e Vontade de Potência, de Nietzsche.
Onde você espera chegar?
R – “Você me pergunta aonde eu quero chegar, se há tantos caminhos na vida e pouca esperança no ar…” Me desculpe, mas foi inevitável lembrar desse trecho da musica de Raul Seixas… Não, não sou raulseixista, não sou “ista”, mas sou ego, sou egoísta…Por que não? A pergunta é ótima e não vou ser piegas e nem hipócrita. Quero, sim, chegar a ter meu trabalho conhecido por bastante gente, ser lido é o objetivo de qualquer escritor, ser escutado é o objetivo de quem pensa. E quero ser reconhecido, sim, enquanto estou vivo. Quero chegar, sim, a não ter tanta dificuldade financeira, até mesmo para realizar coisas simples. Não tenho grandes objetivos, coisas mirabolantes, casas e carros, essas coisas, mas quero, sim, ter o suficiente para ter as contas em dia e poder, por exemplo, tratar dos meus dentes. Coisas simples, mas básicas. Afinal, trabalho 15 a 18 horas por dia em minhas diversas atividades, escrevo há 40 anos e saber que tem gente enchendo o rabo de dinheiro fazendo muito menos que eu faço, em qualidade e quantidade, é frustrante. Sei que esse “onde” pode, digamos, nunca estar disponível, mas vou continuar trabalhando para chegar.