Atualizado em 08/07/2024 as 21:56:02
“Poetura” é uma revista literária lusófona, criada e editada por Luís Roxo, poeta, escritor e editor, que vem empreendendo grandes esforços para a divulgação de poetas de língua portuguesa em todo o mundo. A revista foi lançada no final de 2023, e para a terceira edição, Janeiro 2024, concedi uma entrevista a ele muito interessante, onde, graças à perspicácia do entrevistador, acabei revelando alguns detalhes da minha trajetória pessoal e profissional que pouquíssimos conhecem. Também é um orgulho para mim ter participado de todas as edições da revista até agora (Fevereiro 2024, já no número 6).
Início na Escrita:
Como foi o início de sua jornada na escrita e na poesia? O que o inspirou a começar a escrever?
– Roxo, primeiramente, obrigado pela oportunidade da entrevista. Não tenho muito claro o que me instigou a escrever. Desde criança me lembro de rabiscar pequenos contos, e a partir de 15 ou 16 anos, começar a escrever poesia. Mas, se for explicitar algo que me instigou, com certeza foi quando eu conheci as letras de Rock, especialmente Lou Reed. Tanto que nessa época, eu transitava na Boca do Lixo de São Paulo e me via como uma espécie de “Lou Reed à Brasileira” e imaginava não estar escrevendo poesia, mas letra de música.
Influências Musicais:
Suas influências musicais, como Beatles, Black Sabbath e Pink Floyd, são evidentes em seu trabalho. Como a música influencia sua escrita e criatividade?
– Além da que eu falei, e as que você citou, tenho muita influência do Rock, e da música em geral. Outra banda que me influenciou demais foi o Jethro Tull, cujas letras são absurdamente fantásticas, como conteúdos filosóficos. Em termos de Brasil, posso citar Raul Seixas, que em menor escala também me influenciou. De fato, a música tem papel fundamental na minha criatividade, pois sempre estou escutando, e muitos dos meus escritos, acabam sendo inspirados por alguma letra ou mesmo emoção pela melodia.
Geração Mimeógrafo:
Você mencionou ter participado da geração mimeógrafo nos anos 1970. Como essa época influenciou sua abordagem à escrita e à cultura em geral?
– Nasci em 1958, portanto, minha adolescência se deu no decorrer dos anos 1970, uma época em que estávamos longe de sonhar com Internet e computadores. Essa geração – lembrando que vivíamos o auge da Ditadura Militar no Brasil -, tinha poucos meios de se expressar, e um deles eram as publicações impressas em mimeógrafo, que circulavam por correio ou de mão em mão. Então foi natural minha participação em vários deles. O que não consigo entender é porque nenhuma referência a mim ou meu trabalho conste dos compêndios e antologias publicados posteriormente. Um dos meus “palpites” é o teor dos meus textos: eu nunca entrei em searas políticas e minha poesia sempre foi considerada “pesada” e “suja”. A outra era a forma, já que a maioria escrevia “poesia concreta”, coisa que totalmente abomino.
Projeto Cultural Independente – A Barata:
Pode falar mais sobre o projeto A Barata? Como ele se originou e qual era a visão por trás dele?
– Quando descobri a Internet, ainda antes da metade dos anos 1990, percebi que ali seria uma grande oportunidade de divulgar literatura e outras artes. Passei então a aprender a programação de sites e ainda em 1997 lancei um, sem nome, feito com recursos pífios da Internet da época. Em 1998 me mudei para Belém do Pará, e surgiu a oportunidade de criar um projeto maior, com título e domínio. O nome “A Barata”, se deu por minha profunda ligação com Kafka e sua “Metamorfose”, já que eu entendia que todo artista acaba meio sendo um Gregor Samsa. Rapidamente o projeto cresceu e começaram a aparecer pessoas pedindo para participar. Passei a incluir, além de literatura e poesia outras artes, como música, sendo pioneiro em publicar gratuitamente páginas de artistas. Em 2000 cheguei a dar entrevista na TV aberta (Vitrine, na TV Cultura) e a partir daí A Barata cresceu muito, tendo se tornado referência no meio underground do país inteiro, especialmente São Paulo. Diante disso, passei a organizar festivais enormes que juntavam Poesia, outras artes como pintura e teatro, com apresentações musicais.
Transformações Pessoais e Literárias:
Você mencionou uma transformação kafkiana que o levou a criar A Barata. Como essa transformação impactou sua vida e sua escrita?
– Além da que citei anteriormente, toda a vida e obra de Kafka me impactaram sobremaneira. Obras como “O Processo” e “A Metamorfose”, esta particularmente, me mostraram o quanto a gente é dispensável quando deixa de ser considerado “gente” quando deixa de ter a utilidade que as pessoas exigem de nós. E isso, para mim era muito carnal, já que eu vivia um momento muito delicado profissionalmente, que abalou profundamente meu casamento. A “explosão” de “A Barata” fez com que tudo se apressasse e eu rompesse um casamento de 20 anos. E resumo, quando eu “acordei de sonhos intranquilos, me vi transformado num inseto monstruoso”. Ao menos aos olhos que viam apenas minha utilidade prática, não humana.
Trabalho com Internet e Eventos:
Como seu envolvimento com sites para a internet e a produção de eventos influenciou sua expressão artística?
– Ao retornar à São Paulo, aos 42 anos, comecei a ter dificuldades em encontrar trabalho formal, e como tinha apreendido a desenvolver sites, em função de “A Barata”, comecei a fazer bicos com isso, que acabou se tornando minha profissão até hoje. O resultado disso foi que passei a ter muito mais liberdade e tempo para desenvolver projetos literários, como livros e revistas. Com esses fatores em mãos, claro, eu tinha a oportunidade de escrever mais e melhor, ler, produzir material impresso e, por fim, organizar eventos artísticos. Consegui finalmente conciliar criação artística com sobrevivência, mesmo que com dificuldades, financeira.
Experiências Profissionais Diversas:
Você teve uma variedade de ocupações, desde office-boy até analista de qualidade. Como essas experiências moldaram sua visão de mundo e se refletem em sua escrita?
– Trabalho desde bem jovem, e sempre fui dedicado ao que fazia, desde o início. Sempre encarei meu trabalho, fosse qual fosse, com máximo empenho, sempre procurando fazer o meu melhor, e sempre sendo autocrítico. Isso se reflete, com certeza na minha escrita, já que sempre a tratei como trabalho, independente de ser bem, mal ou nada remunerado. E esse reflexo se aplica também a minha vida pessoal.
O Desafio de Ser Homem:
Você mencionou a transição de poeta para tentar ser homem. Como equilibra a expressão artística com os desafios da vida cotidiana?
– Em principio, essa é uma referência a uma frase de Bukowiski, que eu “tomei” para mim, e foi ligada intimamente a alguns momentos importantes da minha vida: o primeiro, quando nasceu meu primeiro filho, que me fez temporariamente abandonar a poesia para me tornar “homem” (pai). O segundo foi o que me referi acima, quando muitos anos depois decidi que queria ser, além de homem, poeta, já que uma coisa não excluía a outra, embora tenha sido muito difícil convencer aos que me rodeavam. Aprendi, por fim, que essa equação era possível, e passei então ser ambos, criando sites, criando uma editora artesanal, etc. Além disso, nos eventos, eu conseguia vender alguns exemplares de livros, e assim a vida segue até hoje, vinte e cinco anos depois.
Leituras e Influências Literárias:
Além das influências musicais, há autores específicos que têm impacto significativo em sua escrita?
– Com certeza há. Sempre fui leitor assíduo, de toda espécie de literatura, dos clássicos como Machado de Assis, a “profanos”, como Henry Miller, Edgar Allan Poe, etc. Ainda na adolescência descobri Augusto dos Anjos, Baudelaire, Rimbaud e outros “malditos”, que em principio me fizeram perceber que o tipo de poesia “suja” que eu escrevia tinha autores consagrados, o que me deu força para continuar no meu caminho. Decerto que esses autores afinaram minha percepção, me deram mais base para escrever melhor. Outros autores, que surgiram bem depois na minha lente, como Bukowski, os “beatniks”, e especialmente Fernando Pessoa, que entrou um pouco tarde, mas definitivamente com impacto gigantesco, também me desafiaram a sempre melhorar minha escrita e minha percepção.
Obras Musicais:
Como foi sua experiência como letrista e a criação de óperas rock? Como a música e a poesia se entrelaçam nesse contexto?
– Como citei, sempre estive muito envolvido com música. Em 1976 o filme “Tommy” estreou no Brasil e eu fiquei fissurado: assiste mais de 20 vezes, e comecei a acalentar a ideia de um dia fazer uma ópera Rock. Entretanto como não sou músico, o sonho foi sendo adiado, até início de 2010, quando mostrei o filme a minha atual mulher, que não conhecia. Logo no início, no momento do nascimento de Tommy, “no primeiro dia da Vitória”, na Segunda Guerra Mundial, soltei um comentário: “Ah, deveria ser uma mulher e se chamar “Vitória”. Foi o “start”. Decidi então que escreveria todo o conceito, as letras, os temas e narrações e procuraria um músico. Mais fácil do que imaginei encontrei um dos maiores músicos ligados ao Rock, mas com formação erudita, do Brasil: Amyr Cantúsio Jr, que topou de imediato. Passei-lhe as letras e em pouco tempo a maior parte estava pronto. Fizemos tudo sozinhos, eu as letras, diagramação, impressão e produção, e ele se encarregou da maior parte das musicas e conseguiu outros artistas para participarem. Em poucos meses estava nas ruas, mas infelizmente pouca gente conhece. Tentei com diretores de teatro, já que tinha tudo para ser um musical de teatro, editores, nada. Posteriormente, dizemos mais duas: “Seren Goch 2332” inspirado na obra “2112” do Rush (que por sua vez é inspirado numa obra de Ayn Rand) e finalmente em 2015, fizemos “Madame X – À Sombra de Uma Morta Viva”, que conta a história (real) de uma mulher com a rara “Síndrome de Cottard”. Esse contou com a participação de uma fantástica cantora do interior de Minas, chamada Liz Franco, que criou melodias e cantou em várias faixas.
Paixões e Casamentos:
Você mencionou suas paixões por figuras como Varda de Perdidos no Espaço e Janis Joplin, além de ter se casado quatro vezes. Como essas experiências se refletem em sua escrita?
– Cantoras e demais artistas femininas sempre estiveram, de alguma forma na minha “alça de mira”, sempre gostei de cantoras em bandas, me apaixonei pelas heroínas dos seriados e por todas as minhas professoras do ensino fundamental e médio. A figura feminina é o maior símbolo de criação (em todos os sentidos). Portanto, todas as quatro mulheres com quem me casei são presenças constantes e profundas na minha escrita, de alguma forma. Quem minha obra vai sentir e perceber todos os momentos, claro de forma literária, entendendo em que momentos os momentos distintos de paixão, ódio, tesão e tudo mais ocorreram. Quero crer que a maior parte do que escrevi fala de mulheres, sejam essas ou outras com quem me relacionei. É natural para mim isso. Há alguns anos escrevi meu primeiro romance, “A Mulher Líquida”, de 640 páginas, onde tive a “audácia” de escrever na primeira pessoa do feminino, e ponteados por fatos que vi, vivi ou ouvi de todas elas.
Papéis Parentais:
Como a paternidade influencia sua arte? Há alguma mensagem específica que gostaria de transmitir aos seus filhos através de sua escrita?
– Essa pergunta foi capciosa, Roxo! Mas serei bem sincero contigo e todos que leem esta entrevista: a influencia que a paternidade, ocorreu no momento que contei acima, quando decidi parar tudo para me dedicar aos filhos, que depois de adultos nunca se interessaram pelo que fiz e faço. Como ambos também são artistas, sempre os introduzi nas publicações que fazia, mas num dado momento, passaram a me ver exatamente como a família de Gregor Samsa, e assim, me excluírem de suas vidas. Portanto, não posso ser hipócrita e dizer que quero deixar ou transmitir algo a eles. São adultos e tomaram a decisão de me excluir de suas vidas, então, só posso respeitar isso.
Prêmios Literários:
Apesar de ter escrito extensivamente, você mencionou nunca ter ganhado um prêmio literário. Como encara o reconhecimento e como isso afeta sua abordagem à escrita?
– Sim é verdade. Durante muitos anos, como qualquer escritor, participei de concursos literários, tanto com poesia como com contos e até o romance que falei acima, sem qualquer sucesso, nem sequer menção. Na verdade o que percebo é que isso, com na maioria desse tipo de coisas, os ganhadores já estão definidos bem antes, seguindo interesses diversos, do financeiro ao político. Então, baseado nisso, há uns quatro anos não participo de mais nada. É claro que isso me afeta, não seria eu hipócrita em dizer que não. Afinal, isso possivelmente representa ter mais leitores, mais oportunidades editoriais e várias outras coisas, e isso me deixa triste, com certeza, e assim acaba mesmo refletindo diretamente na minha escrita. Essa conversa de “ah, eu escrevo para mim, não preciso de leitores”, é no mínimo hipócrita: todo artista quer ser visto, lido, seguido. Não falo de fama, glória, coisas assim, mas de “cumplices” de sua obra. Sou muito crítico ao meu trabalho, e me entristece quando sinto que as coisas que eu quis contar, dizer, gritar ao mundo, ficam guardadas dentro de páginas de livros, que possivelmente nunca serão lidos.
Obrigado pela oportunidade, mais uma vez, da entrevista.
Leia a edição integral da revista:
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