Baudelaire - As Flores do Mal Com Notas do Autor

Entrevista Com Poetas Mortos (2) Charles Baudelaire Em Paris, 1857

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Estamos em vinte e cinco de Junho de mil oitocentos e cinquenta e sete. Exatos cento e um anos antes de eu nascer. De Portugal, onde tinha entrevistado Pessoa quase setenta anos depois, fui à França, porque tinha eu o pressentimento de que algo aconteceria naquele dia. Afinal. Aquele não era um dia normal. Porque foi quando uma mãe lazarenta em meio à tormenta. Pariu um bocado de flores do mal. Um tal de Charles, que não era Príncipe de Gales, mas que era viciado nos males. Do ópio e do ódio. Poeta maldito, que sempre acredito ser sinônimo de proscrito. Pelo clero inaudito. Assim, no jardim sem flores, cheio de falsos amores, encontro o Pierre. Segundo nome de Baudelairre. (Acrescento outro erre, apenas para parecer francês, sem saber direito nem o português.) Pergunto então ao poeta de olhar escuro, sobre ser ele o seguro, de meu infinito e obscuro Porto seguro. Que é a poesia escrita. Há muito proscrita. E ele me olhando como uma prostituta parisiense maldita, me diz que acredita, que a poesia carrega no bojo a eternidade. E acrescenta que o misticismo e a objetividade. Além do sincretismo e a subjetividade sobreviverão a hipocrisia e à maldade. Digo a ele que não acredito, porque sou também, no meu tempo sem história, apenas chamado de escória. — Lhe falo de Augusto e de Eduardo, que carregam as cores de suas flores maléficas, e ele me conta o quão benéficas são suas odes. Pergunto sobre as Litanias. E ele me fala sobre as deusas das ventanias. E diz que prefere mesmo recordar “daqueles tempos nus, quando Febo esculpia as estátuas na luz.”. Mas me parece triste o poeta, e parece temer pela própria securidade, pois foi seu rebento, sua lira e sustento, condenada por imoralidade. Como se poesia pudesse ameaçar o conceito de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Digo-lhe com respeito, mas como suspeito, de que a merda da humanidade, mesmo agora de onde venho, ainda não aprendeu o que é Liberdade. E ele me diz que sociedade, é mesmo uma calamidade. Cita ali, sentado na praça seu Spleen: “Tenho mais lembranças que se tivesse mil anos.” E acrescenta: “Doravante tu não és mais, ó matéria viva! Que um granito cercado de um vago pavor.” Pergunto então sobre o tempo e o poeta de tez enrugada responde com versos: “Somos a cada momento, atropelados pela ideia e pela sensação do tempo. E só há dois meios de escapar desse pesadelo, de esquecê-lo: o prazer e o trabalho. O prazer nos consome. O trabalho nos fortifica.” Convido-o para beber, que não gosto da solidão, e assim responde o poeta: “Quem não sabe povoar sua solidão, também não saberá ficar sozinho em meio a uma multidão”. Assinto e consinto. Quero saber de Charles sobre o famoso “Club des Haschischins”, e peço que me conte sobre Os Paraísos Artificiais. Solta o poeta uma baforada e responde: “Diz-nos o bom senso que as coisas da terra pouca existência têm, e que a verdadeira realidade está apenas nos sonhos”. E para terminar minha entrevista, pergunto sobre o bordel, e sobre quem colocou o Universo inteiro. E me reduz o maldito poeta proscrito, que sobre isso já havia escrito: “Porias o universo em teu bordel, mulher impura! O tédio que te faz cruel.” Olho então em seus olhos opacos, com a admiração dos velhacos e fracos, e me despeço, agradecendo a entrevista, citando seus próprios versos: “Amo a recordação daqueles tempos nus, quando Febo esculpia as estátuas na luz.” Sorri-me o francês, e eu em meu português, recito seus próprios versos: “De olhar translúcido como água de corrente, E que se entorna sobre tudo, negligente”. E daí sigo meus passos no tempo, entrevistando mortos poetas, que estarão sempre vivos.

29/05/2024

Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador

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