Entrevista | Rolando Castello Júnior (Patrulha do Espaço)

27 Perguntas On Line Para Rolando Castello Júnior. A Patrulha do Espaço completou 27 anos em 2004. Baseado nisso, fizemos uma pergunta por ano de existência da banda a Rolando Castello Júnior, um dos fundadores e líder da banda. Esta entrevista foi feita por email, em Março de 2004.

1 – (Postura)
Comecemos falando sobre postura. Nos anos 70, um show de Rock era um acontecimento político social. A maioria das apresentações era em teatros e lotados. Além da música, as pessoas iam escutar os músicos. Existia um sentimento de cumplicidade, de comunidade muito forte que atualmente não existe mais. O Rock como movimento foi dividido, esfacelado. A realidade é que não existem mais shows de Rock, nem lugares com este espírito, pois nos poucos lugares onde toca Rock, ele é apenas a trilha sonora, não o ator principal. Concorda com isso? O que pensa sobre esse assunto?

Rolando: Realmente nos anos 70 rolava esse clima que você citou, o rock era totalmente underground, não contava com mídia alguma e as coisas rolavam forte por que era um movimento forte naquele momento. Daí a não existir mais shows de rock, eu discordo por que senão o que bandas como a Patrulha, Golpe, Dr. Sin, e outros estão fazendo, mudou a conjuntura sim, mas para muitos o rock não é apenas a trilha sonora de uma noitada etílica em busca de sexo, ademais os tempos são outros e diferente dos shows de rock do passado e das bandas acima citadas, existe toda uma nova geração de grupos e roqueiros que fazem e curtem shows de acordo com a informação que tem e de acordo com a sua geração.

2 – (Raul Seixas)
Muita gente fala que Raul Seixas é o grande pai e mentor intelectual do Rock Brasileiro, mas parece que você não concorda muito com isso. O que você pensa sobre ele, musicalmente e como artista de uma forma geral. Acha que sua influência dentro do Rock Brasileiro no global foi positiva ou negativa?

Rolando: Não acho de jeito nenhum que o Raul é o pai do rock brasileiro, o rock brasileiro nasceu muito antes de Raul ser famoso, o Raul tem seu lugar incontestável dentro do rock brasileiro, aliás, lugar este bastante grande e merecido, ele sempre tocou e gravou com grandes músicos da cena roqueira brasileira e suas letras são extremamente inteligentes e com mensagens de forte cunho social, comportamental, etc., muito além de um monte de bobagem em termos de letra que constituem o repertório da maior parte das bandas do BR rock, dentro deste universo sem dúvida alguma influência sua é super positiva.

3 – (Influências)
Falando de influências, de um lado e de outro: quem foram seus influenciadores, tanto musicalmente como na sua forma de pensar e agir como pessoa e como artista. Por outro lado, pessoas como Paulo Zinner e Paulão Batera, grandes músicos o apontam como mentor e inspirador. Como funcionam essas coisas na sua cabeça?

Rolando: Musicalmente no Brasil os bateras e bandas que me influenciaram no inicio da minha carreira foram o Dartagnan e Som Beat, Nelson Pavão e Made e o Hermínio e o Loupha. Dos gringos o primeiro para mim foi o Ringo Starr depois o Keith Moon, Ginger Baker, Mitch Mitchell, John Bohan, Carl Palmer, Carmine Appice, Billy Cobhan e Lenny White, esses são os que mais me influenciaram que eu me lembre agora. Na minha forma de pensar posso citar Marta Hernecker, Leo Huberman, Herman Hesse, Aldous Huxley, Timothy Leary, Bukowski, Saint Exupéry, Lawrence Ferlinghetti, Gregory Corso, Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Gibran Kalil Gibran, Hugo Pratt, Roberto Piva, Torquato Neto e uma porrada de outras pessoas que li, ouvi e convivi. Quanto a ser melhor ou inspirador dessa galera que eu tanto admiro e sou amigo é uma honra incomensurável e em relação à molecada que admira meu trabalho e minha pessoa é uma responsabilidade muito grande, então na minha cabeça às vezes rola um turbilhão de sentimentos que é um misto de medo, orgulho, preocupação, satisfação enfim, sentimentos antagônicos inerentes a minha posição de agente criador e influenciador.

4 – (Relações Pessoais)
Continuando com relações interpessoais, Rolando Castello Júnior tocou com figuras tidas como complicadas, como Arnaldo Baptista, Oswaldo Vecchione e o argentino Pappo, como foi tocar e conviver com elas. Como é sua relação com eles hoje em dia? Aliás, falando ainda em relações pessoais, como é a convivência sua com o restante da banda, particularmente com o Marcello e o Rodrigo, que são de outra geração?

Rolando: As complicações que rolaram, hoje eu vejo que foram complicações normais de qualquer relacionamento profissional e pessoal de pessoas que passam muito tempo de convivência, ademais que cada cabeça é um mundo, hoje vendo em retrospecto os bons momentos foram muito melhores e maiores, que qualquer merda que possa ter rolado. E o fato de eu ter tocado com o Made e o Osvaldo num momento em que a banda era uma das maiores bandas de rock do Brasil, com o gênio e ídolo Arnaldo e com o Pappo talvez o maior guitarrista de rock da América Latina, meu ganho como artista e ser humano foram enormes. Quanto aos meninos da banda, eles são novos…

5 – (Mídia)
Porque a Patrulha do Espaço e particularmente Rolando Castello Júnior não estão na mídia apesar de todo o seu histórico e importância dentro do Rock Nacional, em sua maneira de pensar? A coisa é grana, má-vontade, preguiça, burrice ou tudo isso junto? Você acha que do que a mídia apóia alguém se salva ou tudo que rola no rádio e televisão é lixo?

Rolando: Com, a banda e eu não estamos na grande mídia, como TV e rádio, mas estamos na mídia especializada como revistas de música e de instrumentos. Em 2003 nós estivemos nesta mídia o ano todo, talvez não da maneira merecida em alguns casos, mas estivemos e estamos lá e vamos estar de novo agora com o lançamento do Cd “Missão na Área 13”. Quanto a TV e rádio, a resposta você já deu, é grana via jabá, gravadora mais má vontade e muita ignorância de quem é quem nesta merda de cenário roqueiro atual. Depende, do que rola hoje este cenário hardcore pelo amor de Deus, a maioria das bandas novas é uma merda, mas pelo jeito é o que a galera ta a fim de curtir, agora, tem exceções, como o Charlie Brown Jr. e dentro de um lance mais pop os caras do Jota Quest mandam bem, o resto e os medalhões dos anos oitenta que estão aí já com uma carreira que sempre foi respaldada pela mídia via gravadora.

6 – (Morte)
Ao menos três músicos que tocaram contigo já morreram: Walter Baillot, Sérgio Santana e Dudu Chermont. O que representaram essas pessoas dentro do contexto da banda e pessoalmente com relação a você?

Rolando: O Sérgio e do Dudu foram comigo a Patrulha do Espaço. Ficamos juntos muitos anos e gravamos a maior parte dos discos. Foram nesses momentos meus melhores amigos. Quanto ao Waltão a passagem dele na banda foi muito rápida, mas nem por isso menos marcante, tivemos grandes momentos juntos.

7 – (Futuro)
Rolando Castello Júnior tem mais de 50 anos, a Patrulha do Espaço quase 30, o que pensa que acontecerá no futuro em relação a sua vida particularmente e de forma mais ampla com a banda? Aliás, o que é ter mais de 50 anos e tocar Rock, principalmente no Brasil. Imagina que seu futuro é dentro do Rock ou como John Lord, ir pescar?

Rolando: Porra Barata, enquanto estou te escrevendo essas respostas, que eu saiba estou com apenas 50 anos e não mais, enfim, particularmente penso daqui para frente me dedicar mais a mim mesmo, a alguns projetos meus e tentar ser o mais feliz possível na minha vida pessoal, o que como todos nós sabemos não é fácil. Quanto à banda, ainda há alguns objetivos que eu gostaria de realizar junto com meus companheiros atuais. Vamos ver se a gente consegue a única certeza como a própria vida, é que tudo um dia acaba, assim sendo um dia a Patrulha vai ter que se recolher ao hangar em definitivo, até lá, vamos seguindo a Missão. Quando, veja bem, quando eu tiver mais, mas bem mais que 50 anos, não seria má idéia seguir o exemplo do John Lord, até lá vou continuar tocando rock como seu eu tivesse começando, com muito tesão e amor a camisa.

(N.A): Júnior completou 51 anos dia 13 de Abril. Outra: Há noticias recentes de que John Lord se aposentou da aposentadoria e montou uma banda que vem se apresentando na Inglaterra.

8 – (Estética)
O figurino e cenários dos shows da Patrulha do Espaço são basicamente formados por elementos típicos dos anos 70, como batas indianas e incensos. Isso é proposital? Você não acha que tal atitude pode, por exemplo, afugentar a galera com menos de 30 anos, que é a galera que no fundo compra discos e frequenta shows? Não acha que isso pode, de repente cheirar como coisa velha, ultrapassada? Não diria usar roupas pretas, mas não seria o caso de soar menos “setentista” e procurar estar mais de acordo com o gosto da “molecada” e por aí tentar trazer novas gerações de encontro á banda?

Rolando: Nós já trazemos uma molecada forte nos shows da banda, agora a gente é o que é, toca o que gosta e faz o que acredita, nessa altura do campeonato acho que não é o momento de abdicar a isso, em prol do que? Alguém tem que fazer o que acredita nesta merda, senão do que vale estar vivo, do que vale o dom divino da música?

9 – (Letras)
Com relação ás letras: as letras de metal falam basicamente de bruxas, dragões etc., as de progressivo em coisas etéreas. Atualmente as letras da Patrulha estão dentro desse último caso em sua maior parte. Letras com conteúdo mais forte como existiram em músicas como “Robot”, “Bomba”, “Serial Killer” e outras parecem não fazer mais parte do vocabulário da Patrulha. Cutucando um pouco mais: não seria o caso de colocar umas letras com conteúdo mais próximo das músicas que eu citei e talvez amealhar as pessoas que estão meio sem opção quando desejam letras mais fortes, que só existem atualmente em coisas como Hardcore e Rap?

Rolando: O trabalho novo “Missão na Área 13” está com letras mais coesas dentro do que foi a inspiração do disco, muita estrada em canções como “Vou rolar”, “Rock com Roll” e “One Nighter”, sentimentos de paixão, amor e tesão em “Tão perto tão distante” “Quando a paixão te alcançar”, questionamento humano em “Phrãna” e “Trampolim” e até o conteúdo mais forte em “Universo Conspirante” Ademais, nós continuamos tocando “Robot”, etc. Este lance de letras cresceu muito e tende a crescer mais, se a gente gravar outro disco no futuro com certeza vamos chegar bem perto do objetivo de ter boas canções com letras matadoras.

10 – (Fama)
Os anos 80 foram um momento bom para a Patrulha do Espaço, com a abertura do show do Van Halen, em 83. É verdade que quando a Patrulha entrou muita gente pensou que era o a banda? Outra coisa sobre isso é uma história rola por aí dando conta que a banda foi convidada para participar do primeiro Rock in Rio e que você teria mandado o Roberto Medina andar. Isso é verdade? Outra coisa é o fato de você ser considerado pela maioria das pessoas, ao menos dentro do meio roqueiro, como um dos maiores senão o maior baterista do Brasil e nem por isso ser famoso. O que você pensa sobre o assunto “Fama”?

Rolando: Esse lance do Rock’n’Rio é história, você acha que alguém em sã consciência iria mandar o Medina andar? Por favor! Quanto ao Van Halen, sim, muitos “entendidos” pensaram que a Patrulha era o Van Halen, é o cúmulo! Bom, eu me achava famoso, aliás, aqui no bairro todo mundo me conhece, esse negócio de fama é relativo, eu estou na estrada há muitos anos, já fiz coisas que quando comecei a tocar eu nem sonhava que um dia iria acontecer, o que sempre me preocupou foi ser reconhecido como um bom baterista pelos bons bateristas e isso se realizou e para mim é o mais importante. É tipo assim, eu não sou tão conhecido ou famoso como o Charles Gavin do Titãs, ou o João Barone dos Paralamas, como eles são pelo público deles e pelo grande público televisivo e radiofônico, porém o Charles e o Barone sabem de mim e quem eu sou e o que eu represento, assim como outra porrada de grandes bateras aqui no Brasil e na Argentina, para mim isso é o mais importante, isso é, os fãs da Patrulha.

11 – (Pessoal)
Você teve paralisia infantil e levou vários tiros, parece que num assalto. Como essas coisas afetaram sua vida? Acha, por exemplo, a questão da paralisia pode ter sido um diferencial na sua maneira de tocar, algo como o chamado “Fator de Superação?”.

Rolando: Eu tive pólio aos dois anos de idade, então eu não me lembro o que é viver sem uma limitação física, mas isso não me impediu de fazer absolutamente nada na minha vida.

12 – (Covers)
Uma coisa muito discutida e atacada por todas as bandas mais antigas é a questão das bandas cover tirarem espaço das bandas que compõem e executam seu próprio trabalho. O que você pensa sobre isso? Você não acha que isso pode ser um pouco de preconceito? De qualquer forma, isso não estaria dando oportunidade à principalmente músicos mais novos?

Rolando: Todo mundo quando começa a tocar, toca música dos outros, nada mais natural e normal daí a gozar com o pau dos outros é foda, virou palhaçada, Queen Cover, o autentico U2 cover, pára com isso! Banda cover sempre vai existir, o problema que rolou e rola é a ditadura desse estilo num circuito como o de bares, fora o fato de que a maioria dos caras que tocam nestas bandas não vivem só da música, é uma putaria, você não vê médico, advogado ou arquiteto trabalhando sem diploma e sem passar por exames dos seus pares, aqui é a casa da mãe Joana em grande parte pela falta de mobilização política dos profissionais e por esta Ordem do Músicos do Brasil de merda que não serve para porra nenhuma.

13 – (Arnaldo)
A Patrulha do Espaço nasceu como a banda do Arnaldo Baptista. Porque algo que na época tinha tudo para ser um grande trabalho, acabou tão rápido? Qual foi a verdadeira razão da saída dele, já que muita gente acha que aquela história de “incompatibilidade musical” não cola muito? Aliás, vocês ainda se falam?

Rolando: Acabou por que tinha que acabar naquele momento, mesmo assim para mim foi e é um grande trabalho, infelizmente nós nos falamos muito esporadicamente.

14 – (Rock Nacional)
Como Rolando Castello Júnior enxerga o atual panorama do Rock Nacional e de bandas como CPM22, Charlie Brown Jr, Pitty etc.? Acha que o que eles fazem é Rock?

Rolando: É o momento deles, é o rock do panorama atual deles o único que posso dizer é que essa galera acredita no que faz, assim como eu acredito no que faço, apesar de diferente, tudo é rock.

15 – (Missão na Área 13)
Fale sobre o novo trabalho da Patrulha do Espaço. O que podemos esperar dele musicalmente? O último disco, “.ComPactO”, tem algumas inovações gráficas interessantes como o tamanho e o formato da capa. Podemos esperar algo assim para o próximo disco?

Rolando: A inovação deste disco é a coesão das músicas e da banda e da gravação. É o melhor disco dos três dessa formação até agora, pelo menos.

16 – (Dudu Chermont)
De todos os músicos que tocaram na Patrulha, o que mais tempo ficou foi o Dudu. Porque ele saiu da banda e foi tocar no Made? Outra coisa, ele teve alguns problemas de saúde, se afastou da música e depois de algum tempo, mesmo ainda um pouco doente começou inclusive fazer participações em shows de vocês. Em algum momento você cogitou chamá-lo de volta?

Rolando: Com certeza a gente pensava em convidar o Dudu para participar de um disco ao vivo da Patrulha, assim como levá-lo para tocar conosco em shows mais significativos para a banda e ele, mas tudo isso já era.

17 – (Percy Weiss)
As fases da banda com Percy Weiss foram muito boas, sendo que muita gente se recente da presença dele na Patrulha. Recentemente ele retornou a São Paulo e á música, tendo inclusive feito uma apresentação no show do Centro Cultural o ano passado (2003), junto com o Dudu. Existe alguma possibilidade dele voltar á frente dos vocais da Patrulha?

Rolando: Sinceramente nestes últimos cinco longos anos que voltamos a tocar com a Patrulha e com essa formação, nunca ninguém me falou isso. O Percy é um grande cantor e velho amigo, mas na atual conjuntura essa possibilidade não existe.

18 – (Rock)
O que é Rock para Rolando Castello Júnior? O que seria Rolando Castello Júnior se não fosse o Rock? Caso não fosse baterista de Rock, o que teria sido?

Rolando: O rock e a música são a minha vida. Se eu não fosse baterista seria guitarrista. Caso não fosse músico, gostaria de ser escritor, fotógrafo, artista plástico, astronauta, historiador, qualquer coisa dessas eu seria feliz, agora se eu não tivesse o dom para nada disso e pudesse escolher outro dom, gostaria de trabalhar com a terra.

19 – (Argentina e México)
O que é tocar Rock e viver em países como Argentina e México? Fale sobre as bandas Aeroblus e El Tri, nas quais você tocou nesses países.

Rolando: Tocar no México foi minha grande escola, minha universidade digamos assim, dentro do rock, toquei e participei de um momento histórico do rock mexicano de 1970 a 1973. Quando toquei com El Tri eles se chamavam ainda de “Three Soul in My Mind” e foi um sonho realizado ainda que breve. Tocar na Argentina foi o melhor e o pior, e melhor por que o Aeroblus foi outro sonho realizado e era um super grupo no seu momento, tocar com Pappo e Alejandro Medina, gravar lá um disco que até hoje é adorado por músicos e roqueiros foi o máximo do tesão. Porém o ano que passei em Buenos Aires, 1977, foi um dos anos mais sangrentos da repressão militar, em verdadeiro pesadelo o que corrobora que todo sonho tem seu preço.

20 – (Inox)
Fale sobre a banda Inox, que tinha um repertório bem pesado e que durou apenas um disco, não? Como começou e porque acabou?

Rolando: O Inox foi um grande fiasco, bons músicos, gravadora grande, equipamentos, empresários, a banda teve tudo e não teve nada. Faltou estrada, ao menos rolou boa música e um bom disco.

21 – (Banda)
A Patrulha do Espaço é a banda de Rolando Castello Júnior? A banda é uma democracia, onde todos têm opiniões respeitadas ou é você quem determina tudo?

Rolando: A Patrulha hoje é minha banda, do Marcelo, do Rodrigo, do Tigueis e de quem trabalha com a gente há mais de 3 anos. É uma democracia para os objetivos maiores, já para a administração do dia a dia, dos negócios da banda, eu gozo da confiança irrestrita dos meus companheiros, não por que eu queria, mas por que não tem ninguém para fazer.

22 – (Religião)
Você é sempre visto se benzendo antes das refeições. Isso significa que você é um homem religioso? Acredita em Deus? O Made cantou: “Deus Salva e o Rock Alivia”, Raul Seixas, que “O Diabo é o Pai do Rock”. E você?

Rolando: Eu me benzo antes das refeições por que já passei fome em algum momento e aprendi a agradecer o prato de comida que sustenta o meu corpo.

23 – (Amigos)
Você tocou com Andreas Kisser, do Sepultura e com o Fernando Deluqui, do RPM, além dos vários músicos que, em épocas diferentes, passaram pela Patrulha. Eles são seus amigos? Falando em amigos, em mais de trinta anos de estrada, você deve ter muitos amigos no meio roqueiro. Quem são hoje seus amigos?

Rolando: Amigo é uma palavra muito forte, digamos que eu conheça muita gente no show bussiness e no Rock’n’Roll e seja também conhecido. Como não saio muito mais nas baladas, não cruzo muito a galera, então meu melhor amigo é a minha mulher Claudia. Tenho também alguns bons e velhos amigos que vejo de vez em quando por que a maioria dos meus amigos, por serem músicos, estamos sempre trabalhando e não há muita oportunidade de nos cruzarmos. E quando estou na estrada meus melhores amigos é a galera da banda.

24 – (Legado)
O que imagina que deixará de legado, de herança, enfim, todos têm um papel na vida a cumprir. Qual acredita que é o seu? Acha que o cumpriu?

Rolando: Me lembro bem, que na ocasião dessa entrevista, no momento em que eu estava cumprindo 50 anos de idade, e estávamos no apogeu criativo daquela formação da banda com o disco Missão na Área 13, e toda a expectativa positiva em relação a esse disco, com o lançamento e respectiva tour, meu ânimo e esperança estavam nas alturas e realmente não via com bons olhos a pergunta sobre o tal do legado, não me parecia pertinente falar sobre isso em um momento que eu erroneamente achava que só seria de ascensão e de um futuro luminoso e glorioso com aquela formação e momento da Patrulha.
Como dizem, quanto mais se sobe, maior é a queda.
Na verdade esse disco que deveria ser a redenção de um trabalho que já levava seis anos, foi o canto do cisne dessa formação da Patrulha.
Em um primeiro momento fiquei até feliz por tudo acabar, pois ninguém sabe o quão difícil é ter que ser líder ou comandar uma organização, como o é uma banda de rock, é uma responsabilidade tremenda e terrível, a pessoa têm que tomar decisões, nem sempre bem quistas e nem sempre acertadas, mas esse é o papel do líder, papel esse que acaba até te isolando dos demais, é um trabalho dos mais desagraçados e solitários.
Mas também como dizem por aí, alguém têm que fazer o trabalho sujo.
Já em um segundo momento, me vi tendo que recomeçar tudo novamente do zero, fiquei tão injuriado com a banda, que mudei de cidade, me separei, vendi o bus da banda e por uns tempos me isolei como um ermitão no interior de São Paulo.
Mas o que isso tem a ver com o legado?
Absolutamente tudo, porque para se deixar um legado é necessário em primeiro lugar construir esse legado, em meu caso enquanto estava escrevendo a história, ou construindo meu legado, subi aos píncaros da glória e desci até as profundezas do inferno.
Fazer rock no Brasil, nunca foi fácil – não confundir rock com pop – tenho 47 anos de música e 45 anos de estrada profissionalmente, tive o privilégio de tocar com os melhores do México, Brasil e Argentina, foi muita sorte, caminhei ao lado de gigantes.
Nunca pensei em nenhum momento que por causa de minha poliomielite eu não pudesse tocar bateria, se eu tivesse pensado talvez nunca houvesse tocado bateria.
Realizei absolutamente todos os meus sonhos, de tocar com que toquei e nos lugares que toquei e haver podido conhecer cidades e países, conhecer gente interessante e inteligente e ter tido as mulheres mais lindas do pedaço, e ter feito amizades que viraram irmandades, foram com certeza milhares de shows, milhares de quilômetros rodados e voados, e milhares de horas em estúdios de ensaio e de gravação e tudo valeu a pena.
Sim já sei que sou um duro, nunca tive cabeça para ganhar e guardar a grana, mesmo porque nunca ganhei milhões, como a galera dos anos 80. Nos anos 60 e 70 se você conseguia pagar o aluguel, comprar equipamento, manter a banda na estrada e comer já estava ótimo. Nos anos 80 nos paramos quando todos começaram a fazer um rockinho e não rock e a encher os bolsos de grana, tenho certeza de que jamais iríamos querer ir fazer um playback no Chacrinha, sempre fomos assim, se há sistema somos contra.
Portanto com uma atitude dessas, sempre estivemos e ainda estamos fora de todos e qualquer esquema, nosso esquema ainda é o anacrônico e fora de moda, esquema de total independência, nunca fomos puxar o saco ou babar ovo de alguém para tocar em algum lugar, ou aparecer na televisão ou um programa de rádio.
Sou de uma época em que o que o músico queria era a admiração de seus pares e não aparecer no programa do Jô, como se essa fosse a consagração máxima de sua carreira.
Então creio profundamente que na verdade, meu legado foi haver conquistado a admiração e amizade de meus pares como o Paulo Zinner, Paulão, Marinho Thomas, Charles Gavin, Ivan Busic, Ivan Scartezini, Roby Pontes e outra porrada de bateras daqui e da Argentina, assim como de grandes músicos como o Pappo, Arnaldo, Andreas Kisser, Chizzo, Don Vilanova e tantos outros que tive o privilégio de compartir um som, em algum palco ou estúdio.
Ter o reconhecimento de ser um grande batera de rock aqui a na Argentina e haver influenciado tantos bateras bons daqui e de lá, é esse o meu legado na bateria.
Meu legado na cultura nacional de rock é de que junto com meus companheiros, mostramos que era possível se gravar sem estar numa gravadora, foi nos anos 70 termos uma projeção nacional sem praticamente nunca ter aparecido na televisão ou tocado na rádio, mostramos para a galera que era possível fazer uma tour e sair do bairro e da cidade.
Meu legado junto com a Patrulha foi haver colocado 3500 pagantes em um show em Porto Alegre, foi havermos tocado em Teatros Municipais e Ginásios de Esportes, para públicos de milhares, novamente sem rádio, televisão e gravadora e depois no século XXI, excursionar exaustivamente tocando nos bares da vida, com o mesmo tesão que tocávamos nos ginásios.
Ou seja o legado da persistência, da vontade e do trabalho exaustivo, é também o legado da solidão, de tirar leite de pedra e dormir em cama de pregos, é também o legado do milagre e de Deus ser brasileiro e patrulheiro, pois ainda estamos na ativa com a Patrulha sem NUNCA havermos feito um vídeo clip na vida.
E finalmente meu legado como homem é de que nunca ninguém em nenhuma circunstância, siga meu exemplo, por que você será um cara rico em reconhecimento, ainda que limitado, rico em noitadas inesquecíveis, você terá as melhores mulheres disponíveis, conhecerá as pessoas mais interessantes do planeta, terá amigos inesquecíveis, mas pagará um preço alto, pois muito provavelmente você será um pai ausente, um marido de merda, tua vida familiar será pífia, tuas finanças serão arruinadas em inúmeras produções mal sucedidas, provavelmente você não chegará ao 60 anos como eu, e principalmente não invente de tocar rock, vá tocar forro, axé ou sertanejo e passe o mais longe possível dessas duas palavras juntas ou separadas, Rock e Brasil.
Thats my fuckin legacy.

25 – (Pirataria)
Muitos artistas combatem veementemente o MP3 e afirmam que a Internet acabou definitivamente com os direitos autorais. Outros defendem que ele difunde melhor, dá oportunidade de bandas divulgarem seu trabalho. Enfim, o que você pensa particularmente sobre o MP3 e a Internet de uma forma geral?

Rolando: Esse assunto do MP3 ainda tenho que pensar mais no assunto, mas sem dúvida é um assunto bem delicado no que se refere a direitos autorais e venda da música via cd, acaba virando outra forma de pirataria. Quanto a Internet eu acho o máximo da mão da roda para trabalhar, se informar, se comunicar, etc.

26 – (Balanço)
Em uma música do disco gravado em 79, a Patrulha do Espaço canta: “Já faz muito tempo que eu estou nessa estrada, e não pense, amigo, que eu não aprendi nada”. Isso reflete hoje sua vida? Faça um balanço rápido de sua carreira, quais foram os pontos altos e baixos dela e situe o seu momento atual, musical e pessoalmente falando.

Rolando: Como fala aquele amigo de Londres, o Rolando meio que já respondeu essa pergunta acima.
“Mas ainda assim posso disser que chega a ser hilário essa canção ser de 1979 e falar que “já faz muito tempo que estou nessa estrada” então o que disser agora 34 anos depois, poderia ser “já faz muito tempo e não consegui sair dessa estrada”.
Na verdade quando você está na musica por amor e vocação, não existem pontos altos e baixos, existe o dia a dia do musico e artista que é muito parecido com o de todo ser humano, a diferença e que a maioria da galera sabe quanto vai ganhar no fim do mês e nós não, mas por outro lado essa galera jamais vai se divertir tanto como a gente.
O que quero dizer com isso é que na verdade os tais de altos e baixos são puramente materiais, a nível artístico tanto antes como agora, o fato de estar tocando com músicos bons e ainda poder estar na estrada tocando nuns picos bons pacas e outros nem tanto, mas mantendo uma produção artística musical sempre, já é um baita lance legal.
Eu poderia desfiar aqui um rosário de coisas erradas que rolam no show business nacional, poderia falar das sacanagens e injustiças que sofremos o tempo todo, poderia falar e dar nomes aos bois de um monte de gente absolutamente sem caráter ou de gente que o grande público conhece como uns puta artistas geniais e que na vida real são um bando de babacas de primeira, poderia falar deste ou daquele que faz as falcatruas aqui, acolá e alhures, mas prefiro me calar, ao menos nesse momento e seguir no meu caminho tentando sobreviver de minha musica e de meu rock, ainda sonhando e acreditando, menos é claro do que no passado, prefiro realmente assumir o que há alguns dias atrás um amigo em Curitiba me comentou sobre uma entrevista minha em algum lugar e que eu realmente havia esquecido, ele me falou assim:
– Curti demais o que você falou quando te perguntaram qual era teu maior arrependimento.
-Ao que respondi: sim e o que foi?
-Que teu maior arrependimento foi não ter ido embora do Brasil quando ainda era jovem.
Com certo mal estar, fiquei sem entender bem o que o cara havia gostado nessa resposta, mas logo em seguida ele emendou:
– Gostei demais da pergunta seguinte, que foi: qual era teu maior orgulho?
E você respondeu que foi não ter ido embora do Brasil quando era mais jovem.
É isso aí, obrigado Flavio Jacobsen por me lembrar de mim mesmo, às vezes a gente perde o rumo e nem se lembra mais o porquê das coisas.
E já que ainda estamos por aqui no brasilzinho esquecido por Deus e pelo rock, exceto quando vêm os gringos velhos, continuamos por aqui amando a bateria, os amigos que restaram, a estrada, o rock and roll e sabendo que já é tarde demais para voltar atrás, que queimamos a ponte que nos trouxe até aqui nesses 45 anos de estrada e não há mais como voltar atrás, o lance é seguir em frente, de preferência com a cabeça erguida, com a consciência limpa e com o sentimento de dever cumprido e quer saber mais, foda-se o resto.

27 – (Final)
Qual é a pergunta que não quer calar?

Rolando: Isso você é quem deveria saber e ser mais direto, mas no caso desta entrevista seria: “Ô Barata, por que você não fez esta entrevista com um gravador, porra???”

Na entrevista realizada dez anos antes, Rolando deixou de responder duas perguntas, a 24 e a 26, e o fez para a edição do livro, em Maio de 2013: “…não respondi a duas perguntas formuladas pelo Barata, ou como eu gostava de chamá-lo em nossas viagens, o Pero Vaz de Caminha do Rock, como a vida é cheia de mistérios e dengos, vejo que mais que nunca essas perguntas não respondidas têm uma pertinência fabulosa, ainda mais porque somam-se a elas dez anos mais de minha vida e da Patrulha, então creio que esse é um momento mais do que apropriado de respondê-las.”

Nesta publicação foram incorporadas à entrevista original.

Atualização: Percy Weiss faleceu em 2015. Apesar de algumas apresentações conjuntas, nunca mais fizeram parte da formação oficial da Patrulha do Espaço, que segue ainda por aí, fazendo shows.

BC, 23/02/2024

Do Livro:
Patrulha do Espaço no Planeta Rock
Barata Cichetto
Prefácio: Rolando Castello Jr.
Gênero:  Ensaios/Crônicas
Ano: 2024
Edição:
Editora: BarataVerso
Páginas: 206
Tamanho: 16 × 23 × 1,20 cm
Peso: 0,400

Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador

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