Atualizado em 08/10/2024 as 14:27:30
SINOPSE:
Um estrondoso trovão em segundos preencheu meus ouvidos, coloquei minhas mãos na cabeça e atirei-me no chão, fragmentos de tijolos e poeira voavam por cima do meu corpo, perto de mim gritos de pessoas a correr pelas ruas, labaredas de fogo entravam pelos buracos das paredes, cortinas de fumo negro cobriam as ruas e as folhas das árvores…
…Três segundos de vazio, seis segundos de vazio, nove segundos de vazio…3,6,9…
Mas o que me aconteceu? Mas onde estou?
AVALIAÇÃO
O Primeiro Pósfacio a Gente Nunca Esquece
O Silêncio das Nuvens, Luís Roxo
Preciso confessar: nunca escrevi um posfácio para qualquer livro. Prefácios foram uns dez, a maioria para livros de poesia. Agora, posfácio? Claro que entendia a intenção da coisa, mas era necessário entender exatamente como isso deveria ser feito. Foi até difícil encontrar a definição, já que o posfácio não é nada comum.
A primeira definição que encontrei foi que é uma forma de complementar a obra e enriquecer a sua interpretação, mais precisamente, “Texto de teor explicativo que, acrescentado no final de um livro (depois de sua finalização), adverte ou explica o que for conveniente.” Assim, compreendi que um posfácio é um texto extra que pode explicar algo da história, sem acrescentar nada à narrativa, aparecendo como uma nota adicional.
Mãos à obra, então!
Tinha lido uns dois ou três excertos de “O Silêncio das Nuvens” e já tinha ficado encantado com a escrita do Luís Roxo. A forma fluida com que ele escreve faz parecer que as palavras são de plástico macio, moldando-se e encaixando-se com perfeição umas às outras. Agora, com a leitura integral, minhas impressões iniciais se confirmaram.
A leitura do livro não poderia ter sido feita de forma melhor: recebi os “originais” um dia antes de uma viagem de ônibus a São Paulo, que duraria no mínimo cinco horas. Ali, eu não teria nenhuma distração. Sem avisos de email, mensagens de Whatsapp, nada. Seria apenas eu e a leitura. E enquanto os outros passageiros se entretinham com a paisagem à beira da estrada ou dormiam, “O Silêncio das Nuvens” foi minha companhia de viagem.
Já no texto inicial, intitulado “Abertura”, encontro uma narrativa que combina elementos de prosa poética com uma descrição vívida de um evento catastrófico seguido por uma experiência transcendental. A linguagem é rica e evocativa, despertando o leitor para o centro da ação e para a introspecção filosófica que se segue. Num cenário de destruição imediata, as descrições auditivas, como: “Um estrondoso trovão em segundos preencheu meus ouvidos.”, visuais: “Fragmentos de tijolos e poeira voavam por cima do meu corpo.”, e cinestésicas: “Coloquei minhas mãos na cabeça e atirei-me no chão.” criam uma sensação de urgência e perigo, colocando o leitor diretamente na experiência do narrador. Após o caos inicial, a narrativa muda abruptamente para um estado introspectivo e espiritual: “uma música de harpa tênue preenchia todos os espaços e girava rápida em círculos que se transformavam em luz azul.”, marcando uma mudança de percepção, do físico para o metafísico, levando o narrador a questionar a natureza da existência e a realidade. O texto segue com explorações filosóficas e questões de ordem existencial, interconexões com a Unidade Cósmica, sempre usando metáforas gráficas como em: “um avatar fluído de luz prateada nos mares e nos céus ao mesmo tempo formando um cubo de Metatron”. Claramente, o objetivo do autor é expandir a percepção do leitor para a destruição e transição para uma exploração filosófica da existência e consciência.
São doze os capítulos de “O Silêncio das Nuvens”, nomeados como movimentos de uma peça musical, uma sinfonia: “O Primeiro Silêncio das Nuvens”, “Segundo Silêncio…”, até o Décimo Segundo. Embora guardem uma ligação entre eles, não se desprendendo do conceito inicial, são distintamente tratados, sempre terminando com uma metáfora diferente para descrever a relação entre as nuvens e o divino. Embora cada frase tenha uma interpretação única, todas elas compartilham uma característica comum: a conexão entre o mundo natural (as nuvens) e a presença ou ação de Deus. (“Ouvi dizer que as nuvens eram os destinos de Deus”, “Ouvi dizer que as nuvens eram as lágrimas de Deus”, “Ouvi dizer que as nuvens eram as palavras de Deus”, por exemplo.)
Para não me estender mais nas observações sobre a obra, “O Silêncio das Nuvens” é um texto profundamente poético que explora temas como espiritualidade, existencialismo e a condição humana, numa linguagem rica e evocativa, repleta de metáforas e imagens vívidas que transportam o leitor para um estado meditativo e introspectivo. A meu ver, o tema central é a busca pela compreensão da existência e a conexão com o universo. A narrativa é tecida com reflexões sobre o silêncio e os sonhos: “Há nuvens que sonham encostadas aos pássaros”, e a devastação causada pela humanidade: “vazios amontoados de escombros e sangue das guerras.”
Repleto de perguntas retóricas e reflexões filosóficas, como a natureza da existência humana: “Seria a vida uma jornada espiritual eterna? Um holograma da criação divina? Uma prisão virtual para servirmos outros propósitos dos Deuses?” e autoconhecimento: “Olhar para dentro de ti e encarar o reflexo das estrelas nos lagos da tua alma.”, reflexões essas que convidam o leitor a contemplar a profundidade da vida e da consciência.
Quanto à narrativa em si, a estrutura do texto é fragmentada e não-linear, refletindo o fluxo de pensamentos do narrador. Esta técnica contribui para a sensação de introspecção e meditação.
Conclusão
“O Silêncio das Nuvens” é uma meditação poética sobre a condição humana, a espiritualidade e a devastação. Através de uma linguagem rica e evocativa, o texto convida o leitor a explorar a profundidade dos sentimentos e pensamentos sobre a vida, a guerra e o autoconhecimento. A narrativa fragmentada e as reflexões filosóficas acrescentam uma camada de complexidade que desafia o leitor a ponderar sobre sua própria existência e conexão com o universo.
Barata Cichetto, Araraquara, SP, 10/06/2024
O Silêncio das Nuvens
Luís Roxo
Poesia/Crônica
Editora Poetura, 2024
11 × 18 × 0,75 cm
84 Páginas