Acredito que todos saibam o que é arrependimento? Claro, afinal qualquer pessoa já teve vários, e por várias razões. A palavra arrependimento é de origem grega, metanoia, e significa conversão. Surge após fazermos algo que não aprovamos (ainda que tenha parecido o certo no momento) ou deixamos de tomar uma atitude quando queríamos muito. Ele pode aparecer logo após o ocorrido ou depois de percebermos as consequências das nossas ações, principalmente quando afetam outras pessoas de modo negativo. E existe também o remorso, que parece mais pavoroso, já que tem uma carga muito mais danosa a quem o sente. O arrependimento produz torpor, abatimento do ânimo, pode provocar um isolamento temporário e choro, tudo dependendo do que se viveu e da intensidade do fato. Mas, o arrependimento não leva à autodestruição e autopunição, mas sim à vontade de mudança. O arrependimento pode assim, também, ser considerado como a dor sentida por causa da dor causada. Enquanto o arrependimento gera uma autoconfissão de culpa, que pode ou não levar a pedidos de desculpas, o remorso, no entanto, gera os mesmos sentimentos iniciais de tristeza, torpor e abatimento, mas mantém o sujeito dentro do ciclo da culpa, que só é saciada quando o indivíduo desconta essa frustração nele mesmo, por meio de processos de autopunição.
Já remorso vem de remoer, ou seja, moer e moer uma coisa que nos causa culpa até que não sobrem senão farelos de nós mesmos. Então, posso afirmar que já tive muitos arrependimentos, claro, mas nunca remorsos. Sentir culpa por um ato errado, com certeza, muitas vezes, mas remoer algo até a autoaniquilação, jamais. Há quem diga que o remorso tem a ver com falta de perdão, especialmente quando usamos a ótica religiosa. Não se perdoar por algo é pior que não perdoar o alheio, é o que dizem. Mas dizem também que não perdoar o alheio é não se perdoar. Como nessa salada mista de perdão eu não entro, deixo mesmo apenas o arrependimento na bandeja, e tudo certo.
Diferentemente do remorso, em que a pessoa que o sofre não se sensibiliza verdadeiramente com o mal que possa haver causado a outros, pensando apenas no próprio bem, é capaz até de infligir a si mesmo algum tipo de castigo (como uma auto-flagelação, por exemplo) apenas para tentar se esquivar de sofrer uma punição ainda mais severa por causa do erro que cometeu (punição que pode realmente, ou não, vir a penar). O arrependido verdadeiramente percebe e se sensibiliza com as consequências ruins que seus atos causaram para outras pessoas (ou o mal que acredita haver causado a algum ser/entidade sobrenatural em que creia). Essa sensibilização à dor alheia leva o arrependido a uma tristeza verdadeira pelo dano sofrido pelos que prejudicou. E, como consequência, sempre faz o arrependido tomar uma firme decisão de não mais cometer o mesmo erro, para não mais causar mal a outros.
Mas existe algo que considero pior que remorso e arrependimento, e nem sei se existe o termo, que eu chamo de “Desarrependimento”, que nada mais é do que o arrependimento de ter se arrependido. Nele, a pessoa se arrepende de ter se arrependido, porque, embora num primeiro momento julgue que cometeu um ato que não deveria para com uma pessoa ou grupo, por se julgar precipitado, por não ter ponderado determinados aspectos, ou por ter tido deduções equivocadas de suas análises, ela volta atrás. Então, com o arrependimento em mãos, tendo ou não pedido desculpas, se retrata com atos, voltando atrás em sua decisão. Passado algum tempo, entretanto, o mesmo problema ressurge, e a conclusão de que não houve julgamento errado nem precipitado também volta à tona. A pessoa percebe que aquelas ou aquelas pessoas realmente não eram merecedoras de crédito. E aí surge a questão: como se desarrepender na prática? Punindo com a mesma pena anterior? Não seria injusto, porque deveria ser ao menos o dobro, por conta de não ter levado em conta seu primeiro julgamento, e pelo alvo do arrependimento ser realmente merecedor. Mas se isso foi tornado público, ou seja, tenha sido dito diretamente ou simplesmente por ato de reintegração ao processo original, como fica?
Então, como se resolve o desarrependimento na prática, considerando fatores sociais e religiosos? É uma situação delicada, sem dúvida, mas existem caminhos a seguir.
Primeiro, é essencial refletir profundamente sobre o que realmente mudou. Por que, num primeiro momento, houve arrependimento e, agora, a certeza de que o julgamento inicial estava certo? Antes de agir, é prudente revisitar os motivos por trás dessas mudanças de percepção. Se foi por causa de novas informações, reavaliação do caráter de quem estava envolvido, ou simplesmente um erro de julgamento inicial, essa reflexão é o primeiro passo.
E se a coisa ainda estiver nebulosa, consultar pessoas de confiança pode evitar que você cometa novos arrependimentos. Um bom conselho de um amigo, ou até uma palavra de um líder religioso, pode trazer uma nova luz ao problema. Socialmente, isso também te faz parecer alguém ponderado, que não age por impulso.
Agora, se você percebe que realmente o arrependimento foi injustificado, e aquela pessoa ou grupo não merecia a reconciliação, talvez seja hora de reavaliar o tipo de relação que você quer manter. Não precisa ser radical, punir ou retaliar, mas talvez seja melhor estabelecer limites claros e manter uma distância segura.
E se a situação foi tornada pública, o que fazer? Nessa hora, a comunicação clara é sua melhor amiga. Se precisar explicar a mudança de perspectiva, faça isso de maneira transparente, mas sem entrar em detalhes que possam reacender conflitos. Diga que, depois de refletir ou receber novas informações, reconsiderou sua posição. Essa transparência evita mal-entendidos e protege sua reputação.
Porém, se for necessário tomar alguma ação corretiva, ela deve ser justa e proporcional. O desarrependimento pode te levar a querer corrigir o curso, mas pense bem se a nova medida é adequada à luz das novas circunstâncias. Lembre-se, a justiça deve andar de mãos dadas com a misericórdia, pelo menos segundo a maioria dos ensinamentos religiosos.
Por fim, é bom lembrar que todos cometem erros, inclusive no julgamento. O desarrependimento não precisa ser visto como um fracasso, mas sim como uma chance de crescimento. Se aprender com essa situação e seguir em frente, essa pode ser a melhor resolução. A aceitação das nossas imperfeições e o desejo de melhorar são, afinal, algo que muita gente respeita.
Escrito e Publicado em 28/08/2024
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.