Atualizado em: 27/07/2024, as 07:07
Já vai longe o tempo em que acreditei serem as redes sociais uma utopia. Hoje, sou um distópico orwelliano, um rebelde contra as Diretrizes da Comunidade.
Definição de Utopia: Situação ou local idealizado; lugar onde tudo acontece de maneira perfeita ou ideal. Local ou situação ideal onde tudo é perfeito, harmônico e feliz; refere-se especialmente a um tipo de sociedade com uma situação econômica e social ideal. O que está no âmbito do irrealizável; que tende a não se realizar; quimera, sonho; fantasia.
Situações determinadas em que os indivíduos estão em estado pleno de felicidade e harmonia.
[Política] P.ext. Qualquer situação imaginativa que, remetendo ao que é ideal e priorizando a qualidade de vida, garante uma sociedade mais justa e com políticas públicas igualitárias.
https://www.dicio.com.br/utopia/
Definição de Distopia: Lugar hipotético onde se vive sob sistemas opressores, autoritários, de privação, perda ou desespero; antiutopia.
Demonstração hipotética de uma sociedade futura, definida por circunstâncias de vida intoleráveis, que busca analisar de maneira crítica as características da sociedade atual, além de ridicularizar utopias, chamando atenção para seus males.
[Literatura] Obra literária que descreve uma sociedade hipotética e autoritária.
Nunca, em tempo algum, os dois conceitos estiveram tão próximos um do outro, praticamente ocupando o mesmo espaço. Basicamente, um é o antípoda do outro. Temo acreditar que eles se complementam, ao invés de se rechaçarem. São os tempos estranhos em que vivemos que causam essa confusão. Estarei equivocado? Tomara que sim.
Mundos ou sociedades utópicas são relatados em livros desde a Antiguidade. Platão, em A República (c. 370 a.C) projeta uma sociedade tão evoluída na forma de administrar uma cidade, de maneira que há harmonia de interesses diversos, à parte dos interesses particulares, sobrepujando conflitos, resultando no bem-estar coletivo de seus habitantes. A obra o filósofo grego é até hoje objeto de estudos. Ao longo dos séculos, obras clássicas de autores como Thomas More (Utopia, 1516), Francis Bacon (Nova Atlântida, 1624), Jean Jacques Russeau (Do Contrato Social, 1762), Karl Marx (O Capital, 1848), William Morris (Notícias de Lugar Nenhum, 1890), H.G Wells (A Utopia Moderna, 1905), Arthur C. Clark (O Fim da Infância, 1953), e tantos outros, os quais, de um modo ou de outro, contribuíram para a formação intelectual da sociedade contemporânea.
Ainda no quesito das utopias, cabe destacar outras três, devidamente incluídas na Galeria da Infâmia: O Manifesto Comunista (de Karl Marx e Friedrich Engels, 1848), Mein Kampf (de Adolf Hitler, 1925), e O Pequeno Livro Vermelho (de Mao Tse-Tung, 1964).
Os autores foram lidos e obedecidos, formando algo muito semelhante a religiões organizadas, com a diferença de que se expandiram muito rápido e em tão pouco tempo, tendo, entre tantas consequências, o alto grau de destruição e mortes sem paralelo na História. Lamentavelmente, e apesar das duras lições, Marx e Mao Tse-Tung são estudados e admirados por intelectuais, artistas e formadores de opinião mundo a fora, em especial na América Latina, ao passo que os ideais do ditador nazista, apesar de proscritos no mundo inteiro, seguem vivos, porém forma obscurantista, haja visto a frequência com que seitas neonazistas são expostas e denunciadas. Não é demais deixar claro que o comunismo, o nazismo — e também o fascismo — compartilham a mesma fossa fétida, por terem mais semelhanças do que diferenças. Este escriba os abomina profundamente.
A genialidade humana que criou as utopias também é a mesma que fez surgir as distopias. Isso prova que os seres humanos foram moldando sua forma de compreender o mundo que os cerca conforme as mudanças – naturais ou não – foram se sucedendo. Imagino que esse constante processo de adaptação nunca terá um fim. Uma distopia é, segundo minha modesta opinião, uma declaração de falência de ideias antes tidas como libertadoras na essência. Essa falência é resultante do choque de interesses e da constante busca pelo poder, pouco importando o custo disso — custo material e em vidas, destaque-se –. Quando uma ideologia é posta em prática, seja no bojo de uma revolução, guerra civil, golpe de estado, ou até mesmo de uma transição, digamos, pacífica e dentro da civilidade, em algum momento será posta em dúvida, haja visto que ela jamais agradará integralmente a todos.
Mais uma vez, o choque de interesses de grupos distintos se fará notar. Vencerá a parada o grupo melhor organizado e com força suficiente para subjugar os demais. Se nos centrarmos de Napoleão Bonaparte até os líderes políticos contemporâneos, há de se concluir que o choque de ideias obedece a uma lógica comum: o grupo mais capaz lidera e/ou subjuga os demais. A rebeldia a força predominante resulta em tragédias dos mais variados graus de intensidade: guerras coloniais no século 19, Guerras Napoleônicas, a partilha da África, Revolução Russa, Primeira e Segunda Guerras Mundiais, bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, Guerra do Vietnam, Revolução Cultural Chinesa, Revolução Cubana, golpes de estado na América Latina, África e Ásia; a Guerra Fria, e toda uma série de crises e conflitos infelizmente ainda presentes no nosso tempo.
Ante o exposto, fica a pergunta: aonde quero chegar?
Certamente, não é para tratar de filosofia, tampouco de geopolítica. É para discorrer sobre a distopia mesmo. Mas, uma distopia diferente, que não mata, tampouco destrói – ao menos por enquanto. Dou a essa distopia o nome de antifeicebookismo. Simplificando: a distopia abrange outras três: anti-instagramismo, antituiterismo e antiyutubismo. Nesta matéria o antifeicebookismo representa todas as demais redes sociais em atividade, à exceção de uma ou outra, que ainda não representam algum problema, talvez por serem pouco expressivas.
Em 1949, o escritor inglês George Orwell publicou o romance distópico 1984, que conta a infeliz saga de um homem cuja vida é um zero à esquerda no sistema político no qual (sobre)vive. Seu trabalho consiste em falsificar documentos, dados, informes a todo momento, conforme as conveniências do governo. Ou seja: todas as adulterações devem beneficiar o Estado, o qual, por sua vez, se impõe por meio da propaganda como uma espécie de paraíso, governado pelo Grande Irmão, uma espécie deus, que tudo pode, tudo vê e tudo ouve. Nada acontece fora do seu controle. Em outras palavras: uma utopia.
A distopia orwelliana foi gerada na contemporaneidade do nazismo e do comunismo (inclua-se também o fascismo). Observador atento e com um senso crítico bastante aguçado, o autor simplifica sua narrativa de modo a facilitar a compreensão do estado de coisas que mudaram a geopolítica mundial, sobretudo na Europa das décadas de 1930 e 1940. George Orwell, creio, não tinha a menor intenção de se apresentar como um profeta. Todavia, as mudanças históricas ocorridas desde então apontam o grande escritor como um profeta involuntário, haja visto que estamos vivendo tempos orwellianos, com a diferença de que não temos um, mas muitos Grandes Irmãos.
Essa percepção foi ganhando tamanho e forma à medida que as redes sociais foram conquistando mais e mais pessoas, em todos os cantos do mundo. Uma dessas redes – o Facebook – é a que mais se destaca, por ter se tornado praticamente onipresente. No livro 1984, as pessoas são vigiadas pelas famigeradas teletelas, as quais funcionam tanto como televisores como filmadoras. Observe-se que Orwell nem de longe poderia imaginar que no século 21 haveria aparelho denominados i-Phone e webcam, instrumentos fundamentais para o funcionamento das redes sociais, as quais se valem de algoritmos que agem como cães farejadores com comportamento de X-9 (dedos-duros), que reportam às empresas, entre elas o Facebook, que controlam essas redes os hábitos dos usuários. Não está longe o tempo em que as Plataformas, que nada mais são que empresas gigantescas e cada vez mais influentes, inclusive nos governos, também adquirirá a capacidade de ler pensamentos. Os Big Brothers do século 21 fazem o Big Brother dos anos 1940 parecer um frei franciscano, tal é o seu poder cada vez mais crescente.
Os Big Brothers do século 21 transformam a verdade em mentira e a mentira em verdade conforme suas conveniências. A onda de fake news, tão presente em nosso cotidiano, serve a todos os tipos de interesses, sobretudo políticos e econômicos: a ordem é destruir tudo aquilo que vai de encontro ao que é considerado verdade por grupos influentes e bastante ativos nas redes sociais. Já não é tão importante o tamanho de grandeza desses grupos, e sim, a capacidade de se articularem e fazerem muito barulho. O objetivo é intimidar, patrulhar, censurar, isolar e punir todo aquele de que coloca contra uma linha de pensamento que se considera dona daquilo que entendemos como verdade absoluta.
Quando a internet se tornou uma realidade – e não mais um item de ficção científica – ingenuamente comecei a acreditar em uma utopia, na qual a humanidade enfim conquistaria tal grau de desenvolvimento que fronteiras seriam derrubadas, todas as diferenças seriam solucionadas, as ditaduras seriam extintas, enfim, a humanidade alcançaria um nível de desenvolvimento realmente libertador. Bem, não foi bem assim que aconteceu, não obstante os enormes benefícios concedidos pela internet.
É óbvio que não podemos prescindir da internet. É um bom caminho sem volta. Por outro lado, as tais redes sociais, tendo o Facebook como símbolo mais vistoso se revelam, cada vez mais, como mecanismos de controle social de grandes massas humanas são capazes de atender a interesses não apenas políticos e econômicos, mas também os obscurantistas. Os eventos relacionados a pandemia do vírus chinês provam o quanto estamos indefesos ante os ditames das redes sociais. Nunca se viu o alto grau de manipulação do pensamento, da aplicação do medo como método de submissão de populações inteiras. Os resultados já se fazem sentir.
Há quase três rompi com as redes sociais, mais como um meio de autopreservação. Apesar disso, estou ciente que sou diuturnamente monitorado pelos Grandes Irmãos, que não agem apenas nas redes sociais, mas com a vantagem que não mais entro em embates com amigos, virtuais ou não, por causa de ideias e percepções do mundo. Sou do tipo que não acompanha rebanhos. Nesse particular, não estou a mercê da Polícia do Pensamento, também chamada de Diretrizes da Comunidade, o que, de certa forma, é um alívio, desconfio que temporário.
Embora pareça prematuro pensar assim, acredito que minha distopia antifeicebookiana também esteja crescendo em outros lugares, tal é o desencanto com o Admirável Mundo Novo das redes sociais.
26/10/2021
Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.
Possui textos publicados na revista digital PI Ao Quadrado e na revista impressa Gatos & Alfaces.