Minha história com o Ciro começa ali pelo ano de 2015, quando começaram as manifestações para derrubar a inepta Dilma Rousseff da cadeira presidencial antes que ela e seus asseclas conseguissem derrubar o país para o quinto mundo.
Não. Não foi com Sonífera Ilha e nem com o Cabine C. Conheci o Ciro de suas agitações políticas, tão intensas como ele e que lamentavelmente também foram breves, quase tão breves quanto sua breve passagem por esse planeta azul que muita gente ainda insiste em tentar pintar de vermelho.
Seu ativismo anti-esquerda começou quase simultaneamente e praticamente em sintonia com aquele que Lobão fazia. Apesar disso, havia entre ambos uma espécie sensível de antagonismo velado: Lobão sempre aderiu ao couro do tubarão que ele julgava ser mais forte para tentar obter algum cargo que o tirasse da irrelevância. Ciro detestava essa ideia e se pautava pela liberdade que julgava inerente a todo artista independente.
Lobão sempre foi um aspirante ao jet-set e não se furtou a desvios de trajetória pra lá de questionáveis. Ciro personificou o underground e sua retidão.
Nessa dicotomia toda, acabei tomando contato com ele através de um grupo de Facebook criado por ele para reunir artistas que se opunham ao asqueroso esquema esquerdista de selecionar e financiar seus apaniguados.
Nessa época, Ciro liderava uma banda chamada “Nu Descendo a Escada” da qual faziam parte grandes mestres do underground paulistano como Kim Khel, Luiz Domingues e Carlinhos Machado e decidiu criar um evento multicultural com música, prosa e poesia que reuniu diversos artistas do tal grupo cujo nome, me desculpem a falha brutal, me escapa à combalida memória.
Tive a honra de participar do evento com minha banda da época, Blues Riders, e presenciar a abertura com um discurso inflamado e interpretado com fúria pelo Ciro sobre a situação política da época – a qual, não estranhamente, continua a mesma de hoje, tendo como pano de fundo um instrumental de sua banda.
Sua ira contra o sistema deplorável que ainda degrada o pouco que resta do país foi absolutamente contagiante. Impossível não sentir a total autenticidade de sua ira.
E o show? Fantástico. Um grupo formado pelos melhores entre os melhores não poderia ter resultado diferente.
Contagiados por tal energia, os Blues Riders vieram na sequência e fizeram bonito. Com duas bandas de amigos reunidas, tudo terminou numa jam session maluca e muito divertida.
Já no final do evento, tive a oportunidade de sacar do case da guitarra o meu exemplar de “Relatos da Existência Caótica” e pedir-lhe uma dedicatória – coisa que faço quando adquiro a obra de todo artista que é meu amigo.
No rescaldo da coisa toda, tive a oportunidade de conversar longamente com ele e descobrir, fascinado, as estórias que transitavam desde um Ciro que teve experiências tresloucadas com o LSD até o Ciro que, como eu, acabara de ser pai.
Posso afirmar que não havia tempo suficiente em toda a existência do universo para esgotar uma conversa com o Ciro. Sua genialidade genuinamente inquieta extrapolava qualquer limite e dali marcamos, sem data, um jantar para reunir as famílias – o qual nunca se realizou.
Acontece que essa mesma inquietude o moveu a abandonar o grupo após o evento com um lacônico “Tchau” digitado sem ponto final na página do grupo, que no fim das contas, se dispersou.
Dali em diante Ciro se isolou, compôs material novo, montou uma banda nova – muito bacana por sinal – e meio que se distanciou daqueles tempos.
Hoje, releio o impressionante “Relatos da Existência Eaótica” enquanto escuto “No Meio da Chuva Eu Grito Help” e me sinto numa viagem onírica, lisérgica e hipnótica, praticamente a descrição de uma viagem ácida típica da década de 70. Ciro tinha essa capacidade: Transformar frases em sensações.
Sua passagem em maio de 2020, em plena pandemia, acabou por revelar a hipocrisia asquerosa de uma escória fétida, uma escumalha que prima pela baixeza e pela deformidade moral cuja tentativa de salpicar de lama o legado deste grande músico, falhou – como falha tudo aquilo em que essa corja acredita.
Apesar dos covardes ataques póstumos a ele direcionados, Ciro ainda é um gigante cuja sombra incomoda os anões morais e os ineptos que o atacaram e que se transformaram em abutres após sua morte.
Ciro vive. Sempre viverá e sempre será um representante fiel de tudo aquilo que o verdadeiro underground significa.
Assim que conclui esse texto e o relia, senti uma sensação estranha e, como numa inspiração divina, lembrei-me do nome do grupo: ARTIVISMO.
Uma sensação estranha… Como recordar de algo impossível. Recordar? Não.
Obrigado, Ciro, por sussurrar no meu ouvido.
Leia, Desta Série:
Avant Premiere – Relatos de Caos: A Jornada do Livro de Ciro Pessoa (O Vídeo)
1 – O Grotesco Espetáculo dos Adoradores da Morte
2 – Rock In Poetry na Sonífera Ilha
3 – Relatos de Uma Existência Caótica: A Jornada!
4 – A Caótica Poesia em Forma de Relatos ou A Poesia Caótica Relatada: Ciro Pessoa Vive!
E Ainda Mais Sobre Ciro Pessoa:
- “O Campo Minado de Barata Cichetto“, por Ciro Pessoa
- Por Que Relançar “Troco Poesia Por Dinamite”?
- No Meio da Chuva, Ciro Pessoa Ainda Grita Help!, por Áureo Alessandri
Links Externos:
Resenha do CD Flying Chair / Flying Chair, por Luiz Domingues
Relatos da Existência Caótica
Ciro Pessoa
Poesia
2015 – Chiado Editora
154 Páginas
Sinopse do Livro:
“Durante toda sua vida Ciro Pessoa dedicou-se transversalmente à arte da poesia. Estes “Relatos da Existência Caótica” foram escritos de maneira constante nos últimos trinta anos e só agora o poeta resolveu publica-los. O livro é divido em cinco partes ou em cinco grandes poemas : O Labirinto do Sr. Eno, Ecos de Um Encantamento Distante, Manual das Mãos, Patagônia Mentalis e Os Emblemas.”
Áureo Alessandri é engenheiro, escritor e músico da banda La Societá, autor do livro “Conspiração Andron“. Um Livre Pensador.
A série sobre Ciro Pessoa se encerra de maneira a não restar nenhuma dúvida a respeito da trajetória de um artista, não apenas ímpar, mas um rebelde com causa. E essa causa se resumia, salvo equívoco meu, a ele não ser apenas mais um no horrendo e atual cenário cultural brasileiro, dentro do qual, figuras rebeldes de outros tempos, inclusive seus ex-colegas titânicos, que lutaram contra o tal Sistema e hoje vivem às custas dele, seja por uma premente necessidade de dinheiro, seja para agradar a patota descolada que vive opostamente àquilo que prega e acredita, devido ao medo terrível de serem alvo das patrulhas e dos rótulos. Apesar da maré contrária a sua memória, e pelo que aprendi até este momento, concluo que o ostracismo imposto ao Ciro, por óbvio, simplesmente não lhe cabe.
Assino embaixo, caro Genecy.
Texto relevante e digno de muita reflexão. Parabéns, Áureo!
Muito obrigado, Luiz Alberto.
Não por isso! Foi um prazer