O Admirável Mundo Novo da Idiocracia

Atualizado em: 27/07/2024, as 07:07

Assisti, há pouco tempo, ao filme Idiocracia (2006), dirigido por Mike Judge, responsável por comédias porraloucas comercialmente bem sucedidas, de consumo e descarte quase imediatos, como somente Hollywood é capaz de produzir. Questões sociológicas, ideológicas, mercadológicas e todas as ‘lógicas’ à parte, é para isso que são feitas: divertir sem ocupar o cérebro de quem as assiste, além de incentivar o consumo de pipoca e refrigerantes. Em resumo: é a lei da oferta e da procura em ação, velha como a posição de cagar. Corta!

Não vou entrar no mérito da questão em analisar Idiocracia do ponto de vista técnico; isso não vem ao caso, pois não estou tratando de cineclubismo – quem estiver a fim de assistir, o filme está disponível no You Tube. O motivo desta análise crítica é meramente comportamental. Um militar (Luke Wilson) não muito inteligente, integra, por livre e espontânea pressão, um experimento secreto que não vai adiante. Para acompanhá-lo, também nas mesmas condições, uma prostituta (Maya Rudolph). Ambos são esquecidos ‘hibernando’ dentro de uma espécie de esquifes, despertando 500 anos depois, em um mundo completamente mudado, só que para pior. Completamente confuso, o casal se depara com uma sociedade completamente entregue (imersa) num padrão social e político possivelmente não pensado por nenhum intelectual, deste ou de tempos idos. Utopia e distopia juntas. Nossos heróis, entre correrias e diálogos carregados de nonsense, acabam encontrando uma maneira de entender e viver no mundo de 2505, uma vez que não há retorno para 2006. Corta!

O filme, classificado ora como humor negro, ora como pastelão, entre outros perfis, não chega ser uma comédia rasgada. Há quem o interprete como só mais uma comédia. E há que quem veja nele uma caricatura da condição humana nos anos zero-zero e seguintes. Estou (estamos?) no segundo grupo. Acredito que já vivemos numa forma de idiocracia, embora ela não seja uma coisa nova, só que agora potencializada pelo advento da internet e, ato contínuo, das redes sociais. São muitos os sinais. Se, de um lado, os avanços tecnológicos que nos trouxeram uma hipotética sensação de liberdade e de poder plenos; de outro, esses mesmos avanços roubaram a capacidade de discernimento de uma considerável parcela da atual sociedade. Tudo acontece de forma muito rápida. A torrente de informações originadas de uma infinidade de fontes, tolhe a capacidade de análise do que chega aos milhões de computadores no mundo inteiro, a cada segundo. Não se sabe o que é joio e o que é trigo. Sabe-se que aquele factóide que a rede publicou às 8 horas da manhã, já será jornal de ontem às 8 horas da noite do mesmo dia, ao passo que a notícia realmente importante passará despercebida, ou, no máximo, ganhará um “curtir” no Facebook. Na melhor das hipóteses, será compartilhada, para ganhar dezenas, centenas, milhares de “curtir”. Por outro lado, os que lêem, analisam e comentam essas informações são os excêntricos. Eu sou (somos?) excêntrico(s). Corta!

A título de ilustração, fiz um apanhado de quatro cenas idiocráticas, que atestam que podemos fazer companhia ao singular casal do filme de Mike Judge. Senão vejamos:

Cena Idiocrática Nº. 1:

Até meados de outubro de 2009, Geisy Arruda era uma estudante universitária comum e anônima. A sorte da jovem de 19 anos mudou, quando resolveu ir à escola usando um vestido considerado muito curto. Um escândalo! Logo em um país onde a sexualidade começa já na primeira infância, portanto, presente no dia-a-dia dos brasileiros. Revoltados, os colegas mais exaltados da moça a perseguiram e encurralaram; pretendiam agredi-la fisicamente e, segundo os jornais, estuprá-la, inclusive. O Paquistão era aqui. O fato ganhou o mundo; Geisy foi expulsa da universidade e, por força do escândalo, foi readmitida. Ainda assim, ela resolveu cair fora. O mundo deu voltas, e ela a volta por cima. Hoje ganha a vida se apresentando em eventos e em programas televisivos de qualidade duvidosa. Recentemente, após uma série de cirurgias plásticas, Geisy resolveu reformar a xereca, a mesma que escapou por pouco das picas revoltadas. E assim ela segue, aproveitando seus 15 minutos de fama. O que um vestido rosa choque é capaz de fazer…

Cena Idiocrática Nº. 2:

O cinema francês é pródigo por ter atores de qualidades inquestionáveis. Entre eles está Gerard Depardieu, 64 anos bem vividos e uma carreira vívida, distribuida em uma respeitável filmografia. O ator recentemente deixou a opinião pública mundial perplexa, não por ter resolvido bater de frente com o recém eleito governo socialista de François Hollande, que pretende, entre outros atos, taxar pesadamente as pessoas que ganham mais de 1 milhão de euros anuais em até 75% de imposto de renda, mas por ter renunciado à cidadania francesa, em favor da russa(!). O Obélix latente no subconsciente do ator despertou com fúria, ao saber que teria de suar mais um pouco para abastecer os cofres públicos. Não cabe aqui discutir se as medidas do governo francês são uma barca furada ou não, pois, é um caso para economistas e analistas políticos. O que chama a atenção são as atitudes imediatistas de Depardieu. Ele, a partir de agora, é cidadão russo, sendo recebido no Kremlim por Vladimir Putin, um autocrata formado nos tempos da União Soviética, um dos regimes políticos mais repressivos da História, o qual se mantém no poder graças a manobras engendradas nos subterrâneos da política russa. Gerard Depardieu decidiu proteger seu capital ironicamente no país que o combateu por décadas, inclusive, declarando que “a Rússia é uma grande democracia”. Os russos, que são piadistas por natureza, desta vez ampliaram seu anedotário: a piada do francês.

Cena Idiocrática Nº. 3:

O Brazilian Big Brother chega a sua 13a. edição, “aperfeiçoado” e, como sempre, disposto a criar grandes polêmicas, tão inúteis quando as geradas nas versões anteriores. O BBB, na prática, é o efeito colateral da liberdade de (in)expressão e de (des)informação. Um sofisticado misto de circo e jardim zoológico de bestas humanas fica à vista do – numericamente – respeitável público, durante as 24 horas do dia, por três longos meses. Na ‘casa mais vigiada do país’ rola de tudo. Após todo um processo de alianças, romances, pegações, conchavos, traições, emoções baratas, sexo, merchandisings, frivolidades mil e provas humilhantes, o(a) vencedor(o) leva pra casa um prêmio milionário. E quem quiser ver mais, tem que pagar pra ver. E paga-se! Depois, todos passam a ser conhecidos como ex-BBBs, tentando viver da fama passageira. E, tirando o vencedor e algum(a) sortudo(a), que engrena como celebridade, voltam para o anonimato, fodidos como sempre foram. That’s the true, but hidden, reality show!

Cena Idiocrática Nº. 4:

A usina hidrelétrica de Belo Monte, situada no rio Xingu, no Estado do Pará, é um projeto surgido em 1975, durante o regime militar, num tempo em que obras ufanistas eram uma das principais características daquele período de exceção. Após uma série de mudanças no projeto, seja por razões políticas, econômicas, pressão de ambientalistas, e até obscuras, a usina saiu do papel, e já está em construção, gerando todo um caudal de protestos, bem fundamentados ou não. No entanto, quiseram os deuses que Belo Monte fosse tocada pelo “governo popular” que aí está, a reboque de um certo PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, o qual, só o tempo dirá a que veio. Mas, não entrando no mérito se a obra é necessária ou não, o que se vê em todas as mídias, inclusive a estrangeira, é o grande senso de oportunidade – tão gigantesco quanto a usina – que figuras conhecidas da mídia estão aproveitando, mais em proveito de suas imagens do que pela causa em si. A desinformação estabelece as regras, e os rostos bonitos de festejados atores globais engrossam o coro dos desinformados, através de um vídeo de 5 minutos divulgado no You Tube, produzido por um certo movimentogotadagua, que está colhendo assinaturas, no intuito de fazer parar a obra da hidrelétrica. Assistindo ao tal vídeo, percebe-se claramente a total falta de conhecimento dos 19 artistas no tema — entre eles, o veteraníssimo Ary Fontoura — e, sobretudo, da região. Pessoas públicas que são, eles têm, obviamente, o direito de expressar seus pontos de vista, mas não da forma canhestra e tão ridícula, que o manifesto virou motivo de chacota na web. Os índios, os ribeirinhos e os peixinhos bem que merecem ser melhor representados.

Conclusão:

O milico e a puta do filme, se tivessem a oportunidade de voltar aos nossos dias, certamente, dariam um jeito de retornar rapidinho para 2505, pois, a idiocracia praticada ao sul do Equador seria demais para eles.

Texto publicado na 2ª edição da revista digital “Pi2 (Politicamente Incorreto Ao Quadrado)“, Fevereiro 2013.

Idiocracy

Estados Unidos
Terra de Idiotas (PRT)
Idiocracia (BRA)
2006 – 84 min
Direção, Produção e Roteiro: Mike Judge
Produção: Elysa Koplovitz, Michael Nelson, Etan Cohen
Companhia Produtora: Judgemental Films
Distribuição: 20th Century Fox
Lançamento: 1 de Setembro de 2006

Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.
Possui textos publicados na revista digital PI Ao Quadrado e na revista impressa Gatos & Alfaces.

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