Atualizado em: 07/11/2024, as 01:11
Recentemente me deparei com a notícia da penhora de R$ 390 mil de créditos decorrentes de direitos autorais do cantor Paulo Ricardo para pagamento de um processo em que ele foi condenado na Justiça do Trabalho.
Na defesa do ex-RPM, seu advogado afirma que “o crédito autoral é impenhorável. O bloqueio é errado e injustificável porque afeta a subsistência dele e da família, principalmente durante a pandemia, pois não há mais shows. Se tornou a única fonte de recursos”.
Até este momento o juiz do processo ainda não se decidiu quanto ao cancelamento da penhora pleiteado pela defesa do cantor.
Mas, afinal, o crédito decorrente do Direito Autoral é penhorável ou não?
Em primeiro lugar, acho de suma importância relembrarmos que o Direito Autoral do autor possui duas dimensões, isto é, MORAL e PATRIMONIAL.
A dimensão moral, também conhecida como Direito Moral, prevista no artigo 24 da Lei dos Direitos Autorais (Lei 9610/98), corresponde àquele direito personalíssimo que como tal se reveste das características de inalienabilidade e irrenunciabilidade.
Vejamos o que diz o texto legal:
“Art. 24. São direitos morais do autor:
I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III – o de conservar a obra inédita;
IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.”
Reforçando, o Direito Moral possui caráter personalíssimo e é inalienável.
A outra dimensão é a patrimonial, conhecida como Direito Patrimonial, que, como todo bem, pode ser negociado das mais diversas formas, e é justamente essa última que destacaremos em nossa matéria.
Os Direitos Patrimoniais do autor da obra são assegurados no art. 5º, inciso XXVII, da nossa Constituição Federal e previstos no artigo 28 da Lei dos Direitos Autorais (Lei 9610/98).
Assim, fica garantido ao autor da obra o direito de explorar economicamente sua criação intelectual, através da publicação, utilização ou reprodução.
Vejamos o que diz o texto legal:
“Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.”
Resumindo, o Direito Patrimonial refere-se ao resultado econômico decorrente da publicação, utilização ou reprodução da obra.
Ocorre que, como também já vimos em matérias anteriores, o direito patrimonial pode ser objeto de transferência, cessão, venda, etc, diferente do Direito Moral.
Assim, retomando ao caso do artista Paulo Ricardo, temos que é plenamente possível a penhora de créditos decorrentes de seus direitos autorais.
No entanto, existem alguns limites que deverão ser respeitados neste momento, e é justamente neste ponto que se apega a defesa do cantor.
Segundo seus advogados “o bloqueio é errado e injustificável porque afeta a subsistência dele e da família, principalmente durante a pandemia, pois não há mais shows. Se tornou a única fonte de recursos”, portanto, defendem se tratar de verba impenhorável, já que se refere ao sustento do cantor e sua família.
Como já disse, embora seja plenamente possível a penhora de créditos oriundos de direito autoral, tal situação só poderá ocorrer quando demonstrado que a constrição não prejudicará as necessidades básicas, dignidade, tampouco saúde financeira do devedor, no caso o artista, para que seja garantido o princípio da dignidade humana previsto do artigo 1º, III, de nossa Constituição Federal.
Logo, para se pleitear a impenhorabilidade destas verbas, o devedor deverá comprovar de maneira robusta que necessita destas exclusivamente para manter o seu sustento ou de seus familiares e dependentes, isto é, a natureza alimentar, não possuindo outra fonte de renda, situação em que o crédito patrimonial decorrente do direito autoral terá a mesma proteção de impenhorabilidade dos salários e pensões, garantindo-se assim um dos direitos fundamentais do devedor, que é o da dignidade humana.
No entanto, nestes casos, o ônus da prova de demonstrar que o crédito patrimonial decorrente do direito autoral possui a natureza alimentar será exclusivamente do devedor.
Ademais, oportuno informar que, em alguns casos, mesmo comprovando a natureza alimentar, o juiz ainda poderá determinar a penhora de porcentagens do crédito patrimonial decorrente do direito autoral, geralmente em porcentagens nunca superior a 30% (trinta por cento), que é o que ocorre nos casos de execuções de pensões alimentícias atrasadas ou de processos trabalhistas, verbas que também possuem natureza alimentar.
Concluindo, os créditos oriundos de direito autoral são penhoráveis, no entanto, tal situação só poderá se manter quando demonstrado que a constrição não prejudicará as necessidades básicas, dignidade, tampouco saúde financeira do devedor, no caso o artista, para que seja garantido o princípio da dignidade humana previsto do artigo 1º, III, de nossa Constituição Federal.