(Este texto foi escrito e publicado como crônica em 2020. Agora em 2024, como ando fazendo vários experimentos com IA, com relação a gerar imagens e até em alguns casos, em textos mais longos e complexos, para estritamente revisão gramatical, resolvi experimentar: joguei para “ela” o texto da crônica (daquelas que escrevo com rimas dentro de frases enormes e em apenas um parágrafo), e determinei que fossem mantidos o tom, a forma e as palavras, mesmo ela insistindo que certas palavras “violavam as Diretrizes da Plataforma”. Confesso que fiquei surpreso com o resultado, já que a essência da minha crônica estava ali, a maior parte das frases foram mantidas. De fato a IA apenas reordenou frases e colocou no formato de um conto, com parágrafos divididos. Ficou muito bom. De fato não pretendo usar IAs para escrita, porque sinto que estou traindo a mim mesmo, aos meus princípios, e sim, sinto que estou traindo a humanidade, por fazer parte do treinamento para que “elas” um dia possam nos descartar. Esta é apenas uma experiência. Talvez faça mais uma ou duas — tenho ideia de fazer esse mesmo teste com algumas poesias minhas, que são escritas com métricas e rimas, em formatos com 4 estrofes de 4 versos ou coisa disso derivada —. Mas sempre antes de publicar qualquer coisa neste nível, estarei fazendo um preâmbulo como este).
Há tempos, em uma tarde abafada, conheci Deus. Não o encontrei em um templo sagrado, rodeado por luz divina ou anjos cantantes, mas atrás de uma igreja qualquer, em um lugar onde a santidade parecia ausente. Lá estava Ele, mijando nos próprios sapatos, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Fiquei perplexo, mas, consciente de que era o Todo-Poderoso quem estava diante de mim, permaneci em silêncio. Afinal, quem sou eu para questionar os atos de Deus?
Ele balançou seu pau divino, com um cuidado quase cerimonial, e o guardou sob o manto branco, tomando o devido cuidado para não macular a veste. Depois, me encarou com um olhar que misturava curiosidade e superioridade. Aquele olhar pesava sobre mim, mas, ao mesmo tempo, me dava coragem para perguntar o que todos sempre quiseram saber.
Primeiro, disfarcei minha inquietação e disse que estava ali apenas para mijar, como se isso justificasse minha presença. No entanto, não consegui conter a pergunta que borbulhava dentro de mim: “Por que matou seu filho e poupou o ladrão?” As palavras saíram rápidas, quase que por impulso, e o silêncio que se seguiu foi esmagador.
Deus balançou a cabeça como quem reprova uma criança travessa, coçou o nariz divinal e deu uma tossida forte que pareceu reverberar pelos céus. Ficou me encarando, como se tentasse decidir se eu merecia uma resposta ou apenas um castigo. O tempo parecia suspenso. Sete segundos? Sete minutos? Não sei ao certo. Tudo o que sei é que, quando esperava uma resposta, Ele simplesmente coçou a barba branca, longa e sábia, soltou um arroto que tentou disfarçar, e começou a se afastar, caminhando em direção à rua.
Não podia deixar que Ele se fosse assim, sem responder. Corri atrás Dele, desesperado para arrancar uma explicação. Quando finalmente o alcancei, já quase na rua movimentada, gritei: “Então, Deus, não vai responder minha pergunta?” Ele parou de súbito, girou sobre os calcanhares e me encarou com olhos de fúria. Sua voz, agora trovejante, ecoou pelo espaço: “Quem foi que lhe disse que eu matei alguém? O que és, afinal, ó criatura? Um ateu?”
“Sim, sou um ateu,” respondi, tentando manter a compostura diante de Sua ira. “E com que diabos, então, acha que está falando?”, Ele perguntou, sua voz tingida de incredulidade. “Com Deus”, eu disse, com firmeza. “Quem mais poderia estar mijando atrás de uma igreja a essa hora, senão o próprio Deus?” Minha resposta era uma mistura de pergunta e afirmação, e percebi que isso o irritava profundamente. Com Deus, parece, só há espaço para afirmações; perguntas afirmativas são como insultos.
Decidi ser direto. “Chega de lengalenga, quer responder à pergunta ou não, Sua Majestade?” Mas Deus, agora ainda mais zangado, com os olhos azuis marejados de raiva, respondeu com desdém: “Não quero.”
“Não quer?” Minha voz assumiu um tom triunfante. “Então é isso? Deus não sabe as respostas! Te peguei! Aliás, talvez até saiba, mas não quer responder, pois isso pegaria muito mal.” Eu não podia parar. “Sabe, Deus, há quem diga que o Senhor matou Seu filho porque Ele se tornou uma espécie de proto-comunista, e outros ainda afirmam que o ladrão andou lhe pagando rezas-propinas, bem altas. O que tem a dizer em sua defesa?”
Deus, agora visivelmente irritado, respondeu com desprezo: “Em minha defesa? Ora bolas, desde quando preciso me defender de um mortal, ainda mais um que nem em mim acredita? Ah, quer saber: leia a Bíblia. Lá está tudo escrito. Tudo o que quiser saber está lá.” E com isso, deu meia-volta e começou a se afastar, ignorando completamente o tráfego da rua.
Apressado e furioso, Deus não percebeu o caminhão carregado de cervejas que vinha em sua direção. O impacto foi brutal, e Deus foi morto na hora. Foi enterrado naquela mesma tarde, como indigente, pois não portava documentos e ninguém reivindicou Seu corpo. Nenhum jornal noticiou o ocorrido; outras mortes pareciam mais importantes naquele dia.
O motorista do caminhão, ao saber que tinha atropelado e matado Deus, enlouqueceu. Agora, vaga pelas ruas, perdido e incoerente, incapaz de falar coisa com coisa. Quanto a mim, continuo sendo ateu, mas com uma história que jamais esquecerei.
Escrito como crônica em 6/7/2020
Reescrito como conto com auxílio de IA em 28/08/2024
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.