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O Insigne

Atualizado em: 07/11/2024, as 01:11

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(Insigne: adj. notável, célebre, assinalado, destacado.)

Foi durante a campanha de um dos mais conhecidos (não se disse aqui “queridos”) políticos da região. Do alto do palanque, referindo-se ao amigo de infância e correligionário fiel e digno, apontou em sua direção, como a distingui-lo do resto do povaréu, e sapecou-lhe o epiteto “insigne cidadão”. Uma salva de palmas, e o homenageado sentiu o ego (até então tímido e pequeno, conformado à posição de ilustre anônimo em meio a tantos iguais naquela cidadezinha de sete mil habitantes) inflar, ou antes, inchar, não retornando, pelo menos não de imediato, ao tamanho original.

Aquilo foi um episódio entre milhares muito parecidos na vida do político profissional, e logo nem mais fazia parte de suas lembranças. Mas para o franzino, quase raquítico cidadão, foi algo marcado de maneira indelével em seu espirito, em sua alma. Adotou o apelido como uma extensão do próprio nome. E como a vista de cada um de seus concidadãos era capaz de vislumbrar tão somente as abstrações mais primitivas e simplórias, não demorou muito para que todos o chamassem, e se referissem a ele em conversas com terceiros, com esse acréscimo antes do prenome. Para ele, obviamente se tratava da mais subida honra. No comecinho da coisa, ainda ficava ruborizado, mas depois acostumou-se, achou natural.

Deu-se, porém, que o progresso que contagiava o resto do país parecia teimar em não dar o ar da graça por aquelas bandas. As pessoas partiam em busca de melhores condições de vida na capital ou em outras unidades da Federação onde era visível e franco o desenvolvimento. Em todas as ocasiões em que ocorriam os “surtos de arribada”, o “insigne” declarava estar também de partida, ainda que “com o coração dilacerado pela dor de deixar o torrão natal”. Sempre que era convocado a partir, junto de um determinado grupo, acabava, para surpresa geral, dando uma desculpa. Algum negócio inacabado que ninguém tinha a mais remota ideia do que poderia ser. Ou um “assunto de foro íntimo”. Nesse caso o “insigne” ficava com as faces em fogo, dando a entender que se tratava de algo bastante adiantado, embora nenhum dos conterrâneos fosse capaz de dizer o nome de alguma namorada ou coisa que o valesse.

Como era de se esperar, logo ninguém mais acreditava que um dia ele deixaria a cidade. Todos passaram a ignorar solenemente os avisos (“ameaças”?) de mudança. E porque ele ficava sempre, enquanto outros arribavam, ocorreu de modo natural mais uma mudança na maneira como ele era referido.

O insigne passou a ser mencionado, citado e apontado, embora não chamado pessoalmente, por óbvios motivos, como o “insigne ficante”.

(Texto publicado originalmente em um jornal goianiense em 4 de maio de 2012.)

Celso Moraes F., São Luís dos Montes Belos. Lecionou Literatura, Português e Redação por 17 anos, passando depois a trabalhar com Revisão Textual. É escritor, quadrinista, poeta e Livre Pensador.

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