Atualizado em 25/08/2024 as 18:55:20
Minhas palmas das mãos, de um homem casualmente branco, é tão branca, quanto às palmas das mãos dos homens casualmente pretos. E o que isso prova? Para mim mostra que as mãos das palmas demonstram a cor das almas, que são brancas como a cor da pele de muitos uns, como pretas como a de outros alguns, porque cor não é o caráter, e da humana anima mater, não é o que nos separa, mas nos une.
Bilhões de almas diferentes, ocupando corpos de faces e cores diferentes, com poucos ou muitos dentes. O que nos separa não somos nós, mas os malditos presidentes, entendentes, pretendentes a nos escravizar. Querem que achemos, quando olhamos para nossos corpos e peles, que somos melhores que os outros, que de nós diferem em aparência, beleza ou feiura. Querem nos dizer, que somos, eu e tu, melhores que o outro enquanto criatura. Que somos maiores em estatura, que daríamos uma melhor escultura. Mas eles caçoam de nossa estrutura, cospem na nossa cultura, e a assim segue na sua porca Ditadura.
Nos separam por cor de pele, por classe social e preferência sexual. Falam que temos que ser inimigos porque o A é inimigo do B e o 1 não pode ser companheiro do 2. Lembra do tempo em que a gente batia no peito, celebrando o que tinha feito, e não era suspeito, por ser um bom sujeito, e tinha respeito, ao amigo e ao inimigo, ao pai e ao mendigo? Então recorda agora o que eu digo, porque corro perigo de ser mandado ao abrigo, sem que ninguém vá comigo.
Lembra do seu colega do futebol, o negão de dois metros que era banguelo? Não, não podes mais com ele brincar. Lembra da sua amiga, aquela que era gorda, e era tão desengonçada que fazia a turma sorrir? Não. A magrela da esquina? O narigudo da oficina? E que tal lembrar do comunista que achava que até Cheguevara era fascista? Esse era seu amigo, e tomavam cerveja e comiam torresmo juntos, né? Ah, mas tinha o Mané, que antes de se tornar sinônimo de perder, era o que tinha tinhas pernas tortas e batia no futebol e era colocador de portas… Esse não pode mais falar não, que ele era petista, e com petista, esse falso comunista, não se pode não. Tinha o dentista de dente podre, tinha o açougueiro de arma no coldre, e tinha tanta gente que era brother, parceiro, amigo, ou apenas colega, que a gente tinha, que parecia que todo mundo era de casa. A gente comia espeto na brasa e frango sem asa, e bebia cerveja quente e cachaça de Prudente. E gozava de tudo o que podia. Ria, e como a gente ria, daquilo que não devia. Falava mal do Presidente, do Governador, do Senador, e até mesmo do Ditador, porque a gente era da gente, e com a gente ninguém podia. A gente falava da vizinha que dava para o bairro inteiro, comemorava a derrota do parmera, do coríntia e no fim bebia juntos até cair no canteiro.
A gente era junto, e até fumava um baseado sem pensar no resultado, fumava cigarro até no restaurante, e ninguém achava que a gente era um delirante. Compartilhava revista de mulher pelada, e nem queria saber se tinha estrela vermelha ou bandeira brasileira na camiseta do artista, que dava entrevista sem erguer bandeira socialista. Lembrava que a gente gostava de artista não pela hipocrisia, mas pela arte que fazia? É… A gente até compartilhava poesia. A gente era um bando de merdas, como ainda somos. A gente era infeliz, como ainda somos. A gente era babaca, como assim somos. Mas a gente era algo que agora não mais somos, a gente tinha o que não mais temos, e a gente podia ser o que não mais podemos. E por mais que nos dissessem que não, a gente tinha Liberdade, que foi, em nome do que disseram que deveríamos ser, perdemos. Acreditamos naquilo que de fato não cremos, falamos o que não dizemos, e temos o que não fizemos. E então o que em realidade agora seremos? Se é que um dia poderemos?
Um dia até fomos, como de uma mexerica os gomos: distintos na doçura e na agrura, mas ainda partes de uma mesma fruta. Fomos como pomos e embora em nossos próprios domos, nossos casulos, mais que enxames de abelhas, mas que coletivo de ovelhas, seres pensantes, diletantes, discordantes, mas com olhos e orelhas. E agora o que somos? Meros resultados de combinações de cromossomos? Seres que rastejam aos pés de caudilhos com o sem botas? Que nos traçam as rotas, nos dão as notas, e nos dizem o que somos, o que seremos, e como devemos peidar. Que dizem como devemos rir, e se devemos gargalhar. Que se alegam no direito de nos deixar ou não pensar. Qual é a cor da sua mão direita? Qual é a cor da sua mão esquerda? Qual é cor do seu esqueleto? Qual é a dor que carrega seu peito? Pense agora sobre amigos que perdeu, sobre o pai que humilhou, sobre o vizinho que renegou, e, sobretudo o que perdeu, do brother ateu ao irmão judeu. Pense naquilo que deu que nem era seu. Mas principalmente pense que se antes éramos tantos e muitos e juntos, agora estamos perdidos, separados e enfraquecidos.
Nossos mandantes, porcos comandantes, moram em palácios, usam joias caras e comem lagosta, enquanto estamos famintos, perdidos, separados e desunidos, alvos fartos e abertos para que sua conquista seja eterna. E então já não adiantará lamentar os velhos tempos de liberdade, de humanidade e vontade, quando não importava a cor das palmas das mãos, da roupa ou da bandeira, quando haverá apenas uma cor, a da vergonha de termos nos deixado enfeitiçar, e acreditar em quem queria apenas nos transformar em uma montanha de vermes sem qualquer razão de ser, sem motivo pro que nascer. E por fim, apenas carnes ambulantes a evanescer.
Pretos de um lado e brancos do outro, homos de um lado e heteros no oposto, homens-homens de uma banda e mulheres-mulheres em outra varanda, pretos-homos em uma plataforma e homos-amarelos em outra norma, brancos do lado direito do rosto num canto e pretos do lado esquerdo da face na outra trincheira. Trabalhadores só entram uma hora, e empresários do lado de fora. Filhos tirados dos trilhos e pais perdendo seus brilhos. O bom do lado incorreto, e o certo do lado incerto. E assim nos foram tirando de nós mesmos, rasgando nossas cartas, queimando nossos ideais, nos dizendo que nossas necessidades não são reais, afirmando que tudo é relativo e nada é positivo. Quem manda é o Executivo, quem desmanda é o Legislativo, e quem de fato comanda é o Judiciário. Até deu no noticiário, que bom é o bandido, ruim o banido. Falam que todos são vítimas, e ninguém é culpado. E quando ninguém tem culpa, resta apenas a desculpa, para abrir as portas das penitenciárias e soltar prisioneiros, e em seu lugar colocar serventes de pedreiros e carpinteiros. Assim todos estão contra todos, e ninguém está contra o que e contra quem deveria. Essa é a única lógica. E se antes éramos um exército de milhões, foram nos separando em grupos, em tribos, em guetos; e dentro desses em outras facções, que se dividiram com facões, e ainda mais uma e uma divisão, até que não sobre nada mais para a cisão. Até que de nós não sobre nada além um mero ser, que para apenas sobreviver, se dividirá em pedaços, comendo de suas próprias carnes.
20/07/2024
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.