Atualizado em 27/07/2024 as 19:13:49
Imagine a cena: em algum lugar no Velho Oeste, entre florestas e montanhas, um grupo de pioneiros está cercado por índios ferozes, loucos para arrancar a maior quantidade de escalpos para aumentar suas coleções de troféus de guerra. Crianças choram – de frio, de medo e de fome –; mulheres oram e protegem as crianças como podem. Os homens, utilizando carroças como barricadas, mantém posição com seus rifles e revólveres apontados para centenas de índios, que esperam o melhor momento para pôr um ponto final nas vidas daqueles intrusos, e tomar posse de seus bens e animais, que valem muito. Após vários dias de cerco, a comida está racionada, alguns homens estão mortos ou feridos. Do outro lado, dezenas de indígenas estão também mortos e feridos, já que flechas e machadinhas não são páreo para armas de fogo. Apesar das circunstâncias, os silvícolas têm o tempo a seu favor. Dispostos a lutar até o fim pela conquista daquela Terra Prometida, os pioneiros resistem. Sabem que vão perder, mas não vão se render facilmente até que, Deus ouve, enfim, atende as suas súplicas, quando, no momento derradeiro, ouvem ao longe o som de uma corneta e dos cascos de centenas de cavalos a se aproximarem. A indiarada entra em polvorosa e se espalha, desorientada e com medo, ainda assim, determinada a defender seu território. Imediatamente, o pipocar dos tiros vai derrubando dezenas deles. Os mais valentes partem para cima da tropa do exército, lutando corpo a corpo com os militares. Ao mesmo tempo, os mais covardes fogem para a floresta. Duas horas depois, a situação se inverte. Os pioneiros estão salvos. Depois, uma expedição se dirige à aldeia para um ajuste de contas com a tribo – a chacina é inevitável –, o cacique é enforcado. The End.
Cenas semelhantes a essas se repetem ao longo da história, só mudando os personagens e os cenários: romanos X gauleses; egípcios X núbios; britânicos X zulus; soviéticos X afegãos; ingleses X vikings; portugueses X mamelucos; chineses X japoneses; judeus X árabes; astecas X espanhóis; brasileiros X paraguaios; e, claros, só para citar a atualidade, ucranianos X russos. O resultado pós-The End está (ou estará, se levarmos em conta os conflitos que estão em andamento) nos livros de história.
Tendo os cenários acima como pano de fundo, o caso é agora é tratarmos da guerra brasileiros X brasileiros: confusa, trágica e constrangedoramente ridícula. É incrível como apenas um homem foi capaz de virar o país de ponta-cabeça, transformando-o em uma espécie de feudo particular, onde a única lei que vale é a dele, não obstante existir todo um conjunto de leis escritas, sendo a maior delas, a Constituição de 1988. Esse homem é Alexandre de Moraes, atualmente o mais proeminente dos onze ministros que integram o Supremo Tribunal Federal. Moraes chegou à Suprema Corte em 2017, por indicação do presidente-tampão Michel Temer, de quem fora ministro da Justiça. Se seguidas as regras atuais, e se nenhum ‘acidente de percurso’ acontecer, o supremo ministro só deixará o cargo em 2043, quando então terá completado 75 anos.
Em apenas sete anos, o talentoso advogado tem feito o possível e o impossível objetivando submeter à sociedade brasileira às suas vontades, sob o pretexto de defender o chamado Estado Democrático de Direito e as instituições republicanas daquilo que os apoiadores do atual governo costumam chamar de extrema-direita, fascismo, golpismo, e tudo o mais que a isso se associa. O que se percebe, na prática, é que há um governo paralelo em atividade, com a anuência/conivência do governo institucional.
Obviamente, como todo déspota ao longo da história, Alexandre de Moraes não age sozinho, pois há todo um arranjo organizado para blindar o atual governo das ações de seus opositores e, o que é pior, dos questionamentos da sociedade ante a toda sorte de desmandos que até já existiam, mas que ganharam musculatura a partir da ascensão e consequente eleição de Jair Bolsonaro em 2018, graças ao desgaste dos governos do Partido dos Trabalhadores por conta dos crimes cometidos contra o país, desde que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder em 1º de janeiro de 2003. Como se sabe, o Mito era o rinoceronte na loja de cristais daquilo que é conhecido como O Sistema. Devido a isso, a ordem era: destruir Jair Bolsonaro por todos os meios legais e ilegais disponíveis. O primeiro ato desse processo foi a facada quase fatal desferida contra o então candidato à presidência da República, na cidade de Juiz de Fora, em 6 de setembro de 2018, por Adélio Bispo, um ex-militante do partido de extrema-esquerda PSOL. Até o momento, ainda não se sabe quem são os mandantes do crime. A ordem para destruir o ex-presidente da República continua de pé, só que mais ostensiva.
Corta.
À medida que o governo Lula 3, ao contrário do discurso de amor ditos aos quatro cantos durante a última campanha eleitoral, está revelando seu verdadeiro caráter: ressentido e vingativo. O senhor Nove Dedos não descansará enquanto não aplicar sua vingança contra todos aqueles que o mandaram para a prisão. Para isso, conta com o apoio de ministros do STF e de outros órgãos da Justiça, especialmente aqueles indicados por ele e a ex-presidente Dilma Roussef. Esse apoio foi ampliado em razão da indicação de seu advogado pessoal e do seu aliado de longa data – um jurista e político comunista. No entanto, é Alexandre de Moraes a grande estrela desse arranjo institucional. Coube a ele a grande tarefa persecutória contra a Direita, a qual saiu do armário por obra e graça de Jair Bolsonaro. Um dos alvos de Moraes são as plataformas de internet que abrigam toda sorte de blogues, influenciadores, jornalistas, advogados, juristas, artistas, livres-pensadores, empresários não alinhados ao atual status quo, etc. Para tanto, o ministro tem a seu dispor a Polícia Federal para “visitar” as residências das pessoas incômodas às suas ideias e as do atual governo. Não obstante os protestos de uma parte da imprensa e de entidades associadas a tal extrema-direita e às chamadas milícias digitais, Alexandre de Moraes estava se sentindo um patinho na lagoa: nada o abalava. Até que:
“Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), perguntou na madrugada deste sábado (6.abr.2024) por que o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), “exige tanta censura no Brasil”. O questionamento foi feito em uma publicação no X de 11 de janeiro, em que Moraes parabeniza o ex-ministro da Corte Ricardo Lewandowski pelo cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública.
O comentário de Musk veio na sequência de acusações de censura feitas pelo jornalista norte-americano Michael Shellenberger na 4ª feira (3.abr). Segundo Shellenberger, “o Brasil está envolvido em um caso de ampla repressão da liberdade de expressão liderada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes”. Também pelo X, o jornalista acusa as decisões de Moraes à frente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de “ameaçarem a democracia no Brasil”. Segundo Shellenberger, em 2022, o ministro pediu que a rede social interviesse em publicações de integrantes do Congresso Nacional (…).”
https://www.poder360.com.br/justica/por-que-exige-tanta-censura-no-brasil-pergunta-musk-a-moraes/
Talvez ainda seja cedo para afirmar, mas o sábado de 6 de abril de 2024 pode ser considerado o ‘Dia D’ do ministro Alexandre de Moraes, pelo simples fato de que o projeto de tutela da sociedade brasileira passou a estar sob os holofotes da mídia internacional, graças à singela pergunta do bilionário norte-americano, proprietário da plataforma X (antigo Twitter). Uma simples pergunta foi capaz de bagunçar os coretos do STF e do governo do amor. Como não poderia ser diferente, o Sistema não apenas está reagindo, mas mostrando os dentes, pois há muita coisa em jogo. Em outras palavras, sua sobrevivência encontra-se novamente em risco.
Paralelo a isso, teorias da conspiração brotam como tufos de grama. O gesto de Elon Musk criou um fantasma que está atormentando o poderoso ministro. O nome desse fantasma é Twitter Files. O arquivo está com as gavetas abertas. O melhor de tudo é que a autoridade de Alexandre de Morais não vale nos Estados Unidos da América. Xandão não tem como mandar agentes da Polícia Federal efetuar buscas e apreensão na casa do dono do X. Para alguém acostumado a mandar e desmandar até onde não deveria, isso é uma humilhação e tanto. O ministro X andão não é mais temido e odiado. Agora é alvo de chacotas.
E é aqui que estão os X da questão: Por que cargas d’água se permitiu que um ministro do Supremo Tribunal Federal acumulasse tanto poder? Por que cargas d’água os demais dez ministros da Suprema Corte não reagiram às medidas estapafúrdias tomadas pelo ministro, inclusive atropelando normas jurídicas, todas a título de defender a democracia das ações da extrema-direita? Porque cargas d’água o Senado Federal não pautou ao menos um dos cerca de 40 pedidos de impeachment pendentes de serem pautados pelo senador Rodrigo Pacheco, presidente da casa?
“O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é o principal alvo de pedidos de impeachment aos membros da Suprema Corte. Dos 77 pedidos registrados entre 2019 e 2023, Moraes é citado em 40 deles, equivalente a mais da metade.
Segundo levantamento realizado pelo jornal Estado de S. Paulo, as acusações que motivaram os pedidos contra o ministro são de condução tendenciosa de inquéritos e por ter feito declarações com suposto teor político-partidário (…)”.
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/07/5111829-alexandre-de-moraes-e-o-ministro-do-stf-com-mais-pedidos-de-impeachment.html
Voltando à cena imaginada da caravana cercada por índios, foi preciso contar com a salvação pela cavalaria. Uma cavalaria estrangeira.
VERGONHOSAMENTE, as instituições da República não se mostraram fortes o bastante para conter e punir os desmandos de um ministro do Supremo Tribunal Federal, que é pago não apenas para DEFENDER a Constituição, mas também fazê-la ser respeitada e obedecida. Na prática, o Supremo Tribunal Federal deixou de ser um tribunal constitucional para se tornar um tribunal político, escancaradamente associado ao atual governo. Igualmente VERGONHOSAS são a conivência de parte considerável dos meios de comunicação, da classe artística, de formadores de opinião, de entidades como a CNBB, OAB, entre outras ante os desmandos da Suprema Corte.
Elon Musk, o dono do X , é um empresário de sucesso que só chegou aonde chegou graças ao seu talento e sua visão empreendedora vitoriosa. Como qualquer empresário, defende seu negócio com unhas e dentes. É natural que ele busque nichos de negócios estejam onde estiverem, e o Brasil é um mercado altamente rentável. Nada mais natural investir no país, principalmente em razão de seu tamanho e da sua grande população. Como o livre mercado possui mais cérebro do que coração, o caminho natural é remover obstáculos a sua expansão. Musk vê em Alexandre de Moraes um obstáculo a ser removido. Simples Assim. Acho um tanto infantil ver o grande empresário como um libertador, mas é o que temos. A expansão dos negócios de Elon Musk no Brasil significa, sim, uma espécie de redenção.
Devido a uma série de medidas descaradamente autoritárias, principalmente contra as plataformas digitais, redes sociais, as artes e, pasmem, até a comédia. Como a história mostra, o humor é um dos alvos prediletos de ditadores, pois, como se sabe, a comédia revela verdades.
Ao contrário do que se pensa, Alexandre de Moraes não irá cair agora. Haverá um longo processo de desgaste. Obviamente, por uma questão de estratégia, sobretudo no intuito de preservar-se no cargo, o ministro agirá de forma, digamos, mais comedida. Desde a pergunta-chave de Elon Musk, percebe-se um X andão entrando na defensiva, uma vez que o Twitter Files está abrindo a tampa do esgoto, obrigando a imprensa amiga a divulgar, mesmo escolhendo as palavras, os desmandos do ministro e de seus subordinados, principalmente os atos que afrontam a Constituição.
Como todo ditador, o (ainda) todo-poderoso ministro tem atrás de si uma fila de inimigos que não para de crescer. A partir do momento em que um pedido de impeachment for enfim pautado, e Mandão for demitido do cargo, esses inimigos irão à forra. O ministro estará entregue à própria sorte. Cabe observar que Moraes não cairá sozinho, pois toda a estrutura em volta dele também ruirá.
Uma coisa que o ministro precisa entender é que a Direita voltou para ficar. E esse fenômeno acontece não apenas no Brasil, mas em várias partes do mundo, em razão do fracasso da Esquerda, não apenas como uma ideia velha, mas como uma grande decepção. É verdade que a Direita tropeça bastante devido ao longo período que esteve dentro do armário, contudo, a cada novo passo ela parece ganhar mais firmeza. Tomara eu não estar errado.
Por fim, vejo o atual momento como um pesadelo que irá passar em algum momento. Se o Brasil não aprender com os fatos que agora ocorrem, colocando a Justiça no seu devido lugar, criminalizando o ativismo judicial, garantindo a liberdade de expressão, descontaminando e protegendo as instituições do aparelhamento político-partidário e, sobretudo, punindo rigorosamente toda e qualquer pretensão ditatorial de um presidente da República, seja ele quem for; e, NÃO MAIS DEPENDERMOS DA AJUDA DE UM ESTRANGEIRO PARA RESOLVER NOSSOS PROBLEMAS, então, estaremos fracassados como povo e como nação.
Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.
Possui textos publicados na revista digital PI Ao Quadrado e na revista impressa Gatos & Alfaces.
Que texto sensacional, Genecy. Parabéns e obrigado.
Agradeço o elogio, Vinnie.
Grande abraço!
Com Elão e sem Xandão. Sei não. Mas esse povão. Nunca vai ser nada. Uma pátria desamada. Mas, veremos o desenrolar dos acontecimentos, já só nos resta o papel de espectadores. Ótimo texto.
Na qualidade de espectadores desse teatro de absurdos, vamos esperar que a cavalaria faça alguma coisa.
Obrigado pelo elogio.