Onde Está Meu Rock and Roll Agora?

Atualizado em: 27/07/2024, as 07:07

Quando eu nasci em meados da década de 1960 já existia rock and roll há pelo menos dez anos. Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Jerry Lee Lewis, Elvis Presley, Chuck Berry e tantos outros ícones, já dominavam o cenário sociocultural do Ocidente. No Brasil não foi diferente. O novo ritmo foi importado para estas terras tropicais onde o samba, o bolero, o baião e outros gêneros populares predominavam nas rádios, nas tevês e nos teatros. A forte pressão abriu caminho para inserir a música do “imperialismo norte-americano” no contexto cultural, mudando para sempre a visão dos jovens sobre o mundo que os rodeava. Rebeldia e contestação de valores eram as palavras-chaves. Obviamente, a guitarra elétrica não foi bem recebida pelo violão, pandeiro e tamborim. O instrumento intruso motivou resistências. Contudo, de um jeito ou de outro, ela conquistou o seu lugar.

Nasci em um tempo em que o rock incomodava. Era audacioso, malcriado, desafiador, irônico, romântico, sexual, militante, filosófico, político, libertador… Admita-se, pelo olhar de hoje, que o rock também era ingênuo, sonhador e – por que não? – hipócrita. Enquanto ele combatia os vícios da sociedade careta e ultrapassada, também incorporava muitos dos desvios que ele tanto combatia. Vimos isso acontecer nas décadas de 70 e 80. Mas, isso é assunto para uma outra conversa.

Adotei o rock como meu gênero musical preferido quando já era um jovem adulto, por volta de 1985, quando o Rock & Rio sacudiu o país, coincidindo com o fim do regime militar e da censura. Comecei a colecionar discos. O Pink Floyd foi a primeira banda que me conquistou, e é até hoje, segundo minha opinião, o mais formidável grupo de rock de todos os tempos. Com o passar dos anos, minha cultura musical foi se ampliando, e novos nomes foram sendo incluídos: King Crimson, The Doors, Jethro Tull, Yes, Mutantes, Moody Blues, Raul Seixas, etc. De um modo geral, o rock foi uma espécie de “universidade” das coisas da vida. Aprendi o certo e o errado pelas linhas que as circunstâncias traçavam. Equívocos (meus e dos artistas de minha admiração) foram feitos e desfeitos. Esse processo continua até hoje.

Embora já esteja chegando aos 60 anos, embora já tenha ouvido muita música nos últimos 40 anos, presumo que não ouvi nem dez por cento dos discos de rock (sem falar nos de blues, soul, r&b, funk, jazz, pop, etc.) lançados nos últimos setenta anos. Foi por falta de tudo, sobretudo de tempo, de dinheiro e de fontes de informação). Hoje, graças a internet e às plataformas de streaming, posso ter acesso a discos obscuros ou inacessíveis. Ainda me faltam o tempo e o dinheiro para adquirir os discos que seriam muito bem-vindos à minha simplória discoteca. Obviamente, os serviços de streaming servem apenas para conhecer as músicas, pois, para mim, o CD é a minha mídia favorita. Quanta coisa fantástica já ouvi nestes últimos tempo! Bandas que lançaram um, dois e três álbuns que nunca conheceram o sucesso. E, claro, bandas e artistas solos conhecidos, mas com suas obras difíceis de obter ou por serem caras demais.

Voltando ao tema rebeldia & afins, o rock me ensinou muita coisa. Melhor: o rock me ensinou a interpretar as coisas do mundo sob diferentes perspectivas, ângulos e enfoques. Evidentemente, os erros foram inevitáveis. Vi o mundo pelos olhos dos artistas. Os entendi aos trancos e barrancos. Todavia, com o avançar da idade, as coisas acabaram não acontecendo conforme planejadas; ou, até funcionaram por um tempo. Entretanto, como nada é fixo, o tempo se encarregou de colocar, como disse Sérgio Sampaio, “cada lugar na sua coisa”, se é que me entendem. E, se não entenderem, fuck you, com todo respeito.

Mas, afinal de contas, o que quero dizer com tudo que está acima escrito?
Onde está o meu rock and roll agora?

Nos anos 60 e 70, o mundo era sacudido por fenômenos e acontecimentos que exigiam atitude: conflitos raciais, desemprego, Guerra do Vietnam, Guerra Fria, corrida armamentista, armas nucleares, poluição, desemprego, ecologia, terrorismo, liberação sexual, drogas, enfim. Tudo isso dava em música. E música faz pensar. E eu aprendi a pensar ouvindo música. A pouca informação existente ajudava a entender melhor o que os artistas estavam a dizer.

Lembro de ter visto na televisão (não lembro o ano) um clipe dos Sex Pistols em que Syd Vicious interpreta um cover do hit My Way, em um teatro lotado. Ao fim da música, Syd saca um revólver e começa a atirar contra a plateia, matando várias pessoas. Em seguida, ele vai embora ouvindo gritos de terror. Evidentemente, achei aquilo um absurdo. Bem mais tarde, após conhecer a “filosofia” da banda e o significado da cultura punk, compreendi a mensagem, que se coadunava com o ódio à burguesia, bem como à família real britânica. Certamente, o clipe deu o que falar. Como se sabe, Syd Vicious morreu assassinado em um quarto de hotel. Sua banda durou pouco e, com o passar dos anos, vejo-a como uma piada de mau gosto.

Nestes tempos em que uma nova forma de censura ganha cada vez mais força, o clipe de My Way, na forma em que foi idealizado, jamais seria exibido. Na verdade, fiquei até surpreso em encontrá-lo no YouTube com suas diretrizes cada vez mais castradoras.

Como a música faz pensar – inclusive besteira – fico a imaginar se fosse eu o produtor do clipe dos Sex Pistols; quem eu colocaria na plateia de um teatro para receber as balas do meu revólver. Quem sabe eu resolveria alguns problemas, ou até evitasse o surgimento de novos… Os convidados seriam líderes políticos de primeira, segunda e terceira grandeza, nacionais e internacionais. O Extremo Oriente, o Oriente Médio, a África, a Europa e, claro, a América Latina, estariam muito bem representados. A título de exemplo, presumo que não haveria uma guerra na Ucrânia. Não haveria líderes ocidentais fracos e sem colhões, tampouco um presidente autocrata saudoso dos tempos da União Soviética, que se acha macho o bastante para ameaçar outras nações. Sabe-se, por simples dedução, que o encontro dessa turma está causando a destruição de um país e a fuga de sua população para outros países. Emendando um pouco mais, ditadores latino-americanos seriam coisa do passado, e o ressurgimento deles pelas vias eleitorais seria algo impossível. O resultado de alguns tiros certamente garantiria a vida de milhares de pessoas. Peço ao leitor que não me entenda mal. É só um pensamento, não uma intenção.

Rock é atitude. Pelo menos era. Em 1971, o ex-Beatle George Harrison, movido por um sentimento genuinamente altruísta, organizou o Concerto para Bangladesh para arrecadar fundos para beneficiar a população daquele país asiático duramente afetada pela fome, causada por guerra e por fenômenos naturais. O evento foi realizado no Madison Square Garden, em Nova York, e contou com a participação de Bob Dylan, Eric Clapton, Ravi Shankar (parceiro de Harrison na idealização e na realização do projeto), Leon Russel e o ex-Beatle Ringo Starr. O sucesso foi estrondoso. Naquele momento, mesmo aqueles que não se identificavam com o rock, ficaram cientes do sofrimento de milhões de pessoas em um país distante. Sim. A música tinha o dom de fazer pensar, e só o rock possuía a capacidade de aglutinar multidões e chamar a atenção da mídia. O Concerto para Bangladesh acabou servindo de inspiração para futuros concertos de caráter beneficente. Infelizmente, em vários casos, o sentimento altruísta foi desvirtuado, se tornando apenas um nicho de negócios.

Com o passar das décadas, o rock passou por muitas mudanças, foi perdendo protagonismo, apesar de seu enorme legado. Os ideais dos anos 60 foram deixados no tempo – envelheceram. Ainda se vê hippies velhos saudosos do Faça Amor, Não Faça Guerra andando por aí. Outros tantos movimentos surgidos nos últimos 50 anos acabaram se tornando apenas nichos, estilos e sei lá mais o que. Tem rock para todos os (des)gostos.

Estamos na terceira década do século 21, mas não cabe afirmar que o rock errou. Acredito que ele possui muitos mais acertos. As pessoas que fizeram ele acontecer desde seus primórdios na década de 1950, contribuíram muito para as transformações da sociedade, ainda que ela fosse avessa a ele. O rock não morreu e não morrerá tão cedo. Por outro lado, os nomes que lhe deram identidade(s) estão morrendo. A cada ano, nossos ídolos são cada vez menos. Estão velhos e doentes. Alguns ainda estão teimosamente na ativa, seja por medo do esquecimento ou só para ganhar algum dinheiro.

Infelizmente, alguns desses ícones optaram seguir um caminho moralmente discutível, como o ex-líder fundador do Pink Floyd, Roger Waters. O mesmo genial e genioso músico que organizou em 1990 um concerto para comemorar a queda do Muro de Berlim, é o mesmo que, 30 anos depois passa pano para líderes autoritários, enquanto acusa outros de fascistas.

Ainda se faz bom rock nos dias de hoje. Novas bandas surgem a todo momento, inclusive no Brasil. Por outro lado, cada vez mais, me convenço que o rock perdeu a coragem. Aliás, o rock não possui mais o poder de incomodar geral. Talvez ele incomode por seguimentos. O pior de tudo é que ele está se deixando dominar pela onda politicamente correta. Grandes artistas não executam músicas cujas letras não se enquadram na nova moral imposta por uma minoria barulhenta, mas organizada. O medo do cancelamento já é quase equivalente ao da morte, se bem que o cancelamento é uma forma de morte em vida. O rock de hoje é apenas só mais um gênero musical, um nicho de mercado.

Onde está o meu rock and roll agora?

Ele está no passado.

23/06/2022

Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.
Possui textos publicados na revista digital PI Ao Quadrado e na revista impressa Gatos & Alfaces.

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