“Mesmo com o coração machucado,
Escrevo, escrevo porque preciso
Preciso nutrir a minh’alma.”
— Fabiane Braga Lima
Omar estava cansado, fartamente cansado, pois fazia tempo que um sentimento devastadoramente ruim, o atingira no seu âmago mais que profundo. Não era vergonha, muito menos culpa, não eram antigas dívidas, lhe cobrando as suas contas. Era algo bem pior, era uma infâmia, um opróbrio, algo aterrador, que circundava o bem sucedido empresário nonagenário. O homem idoso e muito rico, se angustiava e debatia em si, em perdidas horas impróprias.
Naquele início de manhã outonal, Omar abriu os olhos e fixou o olhar turvo, para cima, estou vivo, disse o angustiado Omar para si mesmo. E ele sentiu uma presença perturbadora, ele ergueu a cabeça lentamente e procurou em volta algo, no amplo quarto de dormir. O homem idoso, não procurava alguém, sim algo, alguma coisa e lá estava o que tanto procurava, que estava afastada do pé da cama.
Era uma criança pequena, uma menina magérrima, de braços mirrados, lábios finos, os fundos e vazios olhos amarelos rasgados. O olhar, parecia de uma juíza severa e cruel, a condenar Omar, a uma pena longa, no pior das masmorras. A pequena menina alva, de leves vestes alabastrinas, com ares de nobreza, traços negróides, longos e lisos cabelos brancos, dentes nevados e serrados à mostra, em um sorriso tétrico, lhe davam uma aparência alienígena. A menina usava uma suntuosa bata cerimonial, intercalado com detalhes em temas africanos e a indumentária lhe cobriam do pescoço aos pés. Os delicados colares no pescoço, ricamente ornados, pareciam vir de outra realidade, de um outro plano astral.
A criança pequena sorrindo, lentamente se deslocou ao lado da cama e alcançou a cabeceira da cama, ela chacoalhava as pulseiras de marfim e foi com dificuldades que Omar percebeu que ela flutuava. Aterrado e paralisado em retrospectiva que iam a viam, Omar via a criança chegar mais e mais perto. O nonagenário, tentou fechar os olhos, não conseguiu e tentou pedir ajuda e não conseguiu. A menina, chegou bem perto e ao pé do ouvido de Omar e ela sussurrou em um idioma desconhecido, era um som alto, melodioso, metálico e cheio de ira, que não eram terrenos.
O som alto e estridente, acordou o rico empresário, apavorado Omar levou a mão direita ao lado, procurando a esposa e encontrou o vazio, pois Matilde, a companheira da vida toda, de Omar, havia falecido há décadas. Omar fechou os olhos e dormiu novamente, era um sono profundo e permeado por pesadelos atrozes, em lugares perdidos, desolados e inóspitos cenários abissais extraterrestres.
E foi assim, se passaram as manhãs de Omar, foram dias, meses e anos em um ciclo que parecia não ter fim.
Fragmento do Livro: “Em Perpétuos Ciclos”
Samuel da Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina. – Email: samueldeitajai@yahoo.com.br
Gostei da descrição que suporta uma narrativa em hélice se adensando num fantasmagórismo onírico, mas tantas vezes tão real. Boa noite, Samuel. E bem haja.