Atualizado em: 14/11/2024, as 10:11
Um dia, subitamente, Luís tem uma iluminação e entende tudo. Entre outras coisas, percebe que amar de verdade significa evitar que o objeto do seu amor sofra. Em consequência dessa lógica, ter filhos é uma prova de desamor, ou, no mínimo, de indiferença, já que significa lançar as inocentes crianças em um mundo de doenças, dores variadíssimas e todo tipo de engano, frustração, injustiça e covardia. Está namorando, já falou em noivar, comenta com a amada a sua sacada tão perfeita, a moça propõe que terminem, pois ela quer ser mãe. Mas volta cinco dias depois, com o mesmíssimo pensamento de Luís. Que estranha a súbita mudança, ela parecia tão convicta! Mas a felicidade em tê-la de volta é tanta que nem pensa mais nisso. E ao redor dele começa a ouvir outras pessoas falando sobre a mesma sacada. Novamente ele fica intrigado, mas completamente satisfeito com o aumento de pessoas que pensam como ele, então nunca mais pensa no assunto.
E mais e mais pessoas vão chegando à mesma conclusão que ele. Não só na sua cidade, mas em todo o estado, no país todo, no continente, no hemisfério… Logo todas as pessoas no planeta entendem que é uma prova de falta de amor procriar.
A geração dos que são avós e pais morre. E logo a geração dos filhos, que por sua vez não produziu prole alguma, vai morrendo. Quando a última terráquea morre, seu pensamento derradeiro é como foi possível que todas as pessoas do planeta inteiro tivessem aderido a uma linha de pensamento exatamente igual, segundo a qual não ter filhos é a única maneira de não legar a miséria da vida a alguém que seria supostamente amado. Mas não há ninguém a quem perguntar. E ela, uma senhora octogenária e solitária na mais completa acepção do termo e em nível planetário, morre com essa dúvida.
A Terra entra numa era de silêncio, no que se refere ao burburinho de pessoas. Nunca mais se ouvirá uma palavra, suspiro, ronco, assobio ou sopro saídos de uma boca humana. Mas essa era silenciosa dura pouco.
Uma gigantesca nave interestelar, que aguardou por alguns anos um pouco além da órbita do planeta, invisível aos potentes radares da NASA, pousa na superfície terrestre. Dela descem seres de aparência singular, cujo planeta foi destruído há algumas décadas. Organizadamente, começam a fazer as necessárias alterações para que possam habitar seu novo lar. Entre eles, o cientista de nome impronunciável na linguagem da extinta raça humana está orgulhoso de seu plano. Um absoluto sucesso. Plantar na mente dos antigos habitantes desse corpo celeste predominantemente azul a ideia de não proliferar, causando com isso a sua inevitável extinção. Retirado o obstáculo que eram os homo sapiens, estão bastante satisfeitos os novos moradores do lugar que de agora em diante não mais se chamará Terra.
*Um plano perfeito (em latim)
SLMB, 09/11/2024
Celso Moraes F., São Luís dos Montes Belos. Lecionou Literatura, Português e Redação por 17 anos, passando depois a trabalhar com Revisão Textual. É escritor, quadrinista, poeta e Livre Pensador.