Atualizado em: 04/06/2025, as 08:06
Durante o mês de abril, o Google disparou, zilhões de vezes ao dia, não importava o que eu estivesse vendo ou fazendo na internet, anúncios/teasers relativos a trechos do show Pink Floyd At Pompeii – MCMLXXII. Como usuário da internet para as minhas atividades profissionais e pessoais, vira e mexe, um acorde com a frase One of these days I’m going to cut you into little pieces, seguido pela poderosa bateria de Nick Mason, me tirava a concentração, me deixando às vezes puto da vida, em razão de eu precisar de algum tempo para retomar as coisas que eu estava fazendo. Sim, foi demais. A princípio, esses anúncios não eram o bastante para me fazer voltar às salas de cinema, após 16 longos anos de ausência. No entanto, a Sony Music e o Google sabiam muito bem o que queriam:
“Ah, não me venha com essa bobagem de dizer que dinheiro não compra felicidade (Ah, don’t give me that do-goody-good bullshit)”.
Ok. A Sony Music me (con)venceu. Relutantemente, e em razão dos sintomas de um forte resfriado que se avizinhava, comprei meu ingresso pela mesma internet que me bombardeara com os chamamentos para assistir ao filme. Ao mesmo tempo eu perguntava para mim mesmo: por que diabos eu me dirigiria a uma sala de cinema para ver, pela 743ª vez, um evento que traz embutido uma série de lembranças ao longo de 37 anos? Evidentemente, somariam-se ao meu esforço as melhorias técnicas do show gravado em 1971 e lançado em 1972, promovidas pelo diretor Steven Wilson em 2025. Ademais, por mera coincidência, a sessão de cinema estava agendada para 24 de abril, véspera do meu 61º aniversário, logo, Live At Pompeii serviu como um autopresente, aliás, muito bem recebido.
Como muita coisa que acontece na minha vida, certas lembranças voltam à tona, o que não foi diferente naquele 24 de abril, visto que nada é por acaso. Sem concentração para fazer mais nada, aliada a uma certa ansiedade, me vejo de volta à sala da casa de um amigo, em uma noite de sábado de 1988, após uma sessão cineclubista. Com a amizade recém estabelecida, curtíamos Pink Floyd, The Doors, Jethro Tull, Deep Purple & coisas afins; estávamos mergulhando nesse tal de rock and roll. Era o tempo das fitas VHS piratas, obtidas de forma meio que clandestina. Meu amigo me convidou para assistir Live At Pompeii. Obviamente, a qualidade das imagens (talvez a fita fosse a cópia da cópia da cópia da original) eram até razoáveis, mas o som até que era bom… para um televisor de 29 polegadas. Para quem nunca tinha visto um show do Pink Floyd, a experiência valeu muito a pena. Generoso, ele sempre me emprestava a fita quando eu pedia, embora eu morresse de medo só de pensar em danificá-la ou perdê-la.
Anos depois, possivelmente na década de 1990, Live At Pompeii foi lançado oficialmente em VHS no Brasil. É claro que comprei logo uma para mim. O tal amigo era ligado a um centro cultural administrado pela Universidade do Amazonas. Na ocasião, o tal centro estava promovendo a exibição de shows de rock de diversas tendências. Obviamente, o meu amigo sugeriu a inclusão da minha fita na programação, com direito à divulgação na pagina cultural do principal jornal da cidade, com pronta resposta do público interessado, que lotou o pequeno auditório em uma noite qualquer. Havia, inclusive, gente sentada no chão — e até crianças. Obviamente, fiquei muito contente pelo compartilhamento de um objeto que era só meu.
Mais alguns anos se passaram e, com o advento do DVD, o tal amigo me presenteou com um DVD, nos primeiros anos do século 21. Neste ano de 2025, as fitas VHS não existem mais, no entanto, guardo o DVD no meu acervo. A amizade morreu em 2018, atropelada pela polarização política que, ao que parece, veio para ficar e separar pessoas.
Finalmente, lá estava eu de volta ao cinema. Fui o primeiro a entrar. Fiquei espantado com a beleza da sala após quase 20 anos de ausência. Enorme para os padrões atuais, escolhi um lugar estratégico. Logo depois, começaram a chegar os demais espectadores, jovens e velhos, alguns usando camisetas com estampas da banda. Inevitavelmente, vieram junto as pipocas, os salgadinhos, os refrigerantes e os telefones celulares. Procurei não me aborrecer com isso. Após a exibição de alguns trailers (todos absolutamente desinteressantes), as luzes foram apagadas. Logo a seguir, o som de um batimento cardíaco saía dos possantes autofalantes, para depois as primeiras imagens do ensolarado anfiteatro romano dominarem a tela. Tudo muito familiar, mas com cara de novidade. Observo, antes da banda, os detalhes do cenário:
“O anfiteatro de Pompeia foi uma construção com capacidade para 20.000 espectadores, quantidade suficiente para acomodar toda a população da cidade romana de Pompeia e mais seus visitantes, que por sua vez, eram em número quase igual ao de seus habitantes. O anfiteatro abrigava jogos financiados por moradores evergetas da cidade que quisessem ter influência política, ou por governantes que desejassem se manter no poder. Os jogos mais comuns no anfiteatro eram as batalhas de gladiadores.
(…)
O anfiteatro foi construído em 70 a.C. (150 anos antes do Coliseu), dentro das muralhas de Pompeia, no distrito sudeste da cidade. A sua construção foi possível devido às doações de Caio Quíncio Valgo e Marco Pórcio”.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Anfiteatro_de_Pompeia
Após tantos séculos, imagino, como sempre imaginei, que a plateia do Pink Floyd é formada por fantasmas dos gladiadores que pereceram naquela arena, servindo aos desejos bestiais de governantes e do distinto público. Após a célebre (e trágica) erupção vulcânica que sepultou a cidade de Pompeia por séculos a fio, eis que ele retomou, apenas por uma vez, mas de outra maneira, a sua função de entreter o grande público, e sem a necessidade do sofrimento de homens e de animais. É certo que o grande público em 1971 estava longe daquilo tudo, já que o projeto dos organizadores, especialmente do diretor Adrian Maben, abriu mão da presença de uma plateia. A banda, então, fez algo como um show intimista, vamos dizer assim. Um show intimista visto por milhões de pessoas há mais de 50 anos.
Evidentemente que as opiniões não são (e nem poderiam ser) unânimes a respeito do show. Há quem ame e há quem odeie. Felizmente, o primeiro grupo parece ser a grande maioria, uma vez que, como já foi dito, Live At Pompeii significa o encontro com antigas lembranças, boas e más.
https://www.theguardian.com/film/2025/apr/24/pink-floyd-at-pompeii-mcmlxxii-review
Em 1971, o Pink Floyd já estava na formação mark II. Syd Barrett já havia sido demitido por conta de seus brains damages. Em seu lugar David Gilmour assumiu a guitarra. Agora, a banda dava um novo direcionamento a sua música, rotulada aqui e ali como rock espacial. De fato, o quarteto fantástico produzia música para dentro das cabeças e para fora do planeta. Aliás, o rock, especialmente o progressivo, estava em um período riquíssimo, pois todas as possibilidades, fossem qual fossem, estavam sendo testadas e postas em prática, por meio de álbuns realmente marcantes. Evidentemente, o Pink Floyd já havia lançado os seus, todos objetos de culto até nos dias que correm.
Interpreto Live At Pompeii como a celebração de uma fase. Não cabe aqui expor os motivos que inspiraram o diretor Adrian Maben em dar forma ao show, pois essas informações podem ser obtidas na internnet, de acordo com os gostos dos leitores dessa matéria
Duas coisas que chamam a atenção nessa nova montagem de Live At Pompeii, são: a) o meticuloso trabalho de restauração das imagens, fotograma por fotograma, a partir das latas contendo os negativos do filme; b) a primorosa “reforma” sonora promovida pela tecnologia i-Max, reforçando uma característica que sempre foi muito própria do Pink Floyd, haja visto toda sua discografia. Para quem ficou afastado das salas de cinema por longos 16 anos, a porrada sonora promovida pelo i-Max foi muito bem recebida. Foi como um tapa no pé do ouvido – Sim, o Pink Floyd ainda me impressiona.
Observo o comportamento dos cerca de trinta seres humanos reunidos naquela sala enorme. As primeiras notas de Echoes parte 1 não demoram a mergulhar a plateia em uma quase absoluta imersão. Vejo alguém movendo os braços, acompanhando as levadas de Nick Mason; outro, segue os riffs da guitarra de David Gimour; um outro acompanha o baixista. Quase ninguém fala. Dou um pouco mais de atenção em determinados trechos no tecladista Ricky Wright. Talvez tardiamente ele seja reconhecido como um gênio. Quem conhece a história da banda sabe que ele foi demitido da banda nos anos 80 pelo baixista. I’m sorry, Rick!
Como não poderia deixar de ser, aspectos da feitura da obra-prima The Dark Side of The Moon são mostrados a partir de takes inéditos. A banda usava e abusava da tecnologia, avançada para a época. Nestes tempos em que quase tudo é digital, aqueles instrumentos eletrônicos mais parecem saídos da Idade Média.
Embora remontado, Pink Floyd At Pompeii – MCMLXXII conserva as músicas na mesma ordem de sempre, principalmente Echoes, dividida em duas partes. O diretor Steven Wilson eliminou algumas cenas que hoje não fazem falta alguma (talvez elas tenham sido importantes em 1972), e acrescentou outras, contudo, a essência permanece inalterada.
Nesses mais de 50 anos muita coisa aconteceu com o Pink Floyd e no rock de um modo geral. A banda não existe mais, no entanto, a empresa vai bem, obrigado. O dinheiro continua entrando. David Gilmour é o maior guitarrista vivo. Richard Wright morreu em 2008, aos 65 anos, vitimado por um câncer. Nick Mason coleciona carros e continua fazendo shows. Quanto ao baixista, apesar da sua importância e da sua genialidade, é um genioso milionário bajulador de déspotas de todos os tipos. É amado por uns e detestado por muitos.
O filme se encerra com a 2ª parte de Echoes. Um gran finale que recebeu aplausos daquelas 30 testemunhas. Eu vi!
Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.
Possui textos publicados na revista digital PI Ao Quadrado e na revista impressa Gatos & Alfaces.