Atualizado em 05/06/2024 as 15:59:16
Um dia quis escrever um romance. Não terminei. Tentei outra vez. Não acabei. Tentei outra. E mais outra. Nenhuma cheguei ao fim. Nenhum orgasmo literário. Nada daquele prazer de dar o último enter no teclado depois da ultima palavra, do ultimo ponto final, do ultimo capítulo. Foram cinco as tentativas. E nenhum gozo. Só ejaculações precoces. Cheguei ao sexto. Terminei. Teve até revisão de um amigo escritor bem conhecido, sujeito que anda pela Europa e tudo mais. Um bom amigo, um grande escritor. Ele leu, releu, fez anotações. Imprimiu tudo e escreveu com caneta vermelha nos versos nas páginas as suas observações, além de anotar os erros de grafia e gramática. Mandei para uma editora. O editor queria dinheiro. Primeiro elogiou, teceu comentários ótimos e no final do email a facada. Mandei-o se foder. Desisti dos romances. Por alguns anos. Ano passado a sétima. A derradeira tentativa. Quase trezentas paginas digitadas em espaçamento simples, fonte doze. Isso daria um livrão, de mais de quinhentas páginas. Escrevi em vinte dias. Revisei em mais vinte. Em fevereiro, logo depois do Carnaval mandei para uma editora fodona. Dessas que tem serviço de imprensa organizado, que me manda email sobre os lançamentos deles todos os dias. E eu, belo idiota, às vezes até acredito que um dia receberei deles um email falando do lançamento do meu livro. Esperei. E a cada vez que toca o telefone penso que possa ser da editora com nome de emissora de televisão. Uma editora tão grande, que até comprou outras para ficar maior ainda. Quer ser única. Deve ser isso que querem. Alguém sempre quer alguma coisa. E as empresas são alguém. E querem ser mais alguém ainda. Será que eles não percebem que esse meu romance vai revolucionar as estruturas editorais? Claro que estou sendo irônico. Claro que não acredito que iria revolucionar porra nenhuma. Nem quero. O que queria mesmo era ter o prazer de ter o livro à venda numa dessas livrarias fodonas da Paulista, daquelas que tem sigla em lugar de nome, da outra que parece com raiva, coisa assim. Tem tenta livraria bacana em shopping e eu fico sonhando com aquelas meninas gostosinhas de bermudinha enfiada no rabo comprando meu livro. Ou aquele sujeito de terno e gravata comprando logo dois. Quem sabe uma dessas madames esticadas, com buceta cheirando lavanda e cheia da grana compra o livro e resolve que quer ter um amante escritor. Mudei para a terra do Ignácio. E fiquei pensando que eu poderia encontrá-lo comendo coxinha e dar a ele uma copia do meu original. E ai ele podia ser meu padrinho e ai o meu livro seria lançado na bienal. A Bienal acabou. Só daqui a dois anos, claro. Se é bienal é a cada dois anos. Fiquei sabendo de Macunaíma. Macunaíma é a obra mais superestimada da língua portuguesa. Não acho que aquilo valha tanta coisa. Tanto estudo, tanta conversa. E acontece que eu queria escrever outro romance. Aliás, tinha a ideia para mais dois. Ou três. Mas acha que vou perder meu tempo escrevendo outro romance? Nem fodendo. Aliás, fodendo é que não vou mesmo. Fico pensando aqui com a fumaça do cigarro mais barato, que depois que eu morrer esses romances vão ser publicados e valerão dinheiro bom. Meus filhos podem ficar ricos. Mas eles são comunistas e não gostam de dinheiro. Eu gosto de dinheiro. Mas vou morrer também. Todos vão morrer: os que gostam e os que não gostam de dinheiro. Os comunistas e os monarquistas. Até os artistas vão morrer. E muitos não terão dinheiro nem para o enterro. E essa conversa já foi tão longe que eu não sei voltar ao começo. Escrevi tanta coisa, fiz tanta arte que deveria estar num hospício, num cemitério. Ou numa mansão. Por que não?
20/08/2018
A Chácara Foi Comprada Por Dois Professores, e Após Sua Morte Doada à Prefeitura. Salas Com Quadros de Marx e Outros, e o Estado de Abandono São Visíveis (Foto: Barata, Janeiro 2019)
Barata Cichetto, 1958, Araraquara – SP, é poeta, escritor. Criador e Editor do Agulha.xyz e Livre Pensador.