Atualizado em: 29/12/2024, as 02:12
Ainda não li grande parte da extensa obra de Luiz Carlos Cichetto “Barata”, mas sua arte e seus pensamentos são tão intensos, honestos, consistentes, condensados, diretos e “sem rodeios” ou “enrolações”, que acredito que mesmo com essa pequena amostra e por conhecê-lo “pessoalmente” (mesmo que apenas virtualmente: por mensagens e chamadas), já posso ter mais ou menos uma ideia sobre que direção que caminha a essência de sua obra e os valores e ideais que norteiam o autor. Barata é claramente antiesquerda, mas apesar disso, ele já defendeu o movimento progressista no passado. Ele é um dos muitos que se “converteram” à direita depois de verem os resultados socialistas/comunistas na prática. Muitos direitistas da velha guarda têm vergonha de relatar esse “passado tenebroso”. Mas sinceramente, mesmo eu nascendo em 1991, consigo imaginar como seria viver sob um regime militar e crescer em famílias muito tradicionais e cristãs (e não falo isso com tom de elogio) e estar diante da época de ouro da cultura Ocidental Moderna com os Beatles, Jimi Hendrix, Fleetwood Mac, Joy Division, Queen, The Smiths, Guns N’ Roses, Nirvana, Red Hot Chili Peppers (só para citar algumas bandas preferidas minhas) e uma lista enorme de grandes filmes (que nem vou citar aqui para não me estender muito). Não tomo como referência Esquerda e Direita como uma oposição de Progressismo e Conservadorismo (pois isso leva a trocentas contradições teóricas e práticas e não passa de uma análise superficial e puramente estética baseada numa interpretação errônea da História da Humanidade e o seu desenrolar cultural, político e filosófico). A única oposição de ideais que consegue explicar historicamente e culturalmente a oposição político-cultural Esquerda vs Direita, sem entrar em contradições e ser possível abarcar todos os movimentos político-culturais de maneira consistente, é através da oposição desses dois ideais: Esquerda = Coletivismo (instinto feminino social de se submeter a um grupo ou pessoa para ser aceito ou protegido, predominante na fase infantil do ser-humano e dos mamíferos no geral) e Direita = Individualismo (instinto masculino egoísta de independência, de não se deixar se submeter a nada ou a qualquer um, de autodeterminar seus próprios valores e se auto responsabilizar por sua própria vida e ações, que é o instinto que nos faz sair do estado infantil para o adulto, a rejeição do Superego de nossos pais e de nossa tribo e a construção do nosso próprio Superego). Com essa interpretação conceitual do eixo Esquerda-Direita “alternativa” que defendo, minha interpretação do movimento cultural progressista dos anos 60 até os 90, começando simbolicamente com o Hippies e o Woodstock e terminando com a descontração (e não lacração) dos anos 90, acaba sendo bem diferente da grande maioria.
Interpreto que o movimento político-cultural progressista dos anos 60 aos 90 foi de direita e esquerda ao mesmo tempo. “O que? Que merda esse cara está falando? Que analfabeto político! Vai assistir aulas e ler livros do Olavo, seu burro!”. Já assisti muitos vídeos do Olavo de Carvalho, desde suas aulas tradicionais de Metafísica, Lógica e Filosofia Política até seus “True Outspeaks” (que eram uma espécie de radio online em forma de vídeos em que ele fazia comentários políticos, culturais e filosóficos sobre as notícias da semana). Também li várias obras suas, como o famoso “O Mínimo…”, O Jardim das Aflições, O Imbecil Coletivo, A Nova Era e a Revolução Cultural e Os Eua e a Nova Ordem Mundial (que é um debate entre ele e o Alexandre Dugin, onde fica claro que ambos são Tradicionalistas e contra tudo que veio com a Modernidade, incluindo a Globalização e o Globalismo. Mas eles diferem em suas soluções, Olavo com a reconstrução da Igreja Católica Apostólica Romana e o Ocidente retomando seu controle e expansão global e Dugin, diz a mesma coisa, mas com protagonistas invertidos, o Império Russo e a Igreja Católica Ortodoxa Russa, ideologia chamada de Neo-Eurasianismo). Aprendi muito com o Olavo, apesar de sua péssima personalidade e seu comportamento controlador (literalmente de guru) em relação aos seus seguidores. Era muito inteligente e possuía um vasto repertório cultural. Mas o que aprendi de fato com suas obras foi sua crítica e análise estrutural da Esquerda e do movimento/cultural marxista. Como era um anti-modernista e um Tradicionalista Medievalista Católico (e por um certo Islâmico, pra quem não sabe, ele criou uma tariqa sufista em São Paulo, seguindo os passos de René Guénon e Frithjof Schuon, que eram Tradicionalistas Islâmicos e os pensadores que mais influenciaram sua obra, e se tornou o líder dela, adotando o nome de Sidi Muhammad), conhecia muito o que criticava e se utilizando dos conceitos e ideais da Escolástica (principalmente Tomás de Aquino e de tabela Aristóteles), mais ou menos como Eric Voegelin fazia (é deste pensador que Olavo tira a ideia de que toda a Modernidade, incluindo o movimento marxista e parcialmente os protestantes, são um movimento gnóstico, sendo considerado por eles “gnosticismo” qualquer forma de conhecimento ou pensamento que não venha da fé ou revelação, sendo estas duas últimas a única forma válida de conhecimento).
Bom, mas porque falar de maneira tão detalhada o pensamento de Olavo de Carvalho neste texto? Citemos algumas das principais lideranças culturais da Direita brasileira atual: Guilherme Freire (católico olavista), Bernardo Küster (católico olavista), Allan dos Santos (católico olavista), Paulo Kogos (católico libertário, forte admirador do Olavo). Olavo é o principal intelectual que formou a elite cultural direitista brasileira atual, o me permite dizer porque o Barata, apesar de ser um verdadeiro defensor do individualismo e do liberalismo (aqui sendo entendido como liberdade de expressão, de pensamento, econômica e política), que são os pilares da Direita Universal, não ser nem ao menos cogitado a ser apreciado como um artista e intelectual do movimento direitista. O eixo Progressismo x Conservadorismo, atualmente o mais popular, traz a ideia de que, ser de Direita é ser Tradicionalista, querer retornar as coisas como eram antes (seja tecnologicamente, socialmente e/ou moralmente) e ser de Esquerda é rejeitar a Tradição, principalmente religiosa e institucional, que nossa sociedade desenvolveu em seus primórdios até à chegada da Modernidade. Essa abordagem puramente estética e superficial acaba criando muitos problemas teóricos e práticos. O Individualismo, claramente não está no espectro nem tradicionalista nem progressista, porque tudo vai depender do momento histórico e que tipo de progresso e que tipo de tradição está sendo superada ou defendida (tradições não são todas iguais e homogêneas, não importa a cultura, tempo ou origem). Aqui, libertários e anarcocapitalistas não teriam lugar no espectro sem entrar em contradições absurdas. Capitalismo é uma Tradição? Mas como, se os sistemas econômicos escravistas, feudalistas e mercantilistas, todos com forte intervenção estatal, cada um à sua maneira, são muito mais antigos e condizentes com as religiões tradicionais? E o individualismo? É uma ideia totalmente moderna, que apesar de ter surgido na Grécia Antiga Clássica (séculos VI ao IV a.C.) e isso ter originado a Filosofia, a Democracia e de tabela o Capitalismo e a Ciência Moderna, eles foram a exceção da exceção em relação a todos os povos antigos de todo o globo. Quando comparamos esse período com a Grécia Arcaica, ou em relação às outras civilizações centralizadas, coletivistas e não-laicas (como o Egito, a Pérsia, os Hebreus e etc.), eles eram praticamente revolucionários extremistas mais extremistas que os próprios marxistas mais loucos.
É aqui que digo que o movimento cultural progressista dos anos 60 aos 90 é parcialmente de direita e individualista, pois ele defendia uma maior liberdade de expressão e pensamento (obviamente no campo cultural), mas ao mesmo tempo era esquerdista e coletivista pois apoiava regimes socialistas (ou seja, no campo político-cultural). O mesmo podemos dizer da Revolução Francesa. Por um lado, ela combatia a opressão do Antigo Regime, com a Igreja Católica e os Monarcas Absolutistas controlando literalmente tudo, desde o seu pensamento, até o seu direito à vida e à propriedade privada. Mas ela acabou sendo tomada pela sua ala mais extrema, os burgueses jacobinos, que defendiam uma revolução radical e a criação de uma nova ditadura centralizada, mas com ideais populistas e proto-comunistas. Os burgueses gerondinos, a outra ala do Terceiro Estado (que era composta pela burguesia, em oposição ao Primeiro Estado, pelo clero e o Segundo Estado, pela nobreza), defendiam uma revolução moderada baseada nos ideais burgueses de uma economia e política descentralizada, através de uma República ou uma Monarquia Constitucional que limitava os poderes do Rei (em oposição à Monarquia Absolutista, em que o Rei era o Alexandre de Moraes de hoje, criava leis, julgava, condenava e tomava as rédeas do Estado).
É por isso que é importante entender que a ideia de que: Progressismo = Coletivismo e Tradicionalismo = Individualismo não tem lógica alguma. Vejo que a maioria dos atuais “direitistas” que se dizem individualistas, seguem uma moral cristã altruísta (coletivista), vão para as igrejas seguindo bovinamente (ou seria mais correto caprinamente?) pastores e padres como verdadeiros “cordeiros de Deus” de maneira centralizada e servil, com muito orgulho de se sentirem parte dessa tribo de iluminados que é o “corpo de cristo na Terra”. Observando a História, os Conservadores/Tradicionalistas só passaram a defender o Capitalismo e a diminuição do Estado com a ameaça soviética combatida pelas figuras de Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Desde 1790 (com Edmund Burke) até antes da Guerra Fria, os conservadores modernos eram contra o Capitalismo, o Estado laico e o Liberalismo político e econômico. Antes disso, durante toda a Idade Média e a Antiguidade, os Tradicionalistas eram sempre contra a liberdade individual econômica, política, de expressão e pensamento, com a grande excessão da Idade de Ouro da Grécia Antiga e em certos aspectos a organização descentralizada das tribos nórdicas e germânicas.
Agora retomando a questão do porquê as obras do Barata serem rejeitadas pelos dois espectros da atual sociedade. Os textos do Barata expressam um escritor individualista, que não se encaixa em nenhuma das duas grandes tribos coletivistas: cristãos capitalistas (que já é uma contradição em si mesma) e a Nova Esquerda Woke. Percebam que chamo de “Esquerda” a Nova Esquerda atual, porque ela é totalmente coletivista e basicamente contra todas as formas de liberdade individual, ou seja, incorpora completamente e sem contradições, todas as pautas e valores coletivistas. Já o que supostamente seria a Direita ou estaria mais à direita, prefiro chamar de Conservadores ou Tradicionalistas, já que, o grupo que estaria mais próximo de ganhar o título, seriam os Libertários e não os cristãos. Então é complicado chamar de “Direita” o movimento Tradicionalista Cristão, porque sei que seus fundamentos não são o individualismo, nem a liberdade de pensamento e expressão, que são os valores mais importantes da Direita Universal, já que o liberalismo econômico e político acabam sendo apenas uma consequência natural deles. Vou deixar apenas um adendo para os que acham que o Libertarismo e o Anarcocapitalismo são a solução para a Direita: os Libertários acabam caindo em outras contradições e problemas como o economicismo anti-estatista (a ideia de que a liberdade econômica e a destruição do Estado é a solução para todos os problemas humanos), o que leva a outra forma de tribalismo e a formação de um pensamento mitológico/religioso não-sobrenatural, que apesar de defender um individualismo político e econômico, acaba não sendo o caso no campo do pensamento e da cultura. Mas tudo isso analisando apenas a teoria. Na prática, eliminar o Estado leva necessariamente a dois cenários trágicos e suicidas: sermos dominados pelos cartéis das megacorporações globalistas ou sermos dominados por outros países como a Rússia, a China e as ditaduras islâmicas. Tratarei com mais detalhes isso em um texto futuro.
Mas a questão é: o Barata não é lido e apreciado pelo grupo mais forte à direita atualmente por basicamente não ser cristão, tradicionalista e não seguir os “bons costumes”. Ele apenas coincide com a atual Direita brasileira e ocidental no quesito de ser contra a dominação esquerdista e defender um certo grau de individualismo econômico e político, de resto, ambos nada têm em comum. É por essa razão que toda a elite intelectual direitista brasileira é composta basicamente de líderes religiosos ou de pessoas fortemente religiosas e tradicionalistas. Então, o direitista cristão, ao ler algumas de suas poesias e se deparar com palavras como “puta”, “pau”, “transar” ou qualquer coisa do gênero, logo já pensam que ele é um esquerdista dos “maus costumes” que defende a Revolução Sexual, tão odiada pelos conservadores. Ao apresentar um teor niilista, parecido com o de Nietzsche ou um egoísmo orgulhoso, como o de Ayn Rand, todos torcem o nariz, pois isso bate com o ideal conservador cristão de hoje: o sentido da vida é Deus e sua salvação e o altruísmo espiritualista (em oposição ao altruísmo materialista socialista) é a moral máxima que devemos seguir para sermos salvos. Ao ser cético em relação à política e a grandes líderes ou partidos políticos (como todo direitista individualista deveria ser), como o Bolsonaro atualmente, o consideram como um empecilho ao movimento, uma pedra a ser chutada ou ignorada.
É claro que tudo isso que falei sobre ele, vale basicamente também para mim, já que acabamos seguindo mais ou menos os mesmos ideais e valores básicos. A diferença gritante aqui é: eu comecei a escrever uma coisa ou outra no site Agulha ou nos grupos de Facebook (que inclusive foi aonde nos conhecemos) apenas recentemente. Somando tudo que produzi como escritor, não deve dar nem um capítulo de um livro pequeno, já o Barata, escreve há décadas, possui uma obra muito extensa composta de vários gêneros literários, e não só isso, é um escritor incrível, não apenas na forma que escreve, que é muito impactante, interessante e até mesmo divertida (com seu humor que disseca as contradições da sociedade atual), mas o conteúdo de sua obra está cheio de virtudes como coragem, honestidade, autenticidade, inteligência, sabedoria e independência. O pessimismo e o niilismo que se apresentam, com certa frequência, não são forçados com o intuito de chamar a atenção ou um puro fruto de imaturidade ou incapacidade interna, é apenas um reflexo sincero das dinâmicas de sua existência numa sociedade, que de modo geral, foi e está se tornando cada vez mais doente, tosca e fraca espiritualmente (e não é por falta de religião, é por covardia, servilismo, fraqueza de espírito e estupidez, coisas que a religião e qualquer forma de tribalismo causam naturalmente). Quando leio muitas de suas poesias, sinto que de certa maneira e em certa medida, sentimos coisas muito parecidas em relação à vida e à sociedade atual. Um pessimista numa sociedade decadente acabe sendo apenas um realista. A moral e o estilo de vida individualista é eticamente e espiritualmente superior? Sim, mas ela tem um preço. Numa sociedade tribalista, em que ninguém tem pensamento próprio e todos são membros de alguma tribo-bolha estereotipada, estúpida e coletivista, você acaba ficando sozinho e sem pessoas para compartilhar vivências e experiências. Nossa espécie, apesar de ser capaz de se tornar autárquica e independente, ela tem, ao mesmo tempo, uma grande capacidade e necessidade de uma vida social. E quando metade de nossa natureza não é suprida, ficamos apenas 50% satisfeitos com a vida. Mas infelizmente, nos tempos de hoje, está cada vez mais difícil criar laços sociais sem entrar nessas bolhas e tribos estereotipadas. Então o preço do individualismo, da autenticidade e de ter um espírito livre, é muito alto. Eu e o Barata não temos esse otimismo de que políticos ou algum ser divino pode nos salvar ou sequer ajudar de alguma maneira substancial. Isso é algo que somos 100% céticos. Sabemos que no final das contas e de forma geral, temos que salvar a nós mesmos de nós mesmos e do mundo afora, que é uma “selva de concreto”, imperdoável e implacável. Um escritor tão talentoso, esforçado, autêntico e sincero e um defensor da liberdade de expressão e de pensamento de tantas décadas, ser completamente ignorado, principalmente pela atual “Direita” (que deveria ler, como ele, Nietzsche e Ayn Rand e não a Bíblia e todos esses autores “conservachatos”), é para mim, praticamente um crime não-formal, em que quem sai mais perdendo, é claro, é a Direita Cristã, que só tem dois destinos: estagnação ou morte.
Considero bem embasada a sua análise. Barata Cichetto, até onde posso deduzir, é um inconformista irrecuperável. E o que é melhor: é insubmissível. Ele se vale das armas que possui — os livros — e seus textos ora ousados, ora lascivos, ora incômodos, para combater aquilo que, para simplificar, chamo de babacas e suas babaquices. Não me refiro aos iletrados funcionais, mas aos intelectuais que só pensam dentro de suas caixinhas, e sabem disso.
Agradeço pelos seus elogios à minha pessoa, e particularmente o considero como um dos culpados pela minha “indesistência”, já que há um tanto mais que uma década tem sido um dos meus maiores incentivadores, sendo inclusive uma das duas ou três pessoas no mundo além de mim a ter quase toda minha coleção de “inbest sellers” na sua estante. Muito obrigado!
Você fez/faz por merecer.