Precisamos de Um Pablo Marçal em Cada Cidade

Cá estamos nós, eleitores, alvos únicos de uma caçada que já recomeçou. Ou melhor: clientes de candidatos à vaga de prefeito nos 5.569 municípios brasileiros. Some-se a isso, toda uma horda de candidatos a vereador a serem distribuídos na mesma quantidade de municípios, conforme a população de cada um. Ao todo, são mais de 459.000 candidatos aos tão cobiçados cargos, por uma razão simples e absoluta: as muitas vantagens disponibilizadas àqueles que irão gerir os recursos municipais ao longo de quatro anos — que poderão ser longos. Como em qualquer escolha, os resultados poderão ser desastrosos. Adivinhe, caro leitor, quem sempre arca com os prejuízos?

De tão fácil a resposta, a pergunta não vale um doce.

Como em qualquer mandato dependente do sufrágio popular, tanto de prefeitos quanto de vereadores, terão em mãos poderes que poderão mudar – para pior ou para melhor – os destinos do município. Esses poderes são concedidos por meio do tal voto secreto, soberano e democrático, que é automaticamente convertido em carta branca, tão logo os TREs, o TSE, e até mesmo o multipoderoso STF, confirmem a vitória dos candidatos. E é aí que reside o problema: o mandante terá pouco ou nenhum poder para cassar essa carta branca concedida aos mandatários (no caso, prefeitos e vereadores), apesar de a legislação prever punições, inclusive a cassação do mandato, àqueles que se desviam das promessas feitas durante a campanha para tratar de interesses estranhos aos interesses do eleitor. E é assim desde que o Brasil é Brasil. É perfeitamente desnecessário expor exemplos aqui. Está aí o Google, que não me deixa mentir.

Foto: Poder 360

Lamentavelmente, o grosso da população brasileira é composta por pessoas que passam longe de qualquer coisa que lembre algo que se assemelhe a uma educação política. Em outras palavras: o eleitor brasileiro sempre foi impelido/educado/condicionado a ser o agente passivo dos interesses políticos/partidários/ideológicos de caciques veteranos ou de primeira viagem e, claro, impedido de reagir, quando os mandatários agem em desacordo com a vontade dos mandantes. Estes, sim, os reais donos dos cargos eletivos. A razão é muito simples: a estrutura legal que ordena as atividades de ocupantes de cargos nos três Poderes da República, seja em nível municipal, estadual e federal, é criminosamente obstrutiva a qualquer ação pública que vise a punição rápida, eficaz e exemplar aos envolvidos em toda sorte de desmandos. Além do mais, não é de surpreender que, ao cabo de um processo de impeachment, por exemplo, as vítimas (a patuleia ignara) acabam sendo penalizadas.

E é assim que o mundo gira. É verdade que, a cada campanha eleitoral as promessas de dias melhores são renovadas com as promessas de sempre: transparência, respeito à coisa pública; mais escolas, mais hospitais, mais saneamento, mais oportunidades de trabalho, mais lazer, mais mobilidade urbana, mais comida barata, mais creches, mais moradias, mais liberdade, democracia… (Ops! Democracia, não! Essa palavra está em risco de extinção, e é cada vez mais arriscado proferi-la, afinal, alguém tomou posse dela. Estamos contando com a ajuda externa para recuperá-la.)

Trocando em miúdos, os candidatos prometem Miami, Vancouver, Genebra ou Melbourne, mas entregam a mesma Calcutá de sempre. A patuleia ignara é obrigada a agradecer, para não correr o risco de perder o Bolsa Qualquer Coisa. Entendeu, caro leitor?

Concluída a síntese pé-de-chinelo deste analista político meia-boca, voltemos então às eleições de 2024. Venhamos e convenhamos: talvez esta campanha seja a mais anormal do que qualquer outra anteriormente realizada, pois, e a bem da verdade, ela é um “test drive” para a corrida presidencial de 2026, quando, enfim, as chances de haver uma mudança profunda na estrutura política brasileira poderá mudar, ao passo que as possibilidades de tudo dar errado também são reais, e devem ser consideradas. No entanto, fiquemos atentos aos fatos de agora.

Em meio a todo esse estado de coisas que assola a República cada vez mais com cara de ditadura, um dos milhares de candidatos a prefeito se destaca no cenário: Pablo Marçal, o coach-empresário que concorre à Prefeitura da cidade de São Paulo, a mais importante do Brasil, por tudo que ela representa: é a mais populosa, a mais industrializada, a mais rica, a mais culturalmente diversa, e tudo o mais que se refere a uma megalópole.

Foto: Gazeta do Povo

“Nascido em Goiânia, Pablo Marçal tem 37 anos e é um fenômeno nas redes sociais. Ele soma 12,6 milhões de seguidores no Instagram, onde iniciou atuando como coach — termo que não usa mais. Ele prefere ser chamado de mentor. Segundo sua assessoria, Marçal “é um multi-empreendedor de sucesso” que “atua como CVO (Chief Visionary Officer) de um conglomerado multibilionário, abrangendo 19 setores de atuação, como imobiliário, digital, educacional, seguros, automotivo, aviação, tecnologia, hotelaria, entre outros, formando um dos maiores ecossistemas empresariais da América Latina”.

Na internet, o empresário vende cursos e mentoria com temas que vão de empreendedorismo e marketing digital até “bloqueios mentais”, com o chamado “Método IP”, um “treinamento de inteligência emocional baseado em Programação Neurolinguística (PNL)”, segundo o blog de Marçal. “Seu trabalho educacional foca em despertar a identidade pessoal e clarificar o propósito de vida de seus seguidores e mentorados”, segundo sua assessoria.

Também se denomina cristão, e já fez discursos em diversas igrejas. Em agosto de 2022, disse na Igreja Casa, em Goiânia, que “cada cristão é um influenciador”. “É hora de vocês se levantarem e se posicionarem nesta nação. Um cristão que não tem resultado não tem respeito. E se você é cristão e não tem gente falando mal de você tem alguma coisa errada com que você está fazendo.”

Marçal decidiu ingressar na vida política em 2022, quando se lançou pré-candidato à Presidência da República pelo Partido Republicano da Ordem Social (Pros), mas o partido decidiu apoiar a candidatura do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Acabou eleito deputado federal por São Paulo, mas teve a candidatura recusada por falta de apresentação de documentos e suspensa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”. (…)

Foto: WSCOM

Pois é. O “fenômeno” não apenas é um concorrente à vaga de prefeito de Sampa, como também é ‘especializado’ em desestabilizar os demais candidatos. Devo reconhecer: o Marçal está bagunçando o circo com tal destreza que já é tema de estudos relacionados sobretudo ao marketing político. O agora autodenominado ex-coach também é mestre em espezinhar a imprensa, o que acabou transformando os debates antes modorrentos em espetáculos altamente divertidos, haja vista os arranca-rabos que deixam no chinelo os programas popularescos da tevê.

Pablo Marçal tem o dom da palavra. Ou seja: ele conquistou a arte de dominar o discurso e, quase sempre, sabe como escapar as armadilhas plantadas, ora por seus adversários, ora pela imprensa. Obviamente, todo esse movimento causa ruídos, o que chama também a atenção do TSE e do TRE-SP, que poderão trazer surpresas desagradáveis ao candidato. Pablo Marçal é a sensação do momento, e disso ninguém duvida. A outrora prestigiosa classe dos jornalistas, salvo honrosas exceções, perdida e desacreditada, tenta a todo custo dominar o debate e dobrar Pablo Marçal, mas vem colecionando fracassos, haja vista as saias justas a que Marçal as submete. E isso é muito bom!

O grande público aprendeu a ter Pablo Marçal como fonte de diversão inédita, uma vez que o empresário tem como método esfregar na cara de seus oponentes palavras que a patuleia ignara até tem vontade de dizer, mas que, por razões mais que conhecidas, está impedida de dizê-las diretamente a cada um dos demais candidatos. Após cada debate, sabatina ou entrevista, o nome do candidato está na boca do povo, o que só o favorece, para desagrado de Guilherme Boulos, José Luiz Datena e o atual prefeito Ricardo Nunes (que tenta a reeleição), seus principais adversários.

Foto: Terra (Edson Lopes Jr.)

O saco de pancadas preferido de Pablo Marçal é Guilherme Boulos, o deputado de extrema-esquerda pelo PSOL, partido da base de apoio do atual presidente da república, cujo nome dispensa apresentações. As ações e palavras de Pablo Marçal colocam Boulos em uma situação bastante delicada, visto que as chances de o “invasor de propriedades” receber uma votação expressiva estão seriamente comprometidas. A julgar pelo andar da carruagem, a possibilidade de Marçal vencer o candidato de Lula já no primeiro turno não pode ser desprezada. O alerta vermelho está ligado. Embora setores da grande imprensa façam um esforço para abrandar a fama de radical que Guilherme Boulos possui, Marçal faz questão de chutar o formigueiro, deixando escancarado para o grande público o real perfil do candidato preferido da classe artística descolada cliente da Lei Rouanet e de outros favores governamentais. Guilherme Boulos na prefeitura de São Paulo pode ser interpretada como uma tragédia.

De minha parte, até prova em contrário, não vejo Pablo Marçal como mais um messias. A princípio, eu não compraria dele sequer um saco de pipocas, pois vejo na figura dele um bravateiro, apesar de inteligente e bem articulado. Neste momento, não me atrevo a imaginar como seria Pablo Marçal investido do cargo de prefeito da cidade de São Paulo. No entanto, as possibilidades estão em aberto.

Seria ótimo se houvesse um candidato ao estilo de Pablo Marçal em cada cidade brasileira. Talvez os problemas delas não fossem resolvidos, mas diversão estaria garantida. O pão e circo da política ganharia outro significado.

Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.
Possui textos publicados na revista digital PI Ao Quadrado e na revista impressa Gatos & Alfaces.

COMPARTILHE O CONTEÚDO DO BARATAVERSO!
Assinar
Notificar:
guest

0 Comentários
Mais Recente
Mais Antigo Mais Votado
Inline Feedbacks
Ver Todos os Comentários

Conteúdo Protegido.
Plágio é Crime!

×