Queen – No Synthesizers

Atualizado em 28/07/2024 as 22:25:11

Todos os álbuns do Queen, até o “The Game”, lançado em 1980, continham uma frase de efeito grafada na contracapa ou na ficha técnica do encarte, com os dizeres: “No Synthesizers!” Essa menção com ares de “palavra de ordem”, soava enigmática nos anos setenta para todo Rocker acostumado com o uso de sintetizadores por inúmeras bandas, principalmente no universo do Rock Progressivo e suas ramificações. Por exemplo, na vertente do Krautrock, onde o contato com experimentalismos de toda ordem era notório, o uso de tais teclados multifacetados e tecnologicamente avançados para os padrões daquela época, era normal e bastante apreciado.

Ainda falando do Krautrock setentista, bandas como o Tangerine Dream, Can e principalmente o Kraftwerk, tinham em tais recursos, a força motriz de seus respectivos trabalhos. No campo do Hard-Rock, ainda que seu uso fosse bem mais moderado, muitas bandas o usavam com criatividade e há um caso sintomático também no Glitter-Rock, onde Brian Eno pilotava sintetizadores no Roxy Music, conferindo-lhe aura futurista “glam”.

O Queen surgiu no panorama britânico setentista, dentro da safra de bandas que fizeram a cena do Glitter-Rock. Se David Bowie e o T.Rex de Marc Bolan eram os dois maiores expoentes dessa vertente, haviam outros tantos artistas dentro dessa onda. Slade, Mud, Wizzard, The Troggs, Roxy Music e o Mott the Hoople são bons exemplos a serem lembrados e o Queen surgiu desse caldeirão, como uma banda emergente que costumava abrir os shows do Mott The Hoople. Biógrafos e historiadores do Rock afirmam que o Queen destacou-se tanto que “engoliu”, o Mott, causando-lhe o constrangimento de notabilizar-se como uma banda muito melhor que a atração principal.

Não gosto desse tipo de comparação, mesmo porque, a despeito do Queen realmente ter causado furor, o Mott era uma boa banda e não havia demérito algum em seu trabalho, pelo contrário, basta ouvir seus discos. Mas o fato é que “Keep Yourself Alive” explodiu como single nas rádios britânicas em 1973, e o Queen entrou rapidinho no imaginário dos rockers, como uma banda que apesar de aparentemente ser da turma do Glitter, tinha elementos mais pesados em sua música, mais se assemelhando ao Hard-Rock, além de múltiplas outras influências que lhe davam um horizonte mais largo, onde Folk; Lírico; Vaudeville e até o Progressivo, se encaixavam. A curiosa frase na capa do primeiro álbum “No Synthesizers!” soou enigmática, num primeiro momento. Como assim? A banda se colocava como avessa ao uso de sintetizadores em sua música?

Então veio o segundo disco e de novo o Queen enfatizou que não usava sintetizadores em sua música. Tratava-se de uma banda que usava apenas instrumentos tradicionais e vozes, e que parecia se orgulhar de não “conspurcar” sua música com tais recursos eletrônicos etc. e tal.

E assim foi indo, disco após disco, até o “The Game”, de 1980. Já nos anos oitenta, a banda abandonou tal discurso de forma acintosa e avançando no pop oitentista, mergulhou num álbum de roupagem “Techno Pop” e muito aquém do seu padrão de qualidade. O LP “Hot Space”, de 1982, usa e abusa de disparos eletrônicos e não é à toa que geralmente consta de listas de piores discos da história, infelizmente.

Voltando aos anos de glória de sua Majestade, a grande Rainha de Mercury, May, Taylor e Deacon fazia questão de dizer que não usava sintetizadores na sua obra, porque se esmerava para criar tessituras incrivelmente complexas em seus arranjos. O esmero, principalmente de Brian May, em gravar dúzias de guitarras para abrir inúmeras vozes (falo no sentido melódico e não me referindo às vozes humanas, neste caso), inclusive em solos, era algo extraordinário.

Devia dar um trabalho insano, mas o resultado final no áudio do Queen é incrível. Tal delicadeza melódica e harmônica remetia ao talento de composição e arranjo de compositores eruditos sofisticados, capazes de enxergar possibilidades sutis, que ouvidos leigos nem sonham captar.

Essa se tornou, sem dúvida, uma das marcas registradas do Queen e do som particular de Brian May, como guitarrista de timbre e estilo, únicos.

Outra marca registrada, e que nos faz entender essa determinação do Queen em abominar sintetizadores nos seus melhores anos, sem dúvida era no quesito vozes.

A mesma obsessão que movia Brian May a criar diversas dobras de guitarra, fazendo com que a banda soasse muitas vezes como uma orquestra de cordas, era proporcionada por Freddie Mercury e Roger Taylor nos arranjos vocais.

É público e notório que Mercury e Taylor tinham vozes privilegiadas, com May dando bom apoio e Deacon eventualmente contribuindo também. Nesses termos, o esforço que a banda fazia para criar backing vocals bastante requintados e em alguns casos, até com certo exagero, supriam também a falta de sintetizadores, sem dúvida. Diante de verdadeiros corais, com muitas dobras de vozes, o Queen impressionava pelos malabarismos vocais.

Dessa forma, todo esse esforço empreendido em horas e horas de estúdio para criar tantas camadas de vozes e guitarras, talvez os tenham levado a esse sentimento de orgulho por apresentarem um trabalho tão rico harmônica e melodicamente falando, dispensando o uso de sintetizadores.

Uma pena que na década de oitenta, talvez movidos pelo sentimento de se adaptarem às estéticas vigentes, tenham abandonado tal purismo e cometido deslizes imperdoáveis como “Hot Space”.

No meu caso em particular, fico mesmo com os quatro primeiros álbuns, que são meus prediletos: “Queen”, “Queen II”, “Sheer Heart Attack” e “A Night At The Opera”. E também deixo a ressalva de que não sou contra os sintetizadores, mesmo porque, seu uso nos anos setenta, foi quase sempre muito salutar, principalmente no Rock Progressivo.

Texto Publicado na 3ª edição da Revista “Gatos & Alfaces“, Maio 2014

Luiz Domingues é músico desde 1976, tendo tocado nas bandas Língua de Trapo, A Chave do Sol, Patrulha do Espaço, etc. Atualmente com Kim Kehl & Os Kurandeiros. Como escritor, tem três livros publicados e outros no prelo. Escreve em diversos blogs e revistas impressas.
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