Atualizado em: 01/02/2025, as 08:02
Confesso que quando fiquei sabendo que Robert Eggers estaria filmando um remake de Nosferatu, fiquei com um pé atrás, porque geralmente refilmagens de clássicos definitivos são… uma merda! Mas, em se tratando do diretor de apenas 41 anos, e com poucos filmes no currículo — aos quais eu tinha assistido e me apaixonado por todos —, puxei o pé para frente e mantive junto ao outro. Não dei um passo adiante, porque era preciso assistir para tirar qualquer conclusão, sem fazer qualquer pré julgamento.
O primeiro filme do diretor que assisti foi A Bruxa, lá por 2018, e nem lembro como cheguei a ele. Era simplesmente lindo, gótico, tenebroso, sublime. Fiquei de olho no diretor, e quando, em 2019, ele lançou O Farol, fiquei cabreiro, porque tinha entre os dois únicos atores em cena o genial Willem Dafoe e o… Robert Pattinson, de Crepúsculo. Para mim, ator que tenha participado dessa série de filmes era um demérito. Mas, como era do Eggers, tinha o Dafoe e era um filme em preto e branco, estilo cinematográfico que adoro, decidi relegar a presença do “bonitinho” e assisti. O filme é espetacular, com uma das mais belas fotografias que já vi. Imagine um filme inteiro, passado dentro de um farol e com apenas dois personagens: a primeira coisa que a gente pensa é “filme chato”. Mas, muito pelo contrário, ele prende a atenção por inteiro, com diálogos profundos, mas nem por isso enfadonhos. Aliás, esse filme me fez mudar de opinião sobre Pattinson, tanto que, quando surgiu a polêmica sobre ele em The Batman, com a internet malhando a escolha, resolvi apostar e confiar. E ali ele foi simplesmente fantástico, entregando um Batman perfeito.
Em 2022, saiu The Northman, que também me fez torcer o nariz, já que era sobre “Vikings”, um género que efetivamente não me atrai. Mesmo assim, decidi assistir, porque era de Eggers, e… Bem, não é um filme sobre vikings chifrudos (aliás, eles nunca usaram aqueles chapéus ornados com cornos). Era um filme sobre vingança. Um filme belíssimo, e… Bem, eu tinha virado fã do trabalho do jovem diretor, que é dos poucos, dentro do grande circuito de cinema, a apresentar algo realmente impactante. Até então, eu tinha Lars Von Trier nesse patamar, mas ele, depois que confessou que realizava seus filmes sob a influência de “drogas”, me decepcionou. E mais ainda quando parou; segundo entrevista que li, sua produção piorou muito.
Chegamos agora a Nosferatu (2024): o clássico de Murnau é intocável, claro. E Eggers não seria tolo em tentar fazer apenas um remake. E não fez.
Remakes de clássicos sempre trazem um misto de excitação e desconfiança. Quando Nosferatu foi anunciado, muitos cinéfilos ficaram em polvorosa, enquanto outros — como eu — mantiveram uma cautela natural. Afinal, mexer em algo que é quase um artefato sagrado do cinema expressionista não é tarefa fácil. No entanto, Robert Eggers mostrou que a ousadia pode ser acompanhada de um profundo respeito pela essência da obra original.
Sua versão de Nosferatu não é apenas uma releitura; é uma reimaginação. A trama central segue os passos do clássico de Murnau, mas Eggers acrescenta camadas de complexidade emocional e visual que tornam esta obra uma experiência única. As paisagens são envoltas em uma atmosfera opressiva, os silêncios ecoam tanto quanto as falas e a trilha sonora, composta por Robin Carolan, amplifica o terror psicológico com um toque de beleza melancólica.
Lily-Rose Depp e Bill Skarsgard entregam atuações memoráveis. Depp captura a fragilidade e a força de sua personagem, enquanto Skarsgard transforma o Conde Orlok em uma figura simultaneamente hipnótica e repulsiva. Há algo de visceral na maneira como ele habita a pele do vampiro. A voz, embora talvez um tanto exagerada, mas que possivelmente foi colocada dessa forma propositalmente para ampliar literalmente o espectro do mal, é gutural, potente e se sobrepõe a qualquer ruído ao redor. Contudo, um detalhe me incomodou: o bigode colocado em Orlok. Esquisito e desnecessário, parecia deslocado, como se quisessem dar um ar de vaidade ao personagem que contradiz sua decadência monstruosa.
O filme caminha em um ritmo que desafia as expectativas modernas. Em vez de sustos baratos ou explosões de gore, Eggers investe na criação de um clima que sufoca e perturba. Os corredores do castelo de Orlok são um labirinto de sombras; cada porta aberta revela segredos que talvez nunca devessem ter sido desvendados. As cenas de transe e possessão são de gelar os ossos, remetendo aos melhores momentos do gênero do exorcismo.
Mais do que um filme de terror, Nosferatu é uma meditação sobre a condição humana. Em tempos de isolamento e crises existenciais, ele ressoa como uma obra profundamente contemporânea, ainda que mergulhada em elementos clássicos. Eggers não apenas homenageia o passado, mas também nos lembra de que o terror, em sua forma mais pura, está enraizado no medo do desconhecido — tanto no outro quanto dentro de nós mesmos.
Mesmo com o bigode de Orlok insistindo em me tirar da imersão, saí do cinema com a sensação de ter testemunhado algo raro: um filme que honra sua herança enquanto traça novos caminhos para o futuro do gênero. Um Eggers no auge de sua forma criativa, entregando uma obra que, assim como o Nosferatu original, tem tudo para atravessar décadas como um marco do cinema.
06/01/2024
Atualização de 7/1/2024
Depois de publicada a resenha no BarataVerso, compartilhei nas redes sociais com o seguinte comentário:
“Nosferatu” de Robert Eggers é o melhor filme do ano, pois estou certo que ninguém lançará nada aos pés dele. Exagero? Estamos nos primeiros dias do ano…. Então… Leia a resenha e assista ao filme! Duvido que não me deem razão!
Então, depois de alguns comentários de amigos, lembrei de algo que não observei na minha resenha: compareci na sessão de Domingo as 21 horas, e haviam no máximo 20 pessoas na sala de cinema. Certo, Domingo à noite e tal, mas o filme havia estreado dois ou três dias antes, e seria normal que houvesse mais gente. Então me dei conta de que: não, esse filme possivelmente, ao menos se depender do público araraquarense, quiçá paulista, quiçá brasileiro, irá render o que talvez não pague o investimento, o que seria uma pena, já que seria uma situação que poderia prejudicar esse Diretor que promete, e muito, mudar a história do Cinema! Espero que o público mundial tenha um pouco mais de cultura e interesse por arte que nós!
Nosferatu (Idem, Alemanha/França – 2024)
Direção: Robert Eggers
Roteiro: Robert Eggers, Henrik Galeen (inspirado no romance de Bram Stoker)
Elenco: Bill Skarsgård, Nicholas Hoult, Lily-Rose Depp, Aaron Taylor-Johnson, Emma Corrin, Ralph Ineson, Simon McBurney, Willem Dafoe
Duração: 107 min.
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.