Relatos de Uma Guerra Suja

Atualizado em: 27/07/2024, as 07:07

Para começo de conversa e sem delongas, a imagem que ilustra esta matéria revela um homem deitado sobre o asfalto de uma avenida de Manaus, diante de um ônibus parado. Não se trata de um atropelamento. O homem caído não tem a idade revelada até este momento. Ele era um dos passageiros do coletivo. No decorrer da viagem ele pediu ao motorista para parar o ônibus, pois estava com dificuldade para respirar. Tão logo saiu do veículo, o homem caiu. O motorista tomou a iniciativa de ligar para pedir uma ambulância. Não sei se foi atendido. Também não sei se o homem está sendo tratado, ou se está morto.

Na qualidade de único nativo de Manaus a escrever para este intrépido site, sinto-me na obrigação de pôr o preto no branco ante os fatos que se sucedem nesta cidade “exótica” e encantadora.

Manaus é a capital do estado do Amazonas, o maior do Brasil em área territorial, equivalente a da Mongólia. Mais de dois milhões de pessoas vivem em uma espécie de cidade-estado, quase capital de si mesma. Em 1967, após cerca de 50 anos de estagnação econômica decorrente da falência da Ciclo da Borracha, o governo militar implantou aqui uma zona franca, que logo deu origem a um dos maiores parques industriais da América Latina, atraindo gente das mais diferentes regiões do país e até do exterior, em busca de oportunidades de trabalho. Em 2021, a cidade é a mais populosa da região Norte e a sétima do Brasil. Também, tem a 4ª maior área urbana e o 7º maior PIB (esta posição muda, ora para cima, ora para baixo, ainda assim, é uma posição invejável). A capital da Amazônia, centro da maior floresta úmida do planeta, é uma cidade rica. Em termos. E que isso fique bem entendido, caro leitor.

Bem… Manaus é, e ao mesmo tempo não é, uma cidade rica. Tudo depende, afinal, tudo é muito relativo quando se trata de Brasil. Quando se diz “rico”, isso não quer dizer que todos os habitantes, seja do país inteiro ou só de Manaus também sejam. Os contrastes são gritantes, sabemos deles desde os tempos do ensino fundamental. E são esses contrastes que mostram o quão cruel pode ser o resultado quando políticas públicas são, como sempre foram, tratadas como — ora vejam! –, política. Política do vale tudo, do toma lá dá cá, do ‘é dando que se recebe’, da ‘farinha pouca, meu pirão primeiro’, do nepotismo cruzado, dos currais eleitorais, enfim, da Lei de Gerson na prática e nas práticas. Quem nunca se deu conta disso é porque estava vivendo em Plutão.

Passados mais de 50 anos da criação da Zona Franca/Polo Industrial de Manaus, ainda existem seres humanos morando em palafitas acintosamente enfiadas nos leitos dos igarapés poluídos. A culpa não é desse modelo econômico que é único no Brasil. As invasões de terra que deram (e ainda dão) origem às favelas, continuam sendo um negócio lucrativo, não apenas financeiramente, mas político-eleitoral. Aí está, senhores e senhoras, um dos atos (não dá para saber quantos são) da horrenda ópera cabocla que agora se desenrola. Contudo, o cenário é lindo: tem a floresta, os rios, os índios, as onças, os jacarés, as cobras, os pássaros, os botos-cor-de-rosa…

Essa ópera tétrica – que nunca poderia ser encenada no Teatro Amazonas – se desenrola sem roteiro nas mais diversas unidades de saúde da capital orgulhosa de sua herança indígena e, claro, nos demais municípios amazonenses. Há doentes de mais, e hospitais de menos. Alguma novidade nisso, cara-pálida?

Esse drama funesto, como todos sabem, começou lá na distante China, há pouco mais de um ano. A doença recebeu o nome de Covid-19, e é causada por um tipo de coronavírus, que acabou se transformando em um item de exportação daquele país, uma arma de destruição em massa. Simples assim. Prefiro dar a esse coronavírus o nome de “vírus chinês”, o que de fato ele é. Se tivesse surgido na Austrália, eu o chamaria de “vírus australiano”. Todos sabem como essa praga começou, portanto, não cabe explicitar aqui. Há quem não goste de quem defina o agente causador dessa praga nesse termo nada lisonjeiro, pois isso pode ofender a milenar cultura chinesa, e assim, prejudicar as relações comerciais com o gigante amarelo (ou vermelho, sei lá!). Foda-se essa nova forma de complexo de vira-latas! Aliás, “vila-latas”, pois, parece que os conterrâneos de Jackie Chan têm dificuldade em pronunciar palavras que possuem a letra ‘r’.

Voltemos a Manaus. O caos na saúde está em todas as manchetes e em todas as bocas. Até nas de fumo, frise-se. Mas, afinal, o que deu errado? Resposta: TUDO!… e mais alguma coisa, que certamente vai aparecer nos dias, semanas e meses que estão por vir.

Está faltando oxigênio na capital do Pulmão de Mundo! Os hospitais não estão dando conta da grande demanda de pessoas que acorrem para esses locais em busca de socorro, para si ou para parentes e amigos. A espera por uma vaga ou a busca de um local onde haja um leito e um cilindro desse gás é uma das formas mais humilhantes a que um ser humano pode ser submetido. Ricas ou pobres, pessoas morrem esperando. Ouvimos sirenes das ambulâncias e das viaturas policiais a todo momento. O governador do estado assinou decreto impondo toque de recolher das 19 horas às 6 horas do dia seguinte, em paralelo a outras medidas tomadas anteriormente, como o fechamento de estabelecimentos que exercem atividades não essenciais. O objetivo é claro: frear a disseminação do vírus chinês e tentar dar um fôlego aos hospitais para dar conta da demanda. Só que não há fôlego para tanto. Pacientes já estão sendo transferidos para receberem tratamento em outros estados. Manaus é uma zona de guerra.

Enquanto isso, nas “Salas de Justiça” espalhadas mundo a fora, muitos são os que se apresentam ora como heróis, ora como fiscais de obras prontas. No entanto, arregaçar as mangas, meter os pés na lama, abrir a carteira, quem quer?

Alguém aí ainda se lembra dos incêndios na Amazônia? Cadê os especialistas? Cadê os artistas da Globo?

Cadê o Emmanuel Macron? Cadê a Angela Merkel? Cadê o Leonardo Di Caprio? Cadê os astros e estrelas de Hollywood? Cadê a Madonna? Cadê o Roger Waters? Cadê o Bono Vox? Cadê o papa Chico? Where is everybody? Que tal umas centenas de cilindros de oxigênio enviadas a jato para cá com tudo pago do próprio bolso? Bem… se eles nada fizeram além de falar para apagar os incêndios, por que eles fariam algo mais palpável agora. O máximo que eles irão fazer é postar frases de efeito e reche-tégues. Melhor esquecer.

Já o ditador Nicolás Maduro, oportunisticamente, prometeu enviar uns cilindros de oxigênio “e o que mais for necessário” para ajudar o povo amazonense. Ele só não disse que vai tirar mais do que já tirou do sofrido povo venezuelano só para satisfazer sua sanha demagógica. No entanto, há quem aplauda a ‘generosidade’ do déspota, embora se deduza que o objetivo facínora é aplicar uma saia justa em seu rival Jair Bolsonaro.

Aqui, na terra de Macunaíma, políticos, artistas, digital influencers, YouTubers, intelectuais, jornalistas, sub-celebridades e celebridades de 1ª, 2ª e 3ª grandezas, a Rede Globo, formadores de opinião em geral, e tantos outros, apontam o dedo para apenas uma pessoa: Jair Messias Bolsonaro, também conhecido pelas alcunhas de genocida, nazista, fascista, racista, misógino, homofóbico, xenófobo, corrupto, ditador, etc. Atribuem a ele as mais de 200 mil mortes causadas pela peste chinesa. O caos em Manaus serviu para agravar o julgamento do Presidente da República; cadeira elétrica seria pouco para ele. O caos chama a atenção. O caos vende.

Não sou um simpatizante do Bozo, um sujeito grosseiro, rude em vários aspectos, além de não saber controlar a língua, falando o que não deve nos momentos mais impróprios. No entanto, é muita culpa para um homem só!

Que tal “democratizar” essa culpa? Dou o nome a alguns bois (e vacas), pois esse rebanho é numeroso.

Em abril de 2020, nove dos onze ministros do STF: Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, atendendo a um pedido apresentado pelo PDT, praticamente esvaziou os poderes do governo Jair Bolsonaro sobre a definição de quais atividades não poderiam ser afetadas pelas medidas de isolamento. Com isso, os nove ministros defenderam que estados e municípios possuem atribuições para decretar medidas de combate à pandemia do coronavírus, conforme as peculiaridades de suas jurisdições. Ou seja: à parte as responsabilidades do Governo Federal, governadores e prefeitos têm autonomia para definir quais atividades podem ou não serem consideradas como essenciais, bem como estabelecer medidas restritivas, suspender atividades e interromper serviços, e por aí vai. Em outras palavras, o Governo Federal ficou impedido de estabelecer um plano nacional de combate à praga chinesa, o que poderia ter dado certo, pois a ideia era proteger os mais vulneráveis à doença, mas sem o inconveniente de estrangular a economia. Governadores e prefeitos receberam, graças aos ministros do STF, carta branca para agir a seu modo. O Governo Federal, no entanto, abriu o cofre e distribuiu dinheiro a rodo e a gastança foi geral. Em Manaus não foi diferente. Aliás, foi surreal.

Ao longo de 2020 os escândalos foram se sucedendo. Eis alguns recortes publicados na imprensa:

“Com o objetivo de apurar possíveis irregularidades nos contratos para a aquisição de respiradores pulmonares no combate à Covid-19, a Controladoria-Geral da União (CGU), em parceria com a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF), realizaram, nessa segunda-feira (30), a terceira fase da Operação Sangria.

Na primeira fase da Operação foi investigado um superfaturamento de cerca de R$ 500 mil pela compra de 28 respiradores de uma empresa comercializadora de vinhos. A segunda fase realizou buscas e apreensões para verificar a atuação de agentes públicos e empresários que teriam participado do processo de aquisição.

Para a terceira fase são investigadas irregularidades no pagamento de R$ 191 mil para o transporte de 19 respiradores pelo Governo do Estado do Amazonas, frete que deveria ter sido custeado pela empresa fornecedora dos referidos equipamentos. Foram cumpridos 4 mandados de busca e apreensão no município de Manaus. Cerca de 30 polícias federais e 4 auditores da CGU atuaram na operação.

Mais de R$ 185,5 milhões foram repassados para o Amazonas pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS) para combater a Covid-19 (…)” https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2020/dezembro/operacao-sangria-combate-irregularidades-na-aquisicao-de-respiradores-pulmonares

“O MPF (Ministério Público Federal), a Polícia Federal, e a CGU (Controladoria Geral da União) cumprem nesta quinta-feira, 8 [de outubro de 2020], 14 mandados sendo cinco de prisão temporária e nove de buscas e apreensões contra investigados na Operação Sangria. Agentes da PF fizeram buscas no gabinete do vice-governador Carlos Almeida Filho.

As medidas cautelares, que incluem o sequestro de bens e valores dos investigados, foram determinadas pelo ministro Francisco Falcão, do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e requeridas pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo.

A segunda fase da operação tem o intuito de aprofundar a apuração sobre uma organização criminosa instalada no governo do Amazonas com o objetivo de desviar recursos públicos destinados a atender às necessidades da pandemia de Covid-19. Os investigados são suspeitos de práticas como peculato, lavagem de dinheiro e também de promover a dispensa de licitação fora das hipóteses previstas em lei.

Contra outro investigado foram expedidos mandados de busca e apreensão, mas também de prisão temporária por cinco dias. De acordo com as investigações, esse homem teria sido destacado pessoalmente pelo governador [Wilson Lima, do PSC] para intermediar as aquisições fraudulentas de respiradores e financiá-las, tendo sido responsável por indicar a loja de vinhos que vendeu os aparelhos ao estado. (…). O vice-governador, de acordo com os registros já reunidos pelos investigadores, tinha grande influência na gestão da Secretaria de Saúde – pasta na qual atuou durante os três primeiros meses de governo. As provas apontam que a cúpula da Secretaria de Saúde se reportava frequentemente ao vice-governador para tratar de contratos da área de saúde, inclusive sobre pagamentos.

Na peça enviada ao STJ, a subprocuradora-geral da República indica que o inquérito em curso investiga o direcionamento na contratação da empresa; sobrepreço e superfaturamento na aquisição dos respiradores; organização criminosa; lavagem de dinheiro; montagem de processos e adulteração de documentos, com a finalidade de encobrir os crimes praticados.

Para Lindôra Araújo, há “uma verdadeira organização criminosa que se instalou na estrutura do governo do estado do Amazonas, com o objetivo de desviar recursos públicos destinados a atender às necessidades da pandemia de covid-19”.

O esquema de compra fraudulenta de 28 respiradores teria movimentado R$ 2,9 milhões, com envolvimento direto da cúpula do poder do estado. Um laudo pericial da PF atesta sobrepreço de R$ 133,67% na compra feita pela Secretaria de Saúde do estado com dispensa de licitação. Os respiradores foram fornecidos por empresa especializada no ramo de bebidas alcoólicas, denominada “Vineria Adega”. Em uma manobra conhecida como triangulação, uma outra empresa vendeu os respiradores à adega por R$ 2,4 milhões; essa, por sua vez, repassou os equipamentos ao governo do Amazonas por R$ 2,9 milhões. A suspeita de superfaturamento de R$ 496 mil foi registrada pela Controladoria-Geral da União, assim como o direcionamento da venda.

Em nota, a PF informa que há indícios de que a aquisição destes respiradores pulmonares seria apenas o início de outros esquemas de compra de equipamentos que seriam realizados durante a pandemia da Covid-19 (…).” https://amazonasatual.com.br/vice-governador-e-alvo-de-segunda-etapa-da-operacao-sangria-no-amazonas/

Manaus, uma cidade barulhenta por natureza ganhou ares de cidade fantasma. As pessoas estão tensas, temendo serem as próximas vítimas. Se não elas, seus parentes, amigos, vizinhos, colegas de trabalho. Há também uma raiva que vai se acumulando. Em algum momento será extravasada. Enquanto esse momento não acontece, o desfile de vaidades corre solto e o grande volume de dinheiro liberado para combater a peste chinesa continua a abastecer cofres particulares, contas bancárias. Há quem prefira esconder uma parte dele na bunda cagada, literalmente, como ocorreu no vizinho estado de Roraima.

Fico espantado com a quantidade de ‘almas bondosas’ ocupadas em salvar vidas que ocupam a mídia para fazer valer suas preferências ideológicas e seus antagonismos políticos. Vale tudo para salvar vidas, inclusive tirá-las, por causa de providências que deviam ser tomadas e não foram, do combate ao uso de medicamentos banais, como a hidroxicloroquina, a Ivermectina, a vitamina D, e tantos outros, só porque o presidente genocida as recomenda o tempo todo, ao passo que as vacinas ainda não provaram se são eficientes ou não. O que se sabe é que esse arranca-rabo ideológico é apenas uma amostra do quão desprezíveis alguns serem humanos conseguem ser.

Não dá para pôr um ponto final nesta matéria, pois os fatos se sucedem a todo momento.

Fiquemos na expectativa dos próximos atos desta tétrica ópera cabocla.

O caos na rede hospitalar de Manaus por conta da crise no abastecimento de oxigênio hospitalar, item fundamental no tratamento de pacientes atingidos pelo vírus chinês, é manchete na imprensa mundial, dada as dimensões de tragédia que assola não apenas a capital, mas o estado do Amazonas como um todo.

Como se isso não bastasse, há relatos de que uma nova variante do vírus chinês foi detectada em Manaus. Essa mutação já responde por cerca de metade das novas infecções em Manaus, levantando preocupações sobre um risco maior de disseminação, alertou a imunologista Ester Sabino, que coletou dados genômicos de testes de covid-19 em Manaus que indicaram que 42% dos casos confirmados estavam infectados pela nova variante, que possui mutações semelhantes às variantes britânica e sul-africana. Segundo ela, que é professora associada do Departamento de Moléstias Infecciosas da Faculdade de Medicina da USP, é muito provável que a nova variante brasileira seja mais transmissível do que a cepa dominante atual, ainda que isso não esteja comprovado de forma definitiva. É bastante provável que essa mutação esteja por trás do grande aumento nos casos de pessoas vitimadas pela pandemia.

Neste sábado, 23.01.2021, o Governo do Estado publicou decreto estabelecendo novas normas que passam a valer de 25 a 31 de janeiro de 2021 em todos os 62 municípios amazonenses. Entre as determinações estão:

  • Restrição a circulação de pessoas nas 24 horas do dia, bem como a suspensão de atividades comerciais e de serviços consideradas não essenciais.
  • As atividades consideradas essenciais, como: supermercados, drogarias, bancos, feiras e mercados, restaurantes; advogados no exercício da função, profissionais da imprensa, a produção e o transporte de “bens essenciais à vida”, entre outros, poderão funcionar normalmente, mas obedecendo a horários pré-determinados.
  • Obviamente, profissionais, empresas, órgãos públicos e atividades diretamente ou indiretamente envolvidos no combate à pandemia terão prioridade em tudo.

O governador Wilson Lima, em uma live exibida em 23.01. deixou claro que as novas medidas não se tratam de lockdown, o que faz certo sentido, uma vez que, contrariando desejos de “salvadores de vida” e dos pregadores do Apocalipse de plantão, que abundam internet a fora (ou a dentro), tal determinação ganharia contornos de catástrofe não apenas econômica, mas humanitária. Na prática, o estado do Amazonas passaria a ser considerado, guardadas as devidas proporções, a Venezuela brasileira.

A próxima semana será uma prova de fogo para todos, inclusive este que vos escreve.

Enquanto isso, o caos na saúde pública em Manaus expõe, ao mesmo tempo, gestos genuínos de solidariedade e de várias formas de oportunismo, inclusive ideológico. Desde que o estado de coisas que assola a capital do estado e vários municípios do interior passou a ser alvo de todas as atenções, muito se tem visto nos jornais, redes de TV, redes sociais, sites, blogs, etc. no que tange ao drama manauara. Eis alguns:

Luciano Huck, apresentador da Rede Globo, milionário, dono de avião, pretenso candidato a presidente da República, em um vídeo oportunista divulgado no YouTube, no qual expõe um caldeirão cheio de dificuldades para o envio de cilindros de oxigênio para Manaus em razão da “logística difícil”, da distância, da falta de estradas, e tudo o mais que saiu de sua cabeça global, se limitou a incentivar um panelaço contra o governo federal. Só isso. Para quem está morrendo asfixiado um panelaço não ajuda em absolutamente nada. O dono do Lata Velha perdeu uma ótima chance de ficar calado, ou, ao menos, ter declarado que não podia ajudar. Quase ao mesmo tempo, o ídolo sertanejo Gusttavo Lima divulgou vídeo mostrando as imagens do embarque de 150 cilindros de oxigênio para Manaus. Outros artistas também demonstraram atitude semelhante, e o gás precioso já está sendo (ou já foi) utilizado por quem dele precisa. As redes sociais não pouparam o presidenciável narigudo, tampouco a esposa dele.

Felipe Neto, o “poderoso” digital influencer, também imitou Huck, inclusive elencando uma lista de dificuldades, entre elas, a tal logística. O imitador de focas se viu de mãos atadas, e claro, não perdeu tempo em criticar aqueles que, de uma forma ou de outra, meteram a mão na massa e fizeram a ajuda acontecer. Felipe estava mais preocupado em manter sua vaidade e seus leais seguidores, além de se defender da avalanche de críticas que vem recebendo por conta de seu confortável comodismo. Ao que parece, o marketing pessoal e político de ambas as celebridades saiu pela culatra.

Atualmente, o consumo de oxigênio no estado do Amazonas é de aproximadamente 76 mil m3. A produção local é de pouco mais de 28 mil m3 diários, causando um déficit de 50 mil m3. Evidentemente, esse números mudam conforme as oscilações de oferta e demanda, uma vez que novas usinas de produção de oxigênio estão sendo instaladas em regime de emergência, seja por parte do governo federal, ou por doação de entidades privadas, como o Hospital Sírio Libanês.

Pouco importa, agora, se Huck ou Felipe Neto mudaram de ideia, ou se eles enviaram os cilindros de oxigênio para Manaus. A briga de celebridades vaidosas não tem a menor importância neste momento. O que importa é que o fazer é mais importante que o falar, e toda ajuda é bem-vinda, seja de apenas um ou de mil cilindros de oxigênio. A propósito, Luciano e Felipe, obrigado pelo nada que fizeram.

Voltando ao quesito “logística”, não se trata de um bicho de sete cabeças. Todas as formas de transporte, exceto o ferroviário, são possíveis para alcançar Manaus. A prova disso é que aqui existe um dos maiores parques industriais do Brasil. Até mesmo a BR-319, a problemática rodovia que liga a capital do estado ao resto do Brasil está sendo útil no socorro às vítimas do vírus chinês. Tanto é que um comboio de carretas carregando oxigênio está a caminho, vindas de Porto Velho, em Rondônia. Essa conversa de que a logística é um obstáculo quase intransponível é pura conversa fiada. É evidente que transporte de cilindros de oxigênio exige uma série de cuidados, pois não de trata de uma carga qualquer. Ainda assim isso não é um empecilho.

A ajuda está vindo, também, de lugares inusitados, como a Venezuela do ditador Nicolás Maduro. Chegaram a Manaus por via rodoviária cinco caminhões carregando, ao todo, 107 mil metros cúbicos de oxigênio produzido na fábrica da White Martins localizada naquele país. O gesto de bondade do déspota está carregado de significado político. Segundo especialistas, o gesto visa melhorar a imagem do tirano ante a opinião pública de ambos os países. Nisso, o ex-presidente e (por enquanto) ex-presidiário Luís Inácio Lula da Silva aproveitou a oportunidade para agradecer o facínora pelo “gesto de grandeza política”, prometendo restabelecer relações diplomáticas com o país vizinho “tão logo conquistemos a democracia de volta para o Brasil iremos restabelecer relações políticas civilizatórias com o governo e o povo irmão da Venezuela”, enfatizou o líder da quadrilha desbaratada pela Operação Lava Jato. Cabe destacar que o oxigênio hospitalar também será útil aos refugiados do regime despótico do ditador Maduro que vieram tentar a sorte no Brasil. Muchas gracias, Nicolasito.

Já a China, lugar de surgimento do vírus, também ofereceu ajuda financeira e material, inclusive de oxigênio hospitalar, que deverá chegar nas próximas semanas. É o mínimo que o gigante asiático pode fazer. Vamos ver o que acontece.

Paralelo ao drama envolvendo a escassez de oxigênio hospitalar, a vacinação da população já se iniciou em Manaus e no demais municípios do estado do Amazonas:

“Com a entrega das primeiras 256 mil doses de vacina contra a Covid-19, do Governo Federal, e mais 50 mil doses do Governo de São Paulo, o Amazonas dará início à execução do Plano Operacional da Campanha de Vacinação. Ao todo, serão 306 mil doses da Coronavac, que serão destinadas a grupos prioritários conforme as diretrizes do Plano Nacional de Imunização (PNI), preconizado pelo Ministério da Saúde (MS).

A operação para execução do plano operacional para distribuição da vacina começou nesta segunda-feira (18/01), em reunião do Comitê de Resposta Rápida – Enfrentamento da Covid-19, em Manaus. Nesta manhã, o governador Wilson Lima participou da cerimônia de entrega do lote com 256 mil doses entregues pelo MS, em São Paulo. A previsão é que as doses cheguem a Manaus na tarde desta segunda-feira.

O Plano Operacional seguido está publicado no site da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM) e segue as diretrizes do Plano Nacional de Imunização (PNI), preconizado pelo MS.

De acordo com o secretário de Estado de Saúde, Marcellus Campêlo, a primeira reunião foi para comunicar os órgãos sobre a quantidade de doses e procedimentos iniciais. ‘A comunicação foi para passar o número já anunciado de doses e também para que as equipes já comecem a se preparar para uma longa noite de recebimento de vacinas’, explicou”.

http://www.saude.am.gov.br/visualizar-noticia.php?id=5699

Mas as coisas não saíram como o planejado. Denúncias de desvios de finalidade estão pipocando:

“Depois de ser interrompida nesta quinta-feira (21), a vacinação contra covid-19 dos profissionais de saúde que atuam em Manaus continua suspensa hoje. Segundo a prefeitura, a imunização na capital amazonense foi interrompida para que houvesse uma reprogramação na distribuição de doses, em meio a denúncias de aplicação em pessoas fora do público prioritário, que são profissionais que atuam na linha de frente contra a pandemia.
A suspensão duraria 24 horas, mas nesta sexta-feira (22) a capital informou que a vacinação ainda não foi retomada.

“A vacinação dos profissionais de saúde que atuam em Manaus ainda não foi reiniciada. Estão sendo discutidos com o estado os ajustes finais e a logística de distribuição das doses. Tão logo a Secretaria de Estado de Saúde (SES) informe ao município a listagem com locais e nomes dos profissionais a serem vacinados, toda a programação será retomada”, informou, em nota, o Departamento de Comunicação da Secretaria Municipal de Saúde.
O consenso entre prefeitura e Secretaria Estadual de Saúde é que, nesse primeiro momento de vacinação, o profissional que está mais exposto ao novo coronavírus terá prioridade. A vacina deve ser dada para quem trabalha nas unidades de referência, de média e alta complexidade, para quem tem contato direto com pacientes com covid-19, levando em conta fatores como comorbidade e idade. Na quinta-feira, antes da imunização ser suspensa, só quem trabalha nas ambulâncias do Samu havia recebido a dose.

Desvio
Ainda em Manaus, houve também uma polêmica em relação a fotos de vacinação. O prefeito de Manaus, David Almeida, falou sobre uma portaria proibindo fotos de vacinação, numa transmissão ao vivo nas redes sociais.

No vídeo, David Almeida disse que circulam fotos de pessoas fora do grupo prioritário sendo vacinadas. Alegou que não são vacinas contra a covid-19, e sim contra outras doenças. Segundo ele, são fake news.

O Ministério Público do Amazonas vai apurar as notícias de que houve desvio de vacinas para pessoas que não pertencem ao grupo prioritário.

O Tribunal de Contas da União (TCU), por sua vez, começou nesta semana um grande levantamento de informações referentes aos planos estaduais de vacinação contra a covid-19, com destaque para o mapeamento dos grupos prioritários, mecanismos para assegurar o respeito a essas prioridades e a logística de distribuição e aplicação dos imunizantes”.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-01/vacinacao-contra-covid-19-em-manaus-continua-suspensa

Este é o resumo de mais um ato da tétrica ópera cabocla que se desenrola em Manaus. Enquanto ainda falta oxigênio para muitos, sobra fôlego para os poucos privilegiados que estão furando a fila de vacinação por não estarem na lista de grupos prioritários, desviando verbas públicas em proveito próprio, colocando seu fanatismo ideológico e partidário acima da razão, alimentando ambições eleitorais, e, além do mais, fazendo jus ao triste perfil da elite brasileira que, por uma questão de posses, fama, ou de influência política, se acha no direito de atropelar os direitos das demais pessoas só para obter toda sorte de privilégios. Sabe-se que no Brasil muita coisa é feita por baixo dos panos. Enquanto milhares de seres humanos padecem, não só em razão de um vírus estrangeiro, mas pela indiferença e egoísmo de uma casta de privilegiados, que deixa bem claro que ainda falta muito para a sociedade brasileira se classificar como moderna. Salvo as exceções de praxe, por ora, o que vale mesmo é a Lei de Gerson.

É só. Por enquanto…

Publicado Originalmente em 15 e 24/01/2021

Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.
Possui textos publicados na revista digital PI Ao Quadrado e na revista impressa Gatos & Alfaces.

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