Prepare-se para uma viagem inesquecível ao coração do Rock, onde a liberdade transcende rótulos de gênero e política. Embarque nessa leitura envolvente que explora a verdadeira essência do Rock, com todas as suas contradições e paixões. Descubra como essa forma de arte impactou gerações, desafiando normas sociais e quebrando barreiras. Seja você um veterano do Rock ou um novo fã, mergulhe nesse tributo vibrante e irreverente que celebra a liberdade de ser quem você é. Rock é mais do que música – é um estilo de vida, uma atitude e, acima de tudo, um grito de liberdade. Venha viver a rebeldia e a paixão que só o Rock pode oferecer!
Um texto em homenagem aos velhos rockeiros, especialmente de São Paulo, no dia 9 de Julho.
“Eu tô ficando velho / Cada vez mais doido varrido / Roqueiro brasileiro; Sempre teve cara de bandido!”
— Rita Lee
Joguemos com a sinceridade? Podemos mesmo? Rock é coisa de homem ou de mulher? Não pense muito, pois dá a impressão de que está buscando uma justificativa não-rocker para a resposta, sendo homem ou mulher. Sim, sendo homem ou mulher, garanto que ficou pensando na resposta, baseado… Bem, baseado nas coisas que machos e fêmeas gostam acima de… Rock… Música. Um, uma ou “ume” pensou na carinha bonitinha do cantor loiro de olhos claros com sua calça leg apertando as bolas. “Ume”, uma ou um, pensou nas coxas da cantora da banda tal, na “racha” marcada. Uma, “ume” e um pensou justamente em tudo isso junto, imaginando como deve ser gostoso transar com o Axel, a Pitty, o Bowie, o Jagger, sei lá com mais quem. Tem até os velhos velhacos — como eu — que lembrarão como queriam comer a Janis, a Grace Slick e até a Patti Smith, com sua cara de cavalo e mãos maiores que meu pau. Nada mau, não é?! Quem disser que respondeu a minha pergunta inicial, cogitando acordes, linha e capacidade musical dos músicos, das músicas (nos dois sentidos) ou, para não degradar a turma da lacração: “des musiques”, eu juro que dou de presente um litro de conhaque de alcatrão e uma bala de canhão, além do troféu “Hipócrita do Século”.
Mas, antes de dar tempo ao leitor iletrado — sim, eles existem: sabem ler, mas só entendem o que dizem que devem — e vem com a conversa da Sister Loretta, a preta, que criou o Rock muito antes de outro preto, o Berry, e chamar Bill Haley de usurpador, Elvis de ditador, e falar que Rock é coisa de imperialismo ianque, e fazer qualquer reclamação, falando que Rock é de “izquerda”, que é coisa do gramulhão rabudo, ou qualquer merda à toa, devo pedir que se encaminhe à devida casa do caralho e pedir gentilmente que não encha o meu saturado saco.
Agora respirando e esperando que quem continua a ler merece meu respeito, cheguemos ao ponto certo desta história. Depois que estamos acertados e combinados pelos motivos que nos fazem responder se Rock é coisa de macho ou de fêmea, homem, mulher, ela, ele, eli, elo, elu, continuemos de onde “paramos”: E a resposta é tão simples quanto: 1 – Cagar é coisa de homem ou de mulher? 2 – Gozar é coisa de mulher ou de homem? 3 – Ouvir é coisa de eli, elu ou elo? A naturalidade de todas e mais um milhão de outras, que são necessidades humanas, como a liberdade, o ar, a água e a comida, são tão simples e idiotas, que é difícil de entender como ainda ficam com um monte de conversa de bosta, discutindo se Rock é de mulher ou de homem, de esquerda ou de direita. Rock é o que quiser, de quem fizer, de quem for, de quem o pertencer. Rock é de Deus, do Diabo e da puta que o pariu do caralho a quatro.
E essa looooooonga introdução, é por causa dos criadores de rótulos, lacradores de quinta, e toda a corja de velhacos (adoro essa palavra, que nada tem a ver com velhos) que está destruindo o Rock, matando sua essência, que é a de ser livre por natureza. Que merda importa se foi um preto, uma preta, ume prete, ume branque, uma porra de um japonês ou exilado libanês, o primeiro desgraçado que tocou acordes que décadas depois foi chamado de “Rock”? Que importa a merda da cor da pele, dos olhos, dos cabelos, ou se o infeliz era bicha, transviado, hermafrodita ou tinha pau de jumento ou buceta de rinoceronte? Ou tudo isso junto “numa pessoa só”?
Não lhes basta saber que o Rock, até mais que como movimento musical, foi um divisor de águas na Cultura Mundial, porque dizer ocidental seria sacrilégio e injustiça com o resto do mundo, já que até por trás da “Cortina de Ferro”, na China, Indochina, ali na esquina, no Paquistão e no Afeganistão, o maldito do Rock se enfiou, e decerto muito costume, muito desejo, e muita coisa mudou. E não foi como coisa de homem, de mulher, de preto, de roxo, de amarelo ou furta-cor: foi que o espírito que ele incorporava era tão livre que acabou incomodando governos, ditaduras, estruturas. Se tinha um merda de um cara de pau duro na guitarra, uma lésbica de grelo duro no vocal, um preto de óculos escuro no baixo, ou “ume” transexual da Transilvânia na bateria, o Rock chegava, via e vencia, como um Conquistador. Esquerdas e direitas o temiam, até porque não tinha ideologia, analogia ou qualquer outra teatrologia que o impedia. Era o Rock que a gente queria. E com ele a gente podia. Podia ser o que queria.
Homem de tamanco? Certo! Mulher de coturno? Também certo! Bandana colorida, buceta peluda, saco raspado, cabelo pintado de roxo ou de verde e amarelo. Bandeira americana, sul-africana, da União Soviética, da União dos País da Casa do Caralho… Tudo era tudo e nada nos separava. E quanto mais a gente se juntava, e dançava, e cantava, e rebolava, e reclamava, mais eles nos temiam, mais nosso fim queriam, mais nos perseguiam, mais nos seguiam, mais e mais longe das suas filhas, mães e tias nos permitiam. Éramos tão perigosos, com jaquetas pretas, pulseiras de espinhos de plástico, que nos tratavam como se fôssemos leprosos. Éramos rockers, roqueiros, e ainda por cima, abaixo da linha do Equador, alguns eram brasileiros. Representávamos perigo, mesmo enquanto cantávamos “Hey amigo, cante essa canção comigo”.
Pelas bandas dos e do Bandeirantes, nossos concertos tinham comunistas, ciclistas, mistas, simplistas e anti-socialistas; tinha até artistas e capitalistas, dentistas e trapezistas. E nem sabíamos o que era ser um “ista”, cantando “eu sou ego, eu sou egoísta”, sem que ninguém parasse na pista. O que a gente era, sem nenhuma dúvida, era humanista, sem nem saber o que isso significava. A gente fumava, cheirava, peidava, deitava, e ninguém se importava com quem comia e com quem dava. A gente nem ligava para quem estava e quem não prestava. A gente era, sim, aquilo que nos restava.
E nos concertos, do Bandeirantes, do Lira Paulistana e do Oficina, tinha homem vestido de cigana, mulher de Elis Regina, e ninguém queria saber, em que votava o Gilberto Gil, para quem deu o Caetano Veloso, porque a gente achava mesmo que tudo era divino e maravilhoso. E mesmo que na esquina tivesse um Agente, que podia ser até seu parente, o que fazia a gente? Continuava… Caminhando e cantando a canção, porque acreditava que as flores um dia venceriam o canhão. E se na plateia tinha um soldado, a gente percebia que ele era apenas um coitado mal amado. “Ó não”.
Assim a gente seguia, um dia depois de outro, ouvindo Kaleidoscópio num rádio de pilha, Maytréa e Silvelena, Sindicato, Joelho de Porco, e até o Zwetsch com seu Fabricante de Sonhos. Triumvirat, Pink Floyd, Made In Brazil em Pompeia e na Vila. Walter que era franco, e Yara, filha de Não e Gê. Estávamos todos juntos numa pessoa só, éramos mutantes, criaturas diletantes, patrulheiros do espaço. Não sabíamos o que queríamos, mas estávamos certos de que encontraríamos, e então saberíamos. Éramos felizes, e disso decerto sabíamos.
Agora chegam os puristas impuros, rockistas dedo-duros e falam que é heresia, eu incluir Walter Franco, Macalé e Itamar no rol do Rock, e eu respondo ao ignorante amigo, que a gente incluía, e distinção não fazia, porque a gente sabia, de antemão, tudo era rua contramão, tudo era do Rock, que não fosse sambão e marca de sabão. A gente entendia, Rock era o Funk, Rock era o Soul, Rock era o Blues, Rock a emepebê, muito antes da emetetevê. Rock brasileiro era a Luíza Maria, que queria ser um anjo; era o Guilherme Arantes, com seu coração paulista; Rock paulista tinha banda carioca, Rock carioca tinha banda paulista. E assim crescia nossa lista, e ia assim a nossa vista, até aonde outros olhos não alcançavam.
Ah, sim, é claro, tinha rixas homéricas, debates acalorados: quem era melhor, Beatles ou Stones? O Kiss copiou o Secos & Molhados? Progressivo ou Punk? Mas tudo sempre acabava em Festival, onde todos juntos curtiam. Águas Claras, Hollywood Rock, Dia da Criação, Concerto Latino Americano de Rock. O rock era quem nos unia.
Nós, velhos roqueiros, idosas roqueiras, tínhamos muito pouco, mas éramos um tanto loucos, e achávamos que loucura pouca era bobagem. E muitos tinham até a coragem de enfrentar a Ditadura, de tomar Duchas Erasmo no Largo São Francisco, correndo o risco de ir parar num porão, e nunca mais serem vistos ouvindo um Rock no portão. A gente só queria mesmo era mesmo a liberdade, muito acima de uma calça velha azul e desbotada, mas decerto que pudesse usar como quisesse.
Mas tinha muita coisa que não tínhamos, e, portanto falta não sentíamos, porque eram nas bibliotecas que líamos, nos cinemas é que víamos, nos salões de Rock é que ouvíamos. E o que nos faltava era aquilo que perdíamos.
Em nosso caminho sempre havia uma biblioteca, e a gente odiava a “Discoteca”; na nossa rua tinha um moleque com um conjunto, e a gente ria junto; na nossa escola sempre havia alguém que fazia “jornalzinho” publicava conto e poesia, e a gente lá ia, passar de mão em mão, o que em outro lugar não podia; em cada esquina tinha gente trocando revistas de Rock: Rolling Stone, Rock e História e a Glória, e assim a gente achava que o Rock seria eternamente o hino da nossa própria Revolução.
Sim, jovem amigo, jovem amiga, éramos todos roqueiros, hoje somos velhos, mas ainda muito jovens para morrer, e dizem que velhos demais para o Rock. Éramos todos, ao nosso modo, guerrilheiros, soldados desarmados contra ditadores desalmados. Éramos todos cabeludos, chamados de hippie, mesmo que muitos não fossemos. Éramos todos unidos, chamados de bandidos, mesmo que não fossemos. Éramos todos criaturas únicas, pelados ou trajando túnicas.
Houve esse tempo, jovem, a quem peço atenção não por agora ser velho, um pouco rancoroso, um tanto saudoso, mas decerto, e mais que tudo, por ser quem lamenta, e como lamenta, que a maior pergunta seja uma afronta a tudo aquilo que vivi, um tapa na cara ao como até hoje sobrevivi, e um punho no olho do que vi. A maldita pergunta: se Rock é coisa de homem ou de mulher, se Rock é coisa de lésbica ou viado; se Rock é azul ou cor de rosa. Choque. Se Rock é politicamente correto ou objeto direto.
Sim, existiu uma época que Rock representava a liberdade, e representava ser o que qualquer um quisesse, e pudesse… Representava o Rock, Lou Reed falando de Holly, que raspou as pernas e virou mulher, que a vadia lhe batia com uma flor. A qualquer hora. Era do Rock, Iggy falando que queria ser um cachorrinho. Era do Rock, o Floyd mandando o dinheiro se foder. Era do Rock falar de putas, de bichas, de travestis, de tudo quanto é escrotice da sociedade. Era do Rock ser impuro. Era do Rock ficar de pau duro e de bolinar no escuro. Era do Rock falar de ninfeta, contar sobre uma punheta e comer uma buceta. Era do Rock chupar um pau, sem que nada houvesse de mau. E enfim, era do Rock contestar. Tudo e todos. Era do Rock protestar. Contra todos e tudo. Era do Rock reclamar. Xingar. Blasfemar. Era do Rock ser profano, cigano, fulano, sicrano, mundano. Chamar padre de bicha, governador de lagartixa, e mandar para a puta que pariu qualquer filho da puta que nunca viu. Tudo era do Rock, meu querido, minha querida…
E agora, o que é do Rock? Quem é do Rock? O Rock é de Direita ou é de Esquerda? Rock é comunista ou capitalista? Rock é anarquista? O Rock é de homem ou de mulher? O Rock morreu? A última pergunta eu respondo, o resto fica por conta da sua cabeça nefasta, de cabeleira vasta: se ainda faz essas perguntas anteriores, sim, para sua indigníssima pessoa, com sua mente estreita, o Rock morreu. E se ainda não lhe ficou claro, um conselho, de quem já viveu: deixe o Rock em paz!
Ôrra Meu!
Rita Lee
Eu tô ficando velho
Cada vez mais doido varrido
Roqueiro brasileiro
Sempre teve cara de bandido!
Vou botar fogo nesse asilo
Respeite minha caducagem
Porque essa vida é muito louca
E loucura pouca é bobagem
Nunca fui de muito papo
E sei que meu negócio é farra
Pego na guitarra e não largo até pompéia gritar
Muda o disco!
Juventude transviada para mim é conto de fada!
E quanto mais o rock rola mais a gente gosta
Quanto mais dinheiro em jogo mais a gente aposta
Quanto mais o tempo passa mais eu quero me divertir
Me despir
Me sentir
Guerrilheiro
Forasteiro
Ôrra meu!
Guerrilheiro
Forasteiro
Ôrra meu!
Guerrilheiro
Forasteiro
Ôrra meu!
Guerrilheiro
Forasteiro
Ôrra meu!
Mas eu tô ficando velho
Cada vez mais doido varrido
Roqueiro brasileiro
Sempre teve cara de bandido!
Vou botar fogo nesse asilo
Respeite minha caducagem
Porque essa vida é muito louca
E loucura pouca é bobagem
Nunca fui de muito papo
E sei que meu negócio é farra
Pego na guitarra e não largo até pompéia gritar
Vou chamar a polícia!
Juventude transviada para mim é conto de fada!
E quanto mais o rock rola mais a gente gosta
Quanto mais dinheiro em jogo mais a gente aposta
Quanto mais o tempo passa mais eu quero me divertir
Me despir
Me sentir
Guerrilheiro
Forasteiro
Ôrra meu!
Guerrilheiro
Forasteiro
Ôrra meu!
Guerrilheiro
Forasteiro
Ôrra meu!
Guerrilheiro
Forasteiro
Ôrra meu!
Escrito e Publicado em 09/07/2024, em homenagem a todos os velhos roqueiros e ao Dia do Soldado Constitucionalista, de 1932
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.