Atualizado em 15/08/2024 as 22:37:23
Se eu morresse hoje, não amanhã como disse o Azevedo, de tarde ou de manhã cedo, o que diria algum jornal? Foi-se o poeta bem cedo? Morreu o poeta do medo? Ou enterra-se outro segredo? E o que diria a televisão? Morreu outro idiota sem visão? Decerto dariam antes do tempo a previsão. E depois esqueceriam minha antevisão.
O que pensariam aqueles que de mim deslembraram, que minhas partes desmembram? Aqueles que me desabraçaram? Provavelmente nada dirão, nada sentirão, ou sobre mim mentirão, dizendo… Foi-se um ser, que de tamanha vontade de merecer, morreu solitário sem que ninguém o possa esquecer.
Se eu morresse agora, não daqui a algumas horas, ainda seria o dia do meu aniversário. Um dia igual ao outro só que ao contrário. Apenas outro dia qualquer do calendário. E vislumbro mentalmente minha lápide, onde há as inscrições ao lado da estrela e da cruz, com o mesmo dia e mês. Imaginando que serão muitos os comentários no cemitério sobre a coincidência do meu infortúnio. Desafortunado não por ter morrido na mesma data do meu nascimento, mas por ter nascido no mesmo dia que morri.
Acaso eu ainda morra nos próximos minutos ou no derradeiro segundo ainda será dia de festa, ao menos para quem me resta, e seu colo me empresta, para descomemorar. Os vizinhos lamentarão, mas não por mim, mas porque o sossego no condomínio será quebrado, com a balbúrdia dos bombeiros em recolher meu corpo gelado. Comentarão o escândalo por eu ter sido encontrado morto pelado.
Enfim, se por acaso, não sei se obra de algum Destino ou outro qualquer Deus, morra eu ao terminar uma crônica sobre morrer no dia do próprio aniversário, falarão de mim com as letras vogais do abecedário, e me esquecerão com todas as palavras de meu vocabulário. Serei apenas outro morto esquisito, sem qualquer outro requisito, para ser homenageado, e me sentirei lisonjeado, com o discurso não proferido pelo filho preterido e pelas palavras não ditas pelo outro preferido.
Faltam, no entanto, minutos para que o dia do meu aniversário termine e ainda escrevo, o que ainda posso, e decerto o que devo. Apenas estou a escrever, na esperança de sobreviver ao final de outro texto, que é apenas um pretexto para continuar a viver.
25/06/2024, 23h23min
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.
Bom, ainda bem que a sensação profética não se realizou, embora os verdadeiros poetas jamais morram…
A esperança dos poetas é apenas que sua poesia sobreviva à sanha dos cretinos!