Silvio Santos Morreu! Ellleee Morreuuummm… (Além da Risada: O Legado do Silvio Judeu, e Como Me Tornei Ateu)

Um amigo depressivo me disse: “Nunca tive inveja do Silvio Santos, só admiração. Mas hoje sim. Ele está fora dessa porcaria toda na qual ainda estou dentro.” E eu só pude honestamente responder: — A diferença entre pessoas como você, que seguem/acreditam… Têm fé, como se diz, é que podem se conformar em morrer porque acreditam que haverá algo de bom do outro lado… Mas, acredite, meu amigo, para pessoas como eu que têm certeza de que nada há depois, só resta mesmo acreditar e fazer o que pode para ser/ter/poder/foder e qualquer outra rima com ‘er’ aqui e agora. Portanto, invejar os mortos não faz parte do meu cardápio.

Esse foi o início de uma autoanálise a partir da morte de alguém. Sempre que morre alguém, seja famoso entre muitos ou apenas famoso para mim, como acredito que para a maioria das pessoas, desperta uma consciência sobre a morte e o significado da vida. Coisa básica. Creio que o grande segredo da vida é a morte. Filosofando como no boteco, sei que essa conclusão é um tanto óbvia, mas sua obviedade depende muito de que lado o filósofo, de boteco ou de academia, está.

Silvio Santos, com sua trajetória singular, é um exemplo emblemático de como uma vida pode ser marcada por um impacto profundo na cultura popular. Desde seus humildes começos como vendedor ambulante, passando pela criação de um dos maiores impérios de comunicação no Brasil, até se tornar uma lenda da televisão, Silvio Santos não apenas moldou o entretenimento nacional, mas também se tornou uma figura quase mítica. Sua risada inconfundível e seu carisma inigualável deixaram uma marca indelével na sociedade brasileira, criando um legado que persiste mesmo após sua saída do palco da vida.

Em outro texto, falei sobre a questão do ateísmo e sobre minha conclusão de que nascemos ateus (apesar do DNA que carrega determinadas informações genéticas), mas que, imediatamente após, somos condicionados, primeiro pelos pais e posteriormente pelos nossos círculos sociais, a seguir e acreditar numa religião, deus ou qualquer entidade ou ideologia fantástica, que serve de muleta não apenas para as inseguranças humanas e nossas falhas de caráter, mas como estandarte político e guard rail social. O fato é que muita gente mundo afora deixa de cometer, ou comete, crimes não em função de leis ou algo que o valha, mas por convicções religiosas.

Isto posto e contradito, devo resumir minha “trajetória” nas crenças e religiões: nasci numa família “Católica Apostólica Romana”, meus avós eram firmes no dogma, mas já meus pais… Bem… Minha mãe era (ainda é) daquelas que vai na segunda-feira na Seicho-no-ie, na sexta no terreiro de Umbanda e no domingo na missa. Tudo muito coerente. Fui batizado, crismado, fiz primeira comunhão (aí já foi na forçada), casei na Igreja Católica (bem, depois de 10 anos juntos, mas vale). Mas sempre, desde a infância, tive meus questionamentos, entrecortados com certezas incertas ou incertezas certas.

A primeira coisa que me marcou sobre os “desígnios de Deus”, lembro que foi por volta de meus quatorze anos: meu pai, fanático por futebol (parmêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêra) assistia a uma partida entre Palmeiras e Corinthians, e naquelas entrevistas antes, o repórter pergunta ao goleiro de um time sobre suas expectativas, no que ele responde algo como: “Deus vai me ajudar e eu vou fechar o gol…”. Em seguida, ao atacante do outro time, que diz: “Deus vai me ajudar e eu vou marcar vários gols…”. Bem… fiquei ali pensando: Pois… Deus é palmeirense ou corintiano? Coisa simples, não é? Mas aquilo me acendeu a chama sobre o quão justo e equânime seria esse Deus.

Depois disso, muita coisa. Minha primeira mulher era evangélica, e até para manter as coisas equilibradas e não gerar controvérsias e instigações, embora tenhamos concordado em não nos casarmos em nenhuma igreja, para não magoar as respectivas famílias, e posteriormente não batizar filhos, etc., acabei por concordar com a opinião dela em batizar meus filhos não no culto dela, mas, pasmem, no da minha família. Para mim era apenas uma questão de paz familiar. Nada mais.

Por esse motivo, até cheguei a frequentar as várias seitas que ela se enfiou, mas era mesmo para não contrariar e mostrar que tínhamos uma família unida. Eu errei nisso. E mais ainda quando me separei e fui morar com outra, que representava a dualidade num grau máximo: por um lado, era o vício (ou melhor, a “Vícious” total) em pessoa, e não tinha qualquer resguardo moral. Por outro, como tinha sido criada numa denominação protestante tradicional, aquela em que os hinos parecem marchas militares, balançava entre a fé ferrenha e… a putaria desenfreada. Ah… Tentei os dois lados dela e me dei mal em todos.

Foi isso há vinte e poucos anos, e o que me impulsionou ao retorno ao meu ateísmo natural não foram birras com igrejas, suas hipocrisias e suas putarias, mas uma análise pessoal e simples: em todas as igrejas, seitas, denominações, etc., que frequentei, cheguei mesmo de, como se chama, coração aberto. Nunca fui de fato contrariado. Mas sempre me sentia menor, porque percebia que, na grande maioria das pessoas ali, fosse num terreiro, igreja, templo, etc., havia uma honestidade absoluta com que reagiam. Podia ser apenas autossugestão, mas aquelas pessoas sentiam o que podemos chamar de “Presence of The Lord”. Eram autênticas e sentiam, mesmo. E quanto a mim? Bem, eu me esforcei, mas nada sentia.

E foi assim. Não foi por revolta pelos crimes da Igreja Católica ou a farsa umbandista, ou mesmo a ganância do protestantismo. Isso está bem delineado no livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de Max Weber, que eu li ainda no início dos anos 1990, e que retrata, essencialmente, a diferença entre “católicos” e “protestantes”, com base nas teorias da criação do protestantismo, com base em Lutero e Calvino. “É mais fácil um camelo passar pelo furo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”… Algo assim. O protestantismo percebe, com boa dose de lógica, que: “Tá… Você é um cara bom, cumpre as leis da Igreja, mas tem que estar sempre ferrado se quiser a glória eterna”. Eles defendem que: se você é tudo isso, merece ter glórias e ganhos aqui e agora, não esperar morrer para ter. Tudo certo. O problema é que isso deu margem aos charlatães, que criaram seitas que apenas se dedicam a isso, esquecendo os fundamentos básicos do que seria uma Igreja focada na “alma”. Eles focam no dinheiro (deles), que qualquer crédulo, acreditando nessa prosperidade proporcionada por “Deus”, ofereceria.

Não tenho nada contra essas coisas. Acho que se alguém se sente bem, não faz mal a ninguém, e dá noventa por cento de seu salário a um pastor ou padre é problema de cada um. De forma alguma pregaria a extinção das religiões, porque, como disse antes, elas são, em maior instância, balizas morais muito maiores que leis ou morais. Sempre disse, a fim de não prolongar qualquer inútil debate sobre crenças, que: se você acredita, há. E como as crenças, em sua maioria, sempre pregam que há algo no “além-vida”, chego a ter certa inveja dos “crentes”, porque é muito mais doloroso ter certeza de que nada há além. Saber que, ao contrário dos que acreditam, não vou encontrar minha avó sorridente, o tio que morreu de acidente, ou outro amigo que, de propósito ou acidente, foi para além do… Ah, a eternidade do nada.

Então, acreditar pode ser consolo. Pode ser motivo. Mas, para mim, ao menos que não acredito, um motivo a mais para continuar a viver, ou ao menos sobreviver. Não, meu caro amigo… Não invejo o Silvio Santos por ter ido embora. Não invejo os mortos, embora também não tenha saudades dos vivos.

Enfim… Devo morrer aqui, sentado na cadeira da qual não desgrudo, escrevendo e criando… Ah… “O trono do meu apartamento”… Hoje, o “Silvio Santos Vem Aí…” foi silenciado pelo “Silvio Santos Esteve Aqui!”. Deixou sua marca, indelével e eterna. E sua risada será ouvida ainda durante milênios.

18/08/2024

Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador

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genecysouza@yahoo.com.br
17/08/2024 21:37

Tentei ser ateu, mas falhei retumbantemente. Não pelo medo só de pensar que não há nada do outro lado da vida, mas por entender que, por estarmos em um estágio evolutivo que deixou nossos primos primatas (gorilas, chimpanzés, orangotangos, babuínos, etc.) para trás, merecermos o nada pós-morte. Logo nós, homo sapiens, que vasculha o espaço sideral ao mesmo tempo que domina a nanotecnologia. Baseado nisso, sempre tenho comigo a ideia de que há algo lá no outro lado, não necessariamente ligada a algum tipo de fé religiosa, pronta a nos receber após passagem pela vida terrena. Tenho plena ciência de que este ponto de vista pode ser pura bobagem, um autoengano, que, de certa forma é bastante corrente, embora não confessado por milhões de seres humanos iguais (mas nem tanto) a mim.
E, já que o tema desta matéria é a morte, digo, segundo minha reles visão de mundo, ela não absolve os canalhas, tampouco canoniza os bons. Quem foi um tremendo filho da puta em vida, continuará a sê-lo após o sepultamento ou a cremação. Já quanto aqueles que demonstraram ao menos algum tipo, digamos assim, de valor moral ou coisa que o valha, sempre habitará em minhas melhores lembranças.
Nasci em uma família católica e, por óbvio, fui educado segundo os preceitos dessa religião, até o ponto em que, como sempre pensando com os meus botões, comecei a duvidar de dogmas, ritos, liturgias, hinos, tradições, até o ponto em que, mais uma vez, em minhas conclusões talvez esdrúxulas, foi o homem que criou Deus a sua imagem e semelhança, e não o contrário, pois todas as grandes desgraças promovidas pelas religiões ao logo dos milênios, foram causadas por homens e mulheres. E tem sido assim até hoje.
Também, em determinada fase da minha vida, cheguei a frequentar igrejas evangélicas, seitas, etc., em busca de algo que eu não sabia bem o que era, para no fim, constatar que muito daquilo que vi era pura picaretagem.
Quanto à Morte, por ora, prefiro que ela não perceba a minha presença. Ainda tenho muito o que fazer aqui na Terra.

Genecy de Souza
Genecy de Souza
Responder a  BarataVerso
18/08/2024 19:27

Sim. É por aí.

Celso Moraes F
Celso Moraes F
17/08/2024 18:03

Belo texto. Como texto, tecnicamente. Mas eu ri em algumas partes pela fragilidade dos argumentos e pelos erros crassos de raciocínio. Balizar crença religiosa a partir de uma coisa tão supérflua, banal e desnecessária quanto o futebol chega a ser hilário. Embora eu respeite sua opinião (esse respeito é a base de toda amizade, e se não fôssemos amigos, não teríamos tido a conversa que originou seu texto tecnicamente bem montado, mas carente de qualquer base (na minha ótica, claro).
Não acredito no ateu. O ateísmo só impera em dois casos: quando a linha do desespero ainda não atingiu seu apogeu, ou (caso vá até o último suspiro) quando a mente da pessoa está totalmente dominada pelo único a quem o ateu interessa (embora esse ateu não creia nesse que leva vantagem no ato de não crer). Talvez seja um desses o seu caso, ou, numa terceira via, ainda haja esperança para você [afinal, se como dito no texto você se tornou ateu, pode ser que uma segunda mudança o coloque de volta do lado certo (certo para mim, óbvio, mas como a minha convicção é plena, certo sempre).
Como falamos ainda hoje, um de nós está errado. Não acho que nos encontraremos do lado de lá para eu poder dizer TÁ VENDO? EU TAVA CERTO!, embora a gente provavelmente vá para o mesmo lugar (afinal, não é porque você não crê que o Inferno não existe e é para lá que você vai, ironicamente, por não crer nele [segundo a Teologia na qual creio]). É uma espécie de sarcasmo, chega quase a ser poético, o que crê e o que não crê terminando no meio do mesmo sofrimento indescritível e eterno. Pois embora eu creia no Céu, tenho errado demais na vida para ser merecedor dele.
Pelo menos o texto ficou bem escrito. E que mais conversas nossas rendam textos tecnicamente bons. Abraço, amigo Barata!

Barata Cichetto
Administrador
Responder a  Celso Moraes F
17/08/2024 19:31

Celso: o exemplo que dei, com relação ao futebol, não é um argumento para o meu ateísmo, portanto não pode ser considerado como tal, nem um erro de raciocínio, portanto. Creio que esteja bem claro a idade que eu tinha, e ponteei que foi minha primeira inquietação e questionamento com relação à crenças.
Ademais, também acredito que ninguém se torna ateu, como está descrito, mas se torna religioso, e que ao ateísmo é um retorno a seu estado natural. Se pode haver um retorno do retorno e um dia eu me tornar crente em alguma deidade ou dogma? Sim pode, mas não vejo isso acontecendo. No mais, não me coloco como acima de nada nem de ninguém por ser ateu (aliás, odeio essa palavra, e só a uso para poder ser entendido).
Particularmente não sinto falta de qualquer entidade, e como escrevi, não sinto nenhuma presença não-carnal. Em suma, respeito todos os religiosos, mas abomino todas as religiões. Mas também não estou numa disputa de quem está certo. Não estou querendo provar nada, mesmo porque só está errado quem tem certeza, e não a tenho de nada.
E, sim, também espero que nossas conversas rendam outros temas. Obrigado, amigo Celso Moraes pelo comentário honesto. Abraço!

Celso Moraes F
Celso Moraes F
Responder a  Barata Cichetto
17/08/2024 20:12

Continuamos concordando em discordar, mas sempre com respeito e consideração. Honestidade sempre, como só os amigos de verdade podem ser. Segue o fluxo, nem que seja por luxo!

genecysouza@yahoo.com.br
Responder a  Celso Moraes F
17/08/2024 21:47

Parabéns a ambos pela boa exposição de seus pontos de vista. Seria ótimo se o diálogo entre posicionamentos divergentes fossem equilibrados e respeitosos como esses.

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