A razão das discussões sobre o Rock ser de direita ou de esquerda não chegarem a uma conclusão plausível, não é porque não é possível fazer ligações entre manifestações artísticas/culturais e políticas ou porque há uma espécie de “aura divina” no Rock que o coloca acima de qualquer tipo de pensamento, comportamento ou cultura humana, mas porque as pessoas não entendem, o que de fato, são as manifestações sociais, comportamentais e culturais que nos referimos como “de esquerda” e “de direita”.
Primeiramente, o que chamamos de esquerda e direita não é algo puramente político ou puramente econômico ou uma mescla dos dois (como muitos acreditam ser), nem tampouco são dois polos puramente simbólicos e estéticos que nada têm a ver com qualquer tipo de objetividade cultural, social ou comportamental, mas são dois tipos de culturas que são produto de dois instintos/comportamentos primordiais que são a base da psiquê e da evolução humana. A cultura esquerdista é impulsionada pelo nosso instinto feminino de socialização (que surgiu e se concretizou de maneira mais complexa e intensa com o surgimento dos mamíferos, o cuidado dos bebês e a formação das tribos) que deseja fazer parte de um grupo e de relacionamentos com uma predisposição de se adaptar e sacrificar os desejos e impulsos individuais com o objetivo de agradar “o outro” e criar uma aliança, um vínculo social e uma identidade coletiva, ou seja, formar uma tribo ou relacionamento, participar dele e ser protegido e satisfeito por ele. Sua principal função evolutiva é a preservação e a sobrevivência através da socialização e da participação de grupos (participar de uma grande tribo lhe dá proteção contra predadores e de outras tribos menores e mais fracas). Esse instinto é mais visível e intenso, de modo geral, nas mulheres, que evolutivamente desenvolveram a empatia e o sacrifício individual para se importarem e cuidarem dos bebês e aceitarem serem protegidas pela tribo ou seu companheiro, enquanto cuidam de sua prole. É o princípio de prazer manifestado socialmente, a satisfação dos prazeres mais básicos, como ser amado, aceito e apreciado, a busca pela vida, a paz, a satisfação dos impulsos básicos e a evitação da destruição, do perigo e das brigas externas e internas (é aqui que se entende a busca obcecada e desesperada da esquerda em criar um grande mundo de “espaços seguros” em que não se pode haver qualquer tipo de conflito, discriminação e preconceito. Mas este mundo ideal é basicamente uma cópia terrena do Paraíso cristão, que busca a mesma coisa, mas num mundo espiritual pós-morte. Esta é uma dinâmica grupal que busca passividade total dos indivíduos numa paz estática, artificial e totalitária). Mitologicamente, esse instinto é muito bem representado na cultura indiana, por Vishnu, a deusa da preservação, da vida e da paz. Ela sempre defende a humanidade de catástrofes e criaturas perigosas e mantém a paz e a vida. Suas ações acabam sempre levando, não à transformação da sociedade humana, mas à preservação da mesma, da vida, de sua estrutura, costumes e pensamentos.
A cultura direitista é exatamente o oposto de tudo isso, é o instinto masculino individualista, o comportamento antissocial e agressivo, é o nosso ego, a vontade de ser livre das amarras de outros, a soberania e a vontade de poder. É também a vontade de destruir tudo aquilo que está em nosso caminho e nos incomoda ou nos ameaça, inclusive aquilo que odiamos em nós mesmos (autotransformação e autorrepressão). Em termos de sobrevivência, é o instinto de destruir tudo aquilo que é uma ameaça à nossa vida, antes que ele nos destrua. Em termos sociais, é o individualismo, a independência, a autossuficiência e nosso instinto antissocial. É a vontade de transformar o mundo e a nós mesmos segundo nossos próprios parâmetros e ideais individuais. Em termos sociais, significa a oposição a tudo aquilo que impeça ou diminua a liberdade individual, especialmente à submissão total a uma grande instituição ou pessoa. O ego sempre irá priorizar a si, e, se faz algo por outros, é por sua vontade individual e egoísta de concretizar uma realidade que deseja em relação a essas pessoas, mas não por via do sacrifício no sentido de ser algo contra a sua real vontade. É motivado pelo instinto de morte e do comportamento antissocial, que não liga em ser aceito ou apreciado, mas em conquistar e alcançar o que se deseja e acredita. E muitas vezes isso envolve destruir ou se opor a forças vigentes que estão em seu caminho. A não submissão a outros e a autarquia, a autonomia e a autenticidade são as virtudes desse instinto. Continuando com a mitologia indiana, Shiva, o deus da destruição e, consequentemente, da transformação (que é a consequência da destruição), é uma ótima representação desse instinto básico humano. Em termos práticos, é interessante perceber que as correntes hinduístas que veneram mais Vishnu são mais pacifistas, coletivistas, empáticas e femininas, enquanto que as que veneram mais Shiva (que têm uma ênfase maior na prática da yoga) são mais ligadas à iluminação individual, à autotransformação e às práticas difíceis e destrutivas como os extensos períodos de meditação e de jejum, que são uma espécie de tentativa de fortalecimento espiritual e mental individual.
A verdadeira oposição entre esquerda e direita, agora em termos mais políticos, econômicos e sociológicos, é a oposição entre altruísmo, tribalismo, coletivismo e, consequentemente, o socialismo (esquerda) ao egoísmo, soberania individual, individualismo e, consequentemente, o capitalismo (direita). Como a grande maioria define direita e esquerda em termos puramente simbólicos/estéticos ou então políticos/econômicos, não entendem que os fundamentos para esses dois tipos de manifestações culturais e comportamentais humanos possuem raízes muito mais profundas, cuja origem está no desenvolvimento, na evolução e na própria estruturação da psiquê humana.
O movimento direitista predominante atual é “contaminado” pela cultura e os instintos esquerdistas. É por isso que a direita é claramente incoerente e não consegue, de maneira alguma, se tornar um movimento cultural forte e consistente em suas bases e ações, sendo uma oposição, na melhor das hipóteses, puramente simbólica e superficial. Ela é contaminada pelo altruísmo cristão, pelo coletivismo nacionalista, militarista e igrejista e confunde e entende que valores morais individuais soberanos só podem ser alcançados por “bons costumes”, produtos da religião, em especial pelo altruísmo cristão (que é uma moral coletivista, mas de modo geral, menos coletivista que o comunismo, já que há espaço para a responsabilidade individual nas questões dos pecados e da salvação individual). O resultado é que o movimento direitista atual está mais à direita que a esquerda, de fato, mas ainda é esquerdista em boa parte de sua estrutura básica e acaba se opondo, de fato, à esquerda, apenas em alguns aspectos, como os aspectos econômicos (capitalismo) e políticos (diminuição do Estado).
Agora fica muito mais fácil entender o porque o Rock é “de direita”. O Rock não é de maneira alguma coletivista, muito menos altruísta e não pertence de jeito nenhum aos “bons costumes” ou a qualquer tipo de submissão a alguma religião ou organização social. É, na verdade, um estilo musical inspirado exatamente pelo oposto de tudo isso. Na minha experiência pessoal, quando escuto Rock, sinto vontade de ser eu mesmo, fazer o que eu quiser, sem me importar com os outros, com a sociedade ou padrões e normas sociais. Sinto a “vontade de poder” nietzschiana, de ir além, buscar, lutar e concretizar o que eu quero, sem me importar com a opinião alheia. Sinto o instinto de “destruir”, de me rebelar e me opor a tudo aquilo, que no fundo de minha alma, sou contra ou repudio. De transformar o mundo, minha vida e a mim mesmo à minha maneira, para um ser mais forte, autônomo e autêntico. De mudar e concretizar o que eu quero, seja externamente ou internamente e de maneira ativa e individual. Já podemos concluir aqui, que o fato da direita se inspirar, ao mesmo tempo, no Rock, no altruísmo cristão e na submissão/disciplina institucional militar-nacionalista, é na melhor das hipóteses, um delírio coletivo, uma falta de bom senso do tamanho do Universo Observável.
Sei muito bem que aqui, muitos irão dizer: “olha lá, o cara se comporta que nem um revolucionário marxista e acha que é de direita, que é na verdade, seguir bons costumes cristãos”. Bom, primeiramente, o cristianismo não é uma real e total oposição ao marxismo, ele é, na verdade, a base cultural, instintiva e simbólica do marxismo. Ambos buscam, no final das contas, que todos vivam num paraíso sem conflitos, em paz e harmonia (paraíso cristão/comunista), em que todos são iguais (perante a Deus/socioeconomicamente), ambos sempre priorizam os mais fracos e o “próximo” (altruísmo), ser cristão/marxista será melhor para a sociedade(coletivismo), todos devem ser submissos a uma autoridade máxima (Deus/Estado ou Coletivo), eu devo seguir normas coletivas priorizando “o outro”(moral cristã/politicamente correto), no final da História, todos seremos iguais e a Justiça Social se concretizará(Juízo Final/Fase final do comunismo). Ambos são inspirados primordialmente pelo instinto feminino de se anular em favor dos outros para se concretizar um paraíso futuro em que todos os problemas serão resolvidos e todos estaremos seguros. A única coisa, que de fato, o cristianismo tem parcialmente de direita, é a ideia de que você é julgado por Deus pelas suas ações individuais, a ideia de responsabilidade individual, mas ainda assim, o julgamento de Deus segue uma lógica altruísta, coletivista e exige submissão em todos os sentidos, à sua autoridade, de maneira inquestionável e absoluta, o que nesse aspecto, é mais esquerdista que o próprio marxismo, que exige uma submissão de ordem mais social e econômica e não necessariamente total, absolutamente e metafisicamente (existem correntes moderadas de esquerda, pra quem não sabe, mas em todos os cristianismos a submissão a Deus é sempre total e absoluta). Ser revolucionário, no sentido de mudar uma estrutura e ordem social e cultural X para uma desordem ou ordem Y, não é ser de esquerda nem de direita. Tudo depende de qual ordem o revolucionário quer destruir, se for uma ordem esquerdista, esse revolucionário será direitista e vice-versa. Revolucionário, vem de revolução, que significa mudança drástica. Interpretar revolucionários como sinônimo de esquerdista, é fazer uma associação puramente estética e/ou uma interpretação histórica errônea, na construção de um conceito é que ahistórico e universal.
Pensando de maneira mais direta e intuitiva, o Rock irá questionar e estimular a derrubar, seja qual for a ordem estática vigente, seja ela cristã, marxista, islâmica, hindu ou de qualquer outro tipo. Ele busca inovação, autonomia, a exploração de novos caminhos, a experimentação e a rebeldia. A vontade de poder, de destruição de tudo aquilo que nos revolta ou nos incomoda, especialmente a hipocrisia e o “bom-mocismo”. Ele acaba sendo uma espécie de anti-herói no universo da música, é uma vontade destrutiva e violenta, mas que acaba trazendo o bem de nos libertar da hipocrisia, da desonestidade, da passividade e da submissão. O Rock é antissocial, individualista, egoísta e é claramente motivado por instintos masculinos de força, dominação e destruição. É a nossa “sombra” e nosso impulso de morte e destruição por padrões limitantes que levam à submissão manifestados musicalmente no seu ritmo, harmonia, melodia e letras. Inclusive uma das razões do Rock “estar morto” atualmente, no sentido de não ter nem de longe a relevância cultural na sociedade, como ele tinha várias décadas atrás, é exatamente por esse problema: dentro da opressão da ordem vigente esquerdista, aqueles que supostamente se opõem a ela, são, em boa parte, “bons-moços”, altruístas, defensores dos “bons costumes”, cristãos e desejam submissão à Igreja, ao Exército ou a um governo nacionalista. Como o Rock, que é o estilo musical da revolta, da destruição, da inovação e da transformação da realidade e do status quo, pode surgir dos esquerdistas que estão no poder? Impossível. E entre os direitistas? Sim, é possível ele surgir de pessoas de direita que manifestam revolta à dominação esquerdista, contudo, os direitistas, na sua grande maioria, não irão apreciar esse estilo musical (a não ser que seja rock gospel ou católico, que são para mim uma aberração e até mesmo um insulto ao estilo musical), portanto, o Rock ainda existe como produção solitária e isolada, mas não mais como apreciação cultural relevante em massa que transforma e define os rumos e o ethos (costumes) de nossa sociedade de maneira relevante e estrutural. O Rock não parou de ser produzido, muitas pessoas ainda produzem Rock de alta qualidade, ele parou de ser ouvido e apreciado pela sociedade em geral, tanto na esquerda quanto na direita. A única maneira de reviver o Rock, em termos práticos, é a direita se descontaminar de suas crenças e costumes esquerdistas e ser uma real oposição, agressiva, forte, inovadora e individualista, à atual ditadura esquerdista mundial.
Prometheu Jr., nascido em um dia qualquer no final do século XX, é um escritor e filósofo brasileiro. Doutor em Filosofia e Psicologia. Possui apenas um livro: “Marxismo: O Irmão Gêmeo do Mal do Cristianismo”. É também um Livre Pensador.