Imagem Criada Com IA (IdeogramAI)

Sonhos de Grandeza de Um Rebelde Desiludido

Atualizado em: 25/08/2024, as 06:08

Em meus sonhos de grandeza — e entenda-se grandeza não como sinônimo de empáfia e arrogância, mas simplesmente de reconhecimento por um trabalho que tem ao menos cinquenta anos, pela poesia, arte e especialmente Liberdade de Expressão — fico imaginando meus filhos, aqueles que há quase uma década simplesmente esqueceram que um dia existi e lhes dei o melhor de mim, às ex-sirigaitas — ops, ex-esposas — que tiraram o que eu tinha, e que não era dinheiro, ex-amigos que um dia juraram que eram irmãos, mas que se tornaram inimigos por suas próprias covardias, pensam quando leem algo que escrevo, seja no BarataVerso ou — com menos frequência — em redes sociais. Decerto usam palavras pesadas para se referir a mim… Talvez… Velho! Idiota. Pretensioso. Mentiroso. Hipócrita. Grosso. Sujo. Analfabeto funcional. Broxa. Ridículo. Bem, é possível que o alfabeto não comporte tantos adjetivos negativos que possam me qualificar. Mas, como me definir é problema deles e não meu, deixo que gastem seus abecedários com palavras tolas e imprecisas, já que é deles o juízo, não meu. Tudo o que fiz durante mais de seis décadas de vida, garanto-lhes, nunca foi por glória, nunca foi apenas por dinheiro, nunca foi por fazer parte de nenhum panteão ou academia. Tudo o que fiz, desde que por gente me reconheço, foi em parte para buscar a aceitação dos meus pares, e depois, claro, em busca de reconhecimento pelos meus feitos, já que pelos defeitos eu já era naturalmente reconhecido.

Mas de fato e de direito, como eu poderia esperar reconhecimento de quaisquer pessoas que fossem ex-alguma coisa? Sejam ex-namoradas, amigos, e até ex-pais e ex-filhos (sim, isso existe). Como eu poderia esperar reconhecimento ou qualquer atitude positiva de quem sempre torceu para que o resultado da minha conta fosse negativo? Nem vou dizer que tenho minha consciência tranquila com relação às minhas atitudes, e que durmo bem à noite porque isso é a mais pura balela. Afinal, assassinos, estupradores e políticos também dormem, tranquilamente, mesmo que seja à custa de drogas (legais ou ilegais, a seu gosto e capacidade financeira). Digo que tenho a mais fiel e absoluta certeza que sempre busquei ser o contrário do que não foram comigo. O “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem contigo”, e mais abrangentemente o sentido amplo de “walk a mile in my shoes”, sempre foi o mote de minha existência, e o principal pilar do que almejei e procurei atingir na educação de meus filhos. Claro, eles também não reconhecem isso, e já declararam pública e particularmente. E o que isso, ao me aproximar dos setenta anos de vida, me importa? Nada, reconheço!

Eu comecei falando dos meus sonhos de grandeza, e de como imagino determinadas pessoas do meu âmbito, digamos, círculo “familiar” e “social”, mas não é deles que realmente quero falar. Como imaginei coisas grandes, vislumbro cenas muito mais grandiosas… Imagino um Ministro do Supremo, ou até mesmo a mulher do Presidente — a mulher, porque o próprio é analfabeto — lendo algum dos meus textos na Internet, por um simples acaso ou indicação de algum jagunço ou jagunça (existe isso? Ah, não sei, porque parece que nunca se conheceu alguma mulher jagunço), que pode muito bem ser um dos enumerados nos primeiros parágrafos. Decerto a primeira crítica seria com relação ao meu nome literário: “Barata”. Claro que irão rir, dizer que é um inseto nojento, tão nojento quanto eu deva ser. Se for uma mulher, uma Primeira-dama, chamará o marido, e, depois de uns gritinhos, dirão que tem uma Barata na sua roupa, mais que uma mosca na sua sopa. E se for homem, daqueles que o H virou U de útero, soltará um gritinho e chamará a empregada para matar. E dá-lhe (ou dá-me) chineladas. Chamarão até o DDDrin, porque antes era assim. É claro, eles não saberão que Barata é pela capacidade de resistência (só não arranquem a cabeça), e principalmente por ser um ser derivado de uma metamorfose kafkiana (kaf-o-quê?). Isso seria pedir demais ao séquito legislativo, judiciário e prostitutivo da nação.

Passado o susto inicial, do autor com codinome nojento, se debruçarão — de bruços mesmo — ao texto que não conseguem entender. “Como assim? Mistura política com putaria? O que isso tem a ver?” Decerto perguntarão, não a si, porque políticos, putas e paspalhos nunca perguntam a si próprios, mas a seus puxa-sacos e assessores. E aguardarão a resposta até que esses busquem na Internet quem é esse ser rastejante que ousa confrontar a mais alta, fidalga e fidedigna corte de beneficiários do público poder. Pode parlamentar assim? Ofendendo a força farsante da fodida federal facção federativa e funcional funcionando na frenética e frustrada federação dos fascistas fiéis a Fidel? Como? Como pode esse “artrópode”, que nem mais fode, achar que o bode sem segredo e a maldição sem dedo são o mal enraizado? Como assim, esse degenerado, esse desregrado, esse maltratado, dizer o que pensa e o que o consome, sem sequer dizer seu nome? E sem ao menos usar um pronome neutro? E esse seu tal de sobrenome? Parece coisa de carcamano, não um codinome. Coisa de quem tem fome.”

Imagino assim, nos meus sonhos de grandeza, de um escritor, poeta e outras perfídias, cenas de cair o queixo: a “Primadona” ajeitando seus óculos de grau falso – que a deixam com jeito de intelectual – horrorizada com minha arrogância, para depois recorrer a todos os seus dez dedos para obter sua prazerosa substância. Depois o representante do Legislativo, informado do meu inconcluso objetivo, apelando ao substantivo para declarar que o substitutivo é inconclusivo e que apela então ao Executivo, que sobre o nocivo e relativo “insetivo” decisivo, se instaure um decisivo e não paliativo “decretivo”, para que o ser “invivo” “inviva”. E que então o Judiciário, no horário e com honorário e penitenciário, aja reacionário e inflacionário, como se o tal expedicionário fosse um penitenciário, condenado a um oitodejaneiramento imediato, num moderno alojamento na Papuda, sem poder contar com advogado ou ajuda. Porque, imagine, caro revolucionário, o que seria da Ordem Mundial, se um poeta escritor, um verdadeiro animal, pudesse nos dizer que somos o mal. Imagine, companheiro, se um merda de um pensador sem academia nem dinheiro, pudesse ser ouvido… Nem que seja num banheiro.

Fico imaginando a cena, um tanto obscena, na cama que custa uma Mega-Sena, da Rosângela e do Ignácio, lendo uma das minhas vomitadas. E depois chamando o estafeta de terno e óculos escuros, mandando buscar o tal do Inseto. Ergue o punho de mão sebenta, exibindo seu relógio de oitenta mil dinheiros e decreta aos companheiros, que esse tal de Barata, “se nois num mata é até capais de vira lá da tal cademia um imortal. Qui nem o outro Ignácio. Intão é bão nóis mandá ele logo pro colo do capeta, e beber nossa cachaça im pais.” — Pano rápido e pausa para mais um drama de pijama na cama da Prima-dama.

Fico comigo rindo, imaginando o Magistrado sem cabelo, a Primeira-dama sem vergonha e qualquer outro Legislador, primo do cunhado do Ditador, lendo qualquer coisa que eu, apenas um estúpido ex-filho, ex-pai, mas nunca ex-pensador, tenha escrito. (Eu disse “rindo”, mas é daquele riso nervoso, de quem tem medo, mesmo), de que seja quem for, encare o que escrevo como algum atentado à tal da Democracia que tanto defendem, e que então eu possa acordar ainda de madrugada, tendo na minha cabeça apontada uma espingarda. É porque não duvido que algum desses e dessas ex, a troco de um emprego público, de um ato impúdico ou por apenas se sentirem “bons camaradas”, como os de Hitler ou Stalin, digam onde moro, o que como e afirmem ao Legislador que represento extremo perigo, porque afinal, como ex-filho, ex-pai, ex-amigo, eu represento perigo, porque não sou comunista nem socialista, não sou ciclista nem anarquista, e, pior, sou um indivíduo individualista.

Na minha infinita tristeza, confronto minha ilusão de grandeza, e na minha pobreza, imagino a riqueza que eu teria com minha falta de nobreza. E penso para onde eu iria sem dinheiro e sem passaporte, se por sorte, tocasse a campainha um representante do Senado, um Deputado ou um Delegado? Para a América? Ou para a Península Ibérica? Deveria ligar para o “Vermelho” ou cair de joelho? Devo pedir desculpas, e dizer que tudo um mal entendido ou mal explicado? Ah, meu apartamento só tem uma porta… Então o que faço? Pulo pela janela? Ligo para um advogado? Quem, se qualquer um foi revogado? Devo rezar ou condenar os deuses por outra cagada? Certo… Se existisse algum desses deuses, ao menos em meus sonhos de grandeza, não haveria tanta injustiça e tristeza. Não haveria doenças que matam os justos e dão aos ditadores a frieza. Houvessem deuses, e eu não estaria sonhando apenas, mas sendo recompensado pela minha grandeza.

22/08/2024

Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador

COMPARTILHE O CONTEÚDO DO BARATAVERSO!
Assinar
Notificar:
guest

0 Comentários
Mais Recente
Mais Antigo Mais Votado
Inline Feedbacks
Ver Todos os Comentários

Conteúdo Protegido.
Plágio é Crime!

×