Art by Barata

Um Álbum Dentro da Sua Cabeça

Atualizado em: 27/07/2024, as 07:07

Ele está dentro das cabeças. Também está nas linhas de produção, nas resenhas. Está entre os primeiros de toda e qualquer lista dos melhores entre os melhores de todos e quaisquer tempos. E não para de vender. Nunca. Sei disso por experiência própria. Nunca vi unzinho sequer nas cestas de liquidação das lojas de discos físicas ou virtuais (neste caso, você jamais o verá ao lado de uma obra [do verbo obrar]da Claudia Leitte ou do Naldo), tampouco nos supermercados e grandes magazines, onde ele seria só mais um item de venda, tal qual um par de meias, um perfume, um pacote de biscoitos ou uma cerveja. O objeto do amor desmedido de milhões de fãs mundo a fora – e de ódio de alguns milhares –. E é bom que seja assim. Quando toda unanimidade não é burra o bastante é, no mínimo perigosa, por causa da padronização cada vez mais crescente, nestes tempos da circulação instantânea de ideias e ideais mais que suspeitos, e da obsolescência deles no dia seguinte. É que o tempo passa rápido demais nas cabeças que pensam de menos. Ou nem isso.

De 1973 até o momento em que escrevo estas singelas linhas, quantas rotações e translações a Lua fez? Quantos eclipses? Quantas fases? Seguramente esses fenômenos nem chegam perto dos mais de 50 milhões de álbuns vendidos – jamais se saberá o número exato – no mundo inteiro. Poucos são os álbuns tão festejados, amados, idolatrados e, no caso dele, incompreendidos ou interpretados de forma equivocada, basta lembrar aquela associação com o filme O Mágico de Oz, algo mais afeito a teoria da conspiração do que a um sentido no mínimo coerente. O Lado Escuro da Lua é um álbum que basta a si mesmo, ou seja, ganhou personalidade própria de tal maneira, que chega a ser maior que o Pink Floyd, o quarteto fantástico do rock, que, ao menos não intencionalmente, o imaginou e o construiu tal qual uma escultura de Michelangelo, um quadro de Leonardo Da Vinci ou um filme de Charles Chaplin. Presumo que Roger Waters, David Gilmour, Rick Wright e Nick Mason, perfeccionistas obstinados, desejassem apenas produzir um disco de space rock & sciencefiction para vender bem, tocar nas rádios, fazer lotar os shows. Passados um ou dois anos, produziriam outro álbum, repetindo o ciclo comercial da poderosa máquina da indústria do entretenimento. Contudo, não foi bem assim que a coisa aconteceu; o feitiço tomou conta do feiticeiro, daí a personalidade própria a que me referi linhas acima.

O “disco do prisma” está dentro das cabeças, sim. É impossível que um reles mortal não reconheça como familiar o carrilhão ribombante nos movimentos introdutórios de “Time”, que nos meus tempos de criança era utilizado como jingle de anúncio de filmes de terror na TV, vender relógio, ou, como fundo musical para qualquer tema que tratasse de mistério, terror, discos voadores — coisas do outro mundo –, enfim, um LP de mil e uma utilidades. Por outro lado, a utilidade do disco, que é a de fazer pensar o ser humano – eu, você, eles, nós – ante aos muitos dilemas que transformam o simples fato de existir – respirar, comer, correr, trabalhar, amar, sonhar, morrer – em um desafio a que muitos não se atrevem. Nunca foi tão difícil viver no século 20. Nem no 21.

The Dark chegou até mim por volta de 1986, em um momento em que estava procurando ouvir rock com outros ouvidos. Li em alguma revista sobre o poder transformador do rock ou coisa parecida, e o Pink Floyd era uma das bandas citadas. Ainda era forte o impacto que o filme The Wall causara em mim em 1982. Lembro do cinema, que teve a fachada pintada imitando a capa do álbum. E eu não sabia o que ou quem era aquele tal de Pink Floyd. Só sabia que Another Brick On The Wall Part II era um sucesso “feito para dançar”. A cultura musical se restringia a umas poucas revistas; tudo era muito difícil, principalmente para quem tinha pouca ou nenhuma grana, como eu, e que, para piorar, morava numa cidade (Manaus) que era então um ponto distante no mapa. Ainda assim, aquela banda de músicas complicadas me conquistou por completo quando os batimentos cardíacos, os relógios e os risos me disseram que eu tinha entrado em um caminho sem volta. Que bom.

Decorridos mais de quarenta anos do seu lançamento, The Dark Side of The Moon continua sendo interpretado e explicado de muitas maneiras, sobretudo filosóficas. Sim, certos álbuns de rock são verdadeiros tratados filosóficos, visto que há muita coisa além dos riffs de guitarra e da megalomania infelizmente a eles associadas, e da egolatria large than word que abasteceu a fúria punk. Em muitos casos, devemos valorizar e admirar – mas não idolatrar – as qualidades da obra, não os defeitos do artista. E essa obra-prima do Pink Floyd é o tema de vários livros, muitos artigos e documentários, que tentam explicá-lo, facilitando a vida do ouvinte. No entanto, cada frase, cada efeito sonoro, cada nota musical, indicam que cabe ao ouvinte a tarefa de interpretá-lo da maneira mais pessoal possível. Explicar o álbum aqui consumiria umas dez edições da Gatos& Alfaces.

Recomendo dois livros bastante interessantes, os quais, se não desnudam o álbum por inteiro, ao menos o melhoram o entendimento a respeito: The Dark Side of The Moon – Os Bastidores da Obra-Prima do Pink Floyd (John Harris) – Jorge Zahar Editor; e Pink Floyd e a Filosofia (Coletânea de George A. Reisch) – Editora Madras. Ambos os livros revelam boas surpresas, fazendo o leitor-ouvinte ouvir o disco com outros ouvidos, como fiz com o rock em 1986, e sem direito a caminho de volta.

The Dark Side of The Moon – Os Bastidores da Obra-Prima do Pink Floyd (John Harris) – Jorge Zahar Editor

 

Pink Floyd e a Filosofia (Coletânea de George A. Reisch) – Editora Madras.

The Dark Side Of The Moon
Álbum de Estúdio
Lançamento: 1 deMarço de 1973
Gravação: Junho de 1972 a Janeiro de 1973
Duração 42:30
Gravadoras: Harvest Records (UK) Capitol Records (US) CBS/Columbia (Outros Países)
Produção: Pink Floyd

Texto publicado na 3ª edição da revista “Gatos & Alfaces“, Maio 2014

Genecy Souza, de Manaus, AM, é Livre Pensador.
Possui textos publicados na revista digital PI Ao Quadrado e na revista impressa Gatos & Alfaces.

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