Num mundo onde a verdade se tornou um espetáculo barato e a virtude foi substituída pela conveniência, eu me pergunto o que Diógenes de Sinope pensaria de nós. Nosso filósofo cínico, que outrora habitava um barril, hoje, encarnado em meu espírito, vive numa quitinete apertada, cercado não por cães, mas por gatos, que, tal como ele, parecem eternamente indiferentes ao vaivém frenético da humanidade.
Diógenes, em sua busca incansável por virtude, andava pelas ruas de Atenas com uma lanterna acesa em pleno dia, procurando um homem honesto. Se estivesse entre nós hoje, essa lanterna estaria em minha mão, procurando algo ainda mais escasso: alguém que acredite na liberdade. Ah, a liberdade! Como uma miragem no deserto, uma promessa que se dissolve no calor sufocante da realidade. Onde estão os honestos? Onde estão os livres?
Lembro-me do encontro lendário entre Diógenes e Alexandre, o Grande. O conquistador do mundo, impressionado pela austeridade do filósofo, ofereceu-lhe qualquer coisa que desejasse. E Diógenes, com a simplicidade devastadora de sua sabedoria, apenas pediu que Alexandre saísse da frente de seu sol. Que cena magnífica, que ironia crua! Hoje, eu vejo um outro Alexandre, que não o Grande, mas o Moraes, encarnando a pompa e o poder. Se esse Diógenes moderno tivesse a oportunidade de confrontar esse novo Alexandre, ele provavelmente diria algo similar: “Saia da frente da minha liberdade.”
Mas nossa sociedade não é apenas feita de Alexandres. Existe também o frango depenado, aquela resposta afiada e simbólica de Diógenes a Platão. Hoje, em vez de penas, depenamos nossas convicções, nossas crenças, até que não reste nada além de uma casca vazia. Vivemos na ilusão de que nos tornamos mais sábios, mais avançados, mas somos apenas frangos depenados, expostos à crueldade da nossa própria hipocrisia.
O Diógenes moderno, em sua quitinete, observa a vida através de uma lente de ceticismo. Ele vê pessoas correndo atrás de sombras, trocando sua integridade por migalhas de aprovação. Ele vê a liberdade se tornar uma palavra vazia, usada como moeda por aqueles que detêm o poder. E assim, ele continua, lanterna em mãos, gato no colo, procurando desesperadamente por alguém que ainda acredite.
A cada dia, a luz da lanterna de Diógenes moderno se torna mais fraca, ofuscada pelas trevas da desesperança. Ele não busca mais um homem honesto, pois percebeu que a honestidade é um luxo raro. Agora, ele busca aqueles poucos que ainda acreditam na liberdade, que ainda têm a coragem de desafiar os Alexandres deste mundo.
Mas a pergunta permanece: conseguirá ele encontrar esses poucos antes que a chama de sua lanterna se apague para sempre? E nós, seremos apenas espectadores dessa busca interminável, ou teremos a coragem de acender nossas próprias lanternas e unir-nos a ele na escuridão, procurando pela verdadeira luz que, embora tênue, ainda pode brilhar?
Enquanto isso, o sol continua a brilhar, indiferente aos poderosos e aos humildes. E o espírito de Diógenes, moderno ou antigo, nos lembra que, por mais sombrios que sejam os tempos, a busca pela verdade e pela liberdade nunca deve cessar. Mesmo que a luz da lanterna vacile, a esperança de encontrar algo genuíno deve perdurar.
E eu, Barata Cichetto, o “filósofo de pés sujos”, que, tal como Diógenes, desprezo as convenções sociais e as vaidades materiais, com minha poesia crua e críticas afiadas, lembro a todos que a sujeira em nossos pés não é nada comparada à imundície de nossas almas. Caminhando pelas ruas sujas de nossas cidades com a mesma irreverência de Diógenes, desafio a todos a encararem nossas hipocrisias e a buscar uma verdade que vá além das aparências. Compartilho com Diógenes mais que um espírito crítico; provoco-vos a ver o mundo como ele realmente é, despido de ilusões.
20/07/2024
Barata Cichetto, Araraquara – SP, é Criador do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.
Caramba demais essa crônica!Super interessante.
Já eu moro em um Ap apertado sem a companhia de cães ou gatos, até gostaria. Mais aqui tudo proíbem. E na solidão salva-me as poesias do grande vazio sem os bichos de estimação.
Cichetto você tem cérebro maravilhoso Eu amo suas filosofias e crônicas.
Obrigado, Mara! Minhas filhas-meninas-velhas-felinas são minhas companhias, minha família e minhas guardiãs.