Atualizado em 02/11/2024 as 13:13:34
Walter Hugo Khouri nasceu em São Paulo, em 21 de Outubro de 1929, filho de pai libanês e mãe italiana. Com a morte do pai, vai morar com o avô no Rio de Janeiro, onde cursa o ginasial. Antes de terminar o colegial volta a São Paulo, termina os estudos e, em 1949, ingressa na Faculdade de Filosofia da USP, onde conhece Nadir, com quem se casaria pouco depois, vivendo juntos até o falecimento de Walter em 2003.
Sobre seu sobrenome, o próprio Walter Hugo relata: “Às vezes, a gente vê que a cara da pessoa não corresponde ao nome. Esse nome, o nome Khouri, todo mundo sabe que é um nome religioso, significa “padre”, é um nome de proteção dos cristãos contra os muçulmanos. De verdade, é de uma família que no Líbano seria Kutait e na Grécia seria Kutaito, é um nome que teria uma tradução como existe aqui Cúria Metropolitana e Le Cure e Cura, em todas as línguas latinas e do Ocidente esse nome passou (…)”.
https://www.portalbrasileirodecinema.com.br/khouri/extras/05_01.php
Na Faculdade, entretanto, não chega a concluir o curso, pois em 1951 vai trabalhar nos estúdios Vera Cruz, como assistente de Lima Barreto em “O Cangaceiro”. No mesmo ano, apresenta a produtores independentes um roteiro de sua autoria que teria o próprio Khouri como diretor. Mas os produtores voltam atrás e propõem a ele a direção de uma história de Hilda Muniz Oliveira. Khouri aceita e faz, então, seu primeiro filme, “O Gigante de Pedra”. A produção, iniciada em dezembro de 1951, foi difícil e demorada, estreando apenas em 1954, no Festival Internacional de Cinema em São Paulo.
Entre 1954 e 1955 Khouri trabalha na TV Record, produzindo e dirigindo teleteatro, em adaptações de clássicos. Posteriormente é crítico de cinema no Estadão entre 1955 e 1957. Foi nesse período, que ele fica fascinado por “Noites de Circo“, do sueco Ingmar Bergman, e escreve o catálogo da Mostra Bergman realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Em 1958, Khouri retoma a carreira de diretor com “Estranho Encontro”. Logo em 1960 ganha seu primeiro prêmio internacional por melhor roteiro de “Na Garganta do Diabo“, no Festival de Mar del Plata. Nos anos seguintes, recebe inúmeros prêmios pelos seus filmes.
Após o sucesso de “A Ilha“, em 1963, lança “Noite Vazia” (1964), que lhe vale ataques de críticos ligados ao Cinema Novo e elogios rasgados do restante da crítica. O filme representou o Brasil no Festival de Cannes, em 1965. Aliás, a carreira de Khouri foi marcada pela controvérsia com o movimento do “Cinema Novo”, nos anos 60, do qual foi contemporâneo, mas discordante. Enquanto os cineastas cinemanovistas buscavam rompimento de linguagem e assumiam um forte engajamento político, Khouri retomava tradição clássica e industrial representada pelas produções da Vera Cruz, e apostava nos problemas e dramas existenciais do ser humano, não no coletivo, sem qualquer apreço com problemas de ordem política e social.
Sobre a postura de Khouri, Isabella Thebas, do Instituto do Cinema define: “Ao contrário do neorrealismo de Nelson Pereira, Khouri opta por uma via mais intimista, com poucos personagens e ambientes fechados. Não volta sua atenção para as realidades sociais de um país de terceiro mundo, não interessava à sua poética a repressão ou a desigualdade. Dedicou-se a esmiuçar a psicologia social. Dessa forma, o cineasta pode ser considerado um ponto fora da curva na renovação do cinema brasileiro, muitas vezes julgado como um pequeno-burguês elitista.“
https://institutodecinema.com.br/mais/conteudo/cineastas-brasileiros-walter-hugo-khouri
Em 1968 Khouri apresenta em “As Amorosas“, o personagem Marcelo que apareceria futuramente em vários de seus filmes, como em “O Último Êxtase” (1973), como um adolescente, interpretado por Wilfred Khouri, filho do cineasta. Posteriormente retorna em “O Desejo” (1975), onde em flashbacks, ele surge pouco antes de morrer, já no fim da meia-idade, acabado fisicamente e em completa depressão.
Em “Paixão e Sombras” de 1977, Marcelo é um cineasta nos estúdios da Vera Cruz, condenados à morte. Aqui, Marcelo não é o caçador de mulheres, cínico e estéril em relação a qualquer atividade criativa. “O Prisioneiro do Sexo” (1979) e “Convite ao Prazer” (1980) são outros dois filmes que contam com Marcelo como protagonista. Já em “Eros, O Deus do Amor” (1981), o diretor coloca o espectador na pele de Marcelo, em câmera subjetiva. “Forever“, também conhecido como “Per Sempre”, (1991), em que ele, à beira da morte e é investigado por sua filha. Nesse filme, Marcelo é interpretado por Ben Gazzara.
Em 1999, mais uma vez traz novamente Marcelo em “Paixão Perdida“, que seria sua última obra, em que o personagem, sempre insatisfeito, a despeito de sua condição social, tenta encontrar o verdadeiro amor que lhe dê alento.
Marcelo é considerado por muitos críticos como alter ego do Khouri que, movido principalmente pelo narcisismo, e por seu niilismo busca uma afirmação sexual que vai além da conquista sexual. Marcelo, que foi interpretado por vários atores, desde Paulo José até Ben Gazzara, mas o que mais marcou foi Roberto Maya, que mais tarde seria apresentador na extinta Rede Manchete, do programa de jornalismo investigativo chamado “Documento Especial”, que interpretou o personagem em três filmes de Khouri: “Prisioneiro do Sexo“, “Convite ao Prazer” e “Eros, o Deus do Amor“.
Uma das facetas menos conhecidas da obra de Khouri são dois filmes de terror. O primeiro no gênero, “O Anjo da Noite” (1974), possui todos os ingredientes necessários ao gênero: sobrenatural, medo, perigo de vida. “As Filhas do Fogo” (1978), rodado em Gramado, é o outro filme de terror.
Por fim, um filme que é considerado como a mais estranha criação de Khouri: “Amor Voraz” (1984), uma ficção científica, que à maneira de Alphaville, de Godard, não há efeitos especiais ou cenários futurísticos. No longa, passado numa casa de campo, uma mulher (Vera Fischer) encontra um ser alienígena com a forma de homem, fisicamente inerte.
Notório por apresentar jovens profissionais, Khouri foi também o primeiro a escalar a apresentadora Xuxa Meneghel num longa “Amor, Estranho Amor” (1982). O filme rendeu muita polêmica quando a apresentadora, na época ainda não tão conhecida e com 18 anos, tinha relações com um garoto de 10. Quando a fama lhe chegou, passou a ser chamada de “pedófila”. Isso acabou se transformando em uma de disputa judicial, com ela requerendo a interdição de suas exibições e posteriormente pagando uma vultosa quantia anual à distribuidora para que a fita não fosse exibida.
“As Feras“, filmado em 1994, somente foi lançado em 2001 por divergências com o produtor Aníbal Massaini.
Como autor completo, Walter Hugo Khouri escreveu o roteiro, dirigiu, operou a câmera e orientou a montagem da maioria de suas obras. Após a “Boca do Lixo”, o cineasta realizou, no início da década de 1990, algumas coproduções internacionais, como “Forever” (ou “Per Sempre”) (1990), (Brasil – Itália), com Ben Gazzara, Eva Grimaldi, Janet Agren e Vera Fischer.
Walter Hugo Khouri realizou 26 filmes em sua carreira, e morreu aos 73 anos, em São Paulo, no dia 27 de Junho de 2003, vítima de um infarto, em sua casa, em São Paulo.
Considero um erro, associar a obra de Walter Hugo Khouri à chamada “Pornochanchada”, pois, embora a maior parte de seus filmes tenham sido produzidos na “Boca do Lixo”, região paulistana onde esses filmes eram produzidos, e tenha cenas de sexo, os filmes de Khouri fogem totalmente à estética, já que esse gênero, que eram sempre comédias até leves, inspirados nas antigas chanchadas das décadas anteriores. Seus filmes são sempre densos, com forte carga dramática e com profundo desenvolvimento de personagens, coisas que não existiam naquelas produções. Como se percebe, a obra cinematográfica de Walter Hugo Khouri é um ponto fora da curva, totalmente descolada de seu tempo, em que imperavam a política do Cinema Novo e a Pornochanchada. Ou seja: não que os problemas de ordem política e social tenham deixado de existir, mas mudaram as formas de abordagem. A Pornochanchada terminou seu ciclo em 1982, com a leva de filmes de sexo explícito propiciada pela abertura política, inaugurada por “Coisas Eróticas”. Enquanto isso, sua obra, existencialista, falando de coisas que são eternas, como niilismo, impessoalidade, desejo, sexo, amor e outras coisas muito humanas, continua atual. E sempre será. Porque, afinal, todos temos um tanto de “Marcelo”.
O duro, neste país que não reconhece seus talentos, seus verdadeiros artistas, seus gênios, é perceber que a obra de Walter Hugo Khouri está caindo no esquecimento, como informa uma matéria de 2019, do Estadão: “Fora de catálogo, obra de Walter Hugo Khouri pode cair no esquecimento“. Portanto, ao produzir e publicar na Internet este artigo, espero estar colaborando para que a obra genial de WHK não caia, nunca, no esquecimento.
Para quem se interessa pela obra de Walter Hugo Khouri, recomendo fortemente o Portal Brasileiro de Cinema, onde há extensas matérias, ensaios, toda lista de filmes e até um texto do que seria autobiografia de Khouri.
07/04/2024
Leia Também: Filmografia Completa de Walter Hugo Khouri
Walter Hugo Khouri
Nascimento: 21 de Outubro de 1929, São Paulo
Nacionalidade: Brasileiro
Morte: 27 de Junho de 2003 (73 anos), São Paulo
Prêmios
• Prêmio de “Melhor Roteiro” do Festival Internacional de Mar del Plata em 1960, pelo filme Na Garganta do Diabo.
• Ganhou o Prêmio Saci dez vezes, nas categorias de argumentista, roteirista, diretor, produtor e montador, pelos filmes O Estranho Encontro, Na Garganta do Diabo, O Gigante de Pedra, A Ilha, Noite Vazia, O Corpo Ardente.
• Prêmio Instituto Nacional de Cinema e Coruja de Ouro, como melhor diretor nos anos 1966, 1967 e 1972, pelos filmes Corpo ardente, As amorosas e As deusas.
• Por doze vezes ganhou o Prêmio Governador do Estado de São Paulo, como argumentista, roteirista, diretor e produtor, pelos filmes O estranho encontro, Noite vazia, O corpo ardente, A ilha, Fronteiras do inferno, Paixão e sombras, O último êxtase, O palácio dos anjos e As amorosas.
• Prêmio Vittorio de Sica, no Festival de Sorrento, na Itália, em 1988, pelo conjunto da obra.
• Menção Especial no Festival de Santa Margherita Ligure, pelo filme Na garganta do diabo, em 1960.
• Prêmio dos jurados no Festival Internacional de Sitges, na Espanha, pelo filme O anjo da noite, em 1974.
• Por três vezes ganhou o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte pelos filmes O anjo da noite (1973), O último êxtase(1974) e Eros (1981).
• Prêmio Fábio Prado de Literatura para roteiros pelo filme A ilha.
• Menção Honrosa na Semana Internacional de Cine en Color de Barcelona, pelo filme As deusas.
• Por nove vezes ganhou o Prêmio Cidade de São Paulo, da municipalidade paulista, em diversas categorias e filmes, de 1958 a 1968.
• Prêmio Governador do Estado de “Melhor Argumento” para o filme Amor voraz.
• Prêmio Samburá no Fest-Rio Fortaleza, em 1989, pelo conjunto da obra.
• Prêmio Oscarito da Fundação Cultural Banco do Brasil.
• Prêmio “Resgate do Cinema Brasileiro” do Ministério da Cultura – com roteiro de “Paixão Perdida” 1994
• Prêmio Riofilme – “Paixão Perdida” – 1995
• Premiação no Programa de Integração Cinema-TV/Coprodução com a TV Cultura – “Paixão Perdida” – 1996
Assista:
Criamos uma playlist no Youtube com quase todos os filmes de Walter Hugo Khouri. Muitos deles foram melhorados por terem som muito ruim, e outros o Youtube derrubou (embora estejam ativos em outros canais). Esses foram inseridos na playlist. “Gigante de Pedra”, o filme de animação da Mônica e o polêmico “Amor Estranho Amor”, estão de fora.
Estranho Encontro (1958) e o Estilo Nascente de Walter Hugo Khouri
Gabriel Henrique de Paula Carneiro, da Universidade Estadual de Campinas
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O Anjo da Noite (1974) – Khouri e o Horror
Gabriel Henrique de Paula Carneiro, da Universidade Estadual de Campinas
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Barata Cichetto, Araraquara – SP, é poeta, escritor, artista visual e webradialista. Criador e editor do BarataVerso, e co-fundador da Editora Poetura. Um Livre Pensador. — Contato: (16) 99248-0091
A matéria confirma o que sempre pensei sobre o estilo de WHK: o de um sujeito senhor da própria vontade. Só o fato de ele se recusar a pertencer a uma ou mais panelinhas de intelectuais/diretores engajados no discurso político. Toda sua obra merece ser (re)vista com outros olhos.
Que baita matéria, Barata ! Sou fan da obra do Walter “Marcelo” desde sempre. Meus preferidos são Noite Vazia, com Norma Bengel, Odete Lara, Mário Benvenuti, o italiano Gabriele Tinti e grande elenco ( incluindo o próprio filho do Walter. O então ainda menino Wilfred) e sem dúvidas o ” Convite Ao Prazer “. Filme icônico sensacional. Devo ter assistido umas cem vezes. Parabéns pela maravilhosa e merecida matéria. Isto não pode cair no esquecimento !
Obrigado, meu caro. WHK é o único diretor de cinema brasileiro que sempre, desde os anos 1970 acompanho. Ele trata do ser humano, individual, que no fim das contas, é só o que é real. Os caminhos, sentimentos e vivências humanos, são tratados como devem. Enfim, WHK foi um gênio das artes, e é nossa obrigação propagar se legado.
Obrigado pelo seu comentário.