O primeiro contato com Ayn Rand não foi nada casual. Talvez como muitos, ouvi seu nome entre as páginas já amareladas de um livro que falava sobre o embate de ideias do século XX. Ela estava lá, citada com aquele desprezo que muitos reservam para quem ousa propor algo radical e incômodo, a filosofia do Objetivismo. Na época, eu nutria um conjunto de crenças onde o altruísmo e o bem coletivo pareciam estar à frente de tudo; acreditava na promessa de um mundo ideal, onde todos poderiam dividir e prosperar juntos, desde que houvesse um sistema que se encarregasse dessa divisão justa. Minha crença no socialismo e comunismo era, portanto, quase dogmática, uma verdade aceita, não questionada. Mas foi Rand, com suas ideias cortantes, que rompeu meu véu de ingenuidade.
A primeira obra de Rand que tive em mãos foi A Nascente. Mais do que uma narrativa sobre um arquiteto que luta pela sua individualidade, vi nela uma declaração de guerra contra todas as forças que tentam diluir o indivíduo em prol de uma coletividade abstrata. O arquiteto Howard Roark, o protagonista, recusava ceder sua visão artística em troca de aceitação ou segurança. Rand usava o personagem para expor seu repúdio às concessões que fazemos para sermos aceitos socialmente, em especial quando isso nos custa nossos valores e nossa integridade. Nesse ponto, minha própria visão de mundo começou a se abalar. Percebi que, assim como muitos, eu estava, sem perceber, aceitando que o bem-estar coletivo estava acima do individual — mas até que ponto esse bem-estar coletivo não se tornava um meio de subjugação?
Rand propõe no Objetivismo que o propósito da vida de cada um é a busca por sua própria felicidade racional, sem compromissos ou concessões. Essa afirmação é a base da sua filosofia, e, ao mesmo tempo, uma provocação a todos os que ainda acreditam que uma sociedade pode ser verdadeiramente justa quando a realização pessoal é sufocada por um ideal coletivo. De início, resisti. Parecia-me estranho, quase cruel, a ideia de que “a virtude do egoísmo” pudesse ser positiva. Mas então percebi que o que Rand chamava de egoísmo era diferente do que eu havia sido condicionado a entender. Não era a busca insaciável pelo prazer a qualquer custo, mas sim uma vida baseada na razão, na produtividade e na integridade — uma existência que rejeita o parasitismo e o conformismo.
Foi então que me voltei para o Objetivismo, a filosofia que Ayn Rand criou e defendeu com veemência. A essência do Objetivismo reside na noção de que a realidade existe independentemente das nossas emoções ou desejos. Rand rejeita a ideia de que o homem possa se enganar ou viver na ilusão; para ela, aceitar a realidade como ela é — e agir de acordo com ela — é a chave para uma vida de significado. A razão é o único meio de adquirir conhecimento, e a liberdade individual, o valor supremo.
Em A Revolta de Atlas, Rand intensifica essa filosofia. O livro retrata uma sociedade em colapso, onde os indivíduos mais talentosos e inovadores, liderados por John Galt, resolvem “dar de ombros” e se recusam a sustentar um sistema que os considera meros meios para os fins coletivos. Rand satiriza o parasitismo estatal, a manipulação altruísta e o conformismo da sociedade, mostrando o custo real de subjugar os indivíduos mais capazes. Cada página parecia uma acusação direta às crenças que eu, até então, defendia com tanto fervor. Afinal, quantas vezes já não me peguei aceitando, sem questionar, a ideia de que o Estado deve intervir para proteger os mais necessitados? E por quantas vezes acreditei que era correto subjugar o talento em prol de uma utopia igualitária?
Comecei a notar o quanto, muitas vezes, o “bem comum” era apenas uma fachada para limitar a liberdade individual e promover um controle velado. No Objetivismo, Rand não busca uma sociedade sem compaixão, mas desafia a ideia de que a verdadeira empatia se manifesta ao negar a capacidade do outro de conquistar e superar. Ela defende que ajudar o próximo não deveria ser um ato de auto-sacrifício compulsório, mas uma escolha livre, derivada da verdadeira capacidade de cada indivíduo em se autodeterminar e criar valor. Foi uma mudança radical perceber que o altruísmo, como eu entendia, podia ser apenas uma forma de controle disfarçada.
Por fim, descobri algo que mudou definitivamente a forma como interpreto o mundo: Rand via o Estado como o maior inimigo da individualidade. No Objetivismo, o governo deveria existir apenas para proteger os direitos individuais contra a violência e a fraude, e não para interferir nos aspectos da vida pessoal e econômica dos cidadãos. Sua crítica à intervenção estatal era tão profunda que Rand acreditava que cada centavo tomado de um indivíduo sem seu consentimento era um ato de violência. Em uma sociedade onde o Estado controla e decide em nome do coletivo, a liberdade individual é a primeira vítima. Vi então que o sistema que eu defendia — o mesmo que Rand critica com ferocidade — promovia uma tutela, não uma verdadeira justiça.
Hoje, ao relembrar o impacto que Rand teve sobre mim, vejo que meu erro não foi apenas acreditar no socialismo ou no comunismo. Foi deixar de questionar, aceitar passivamente as ideias e me acomodar a um conceito de justiça que, no fundo, aliena o indivíduo de sua própria essência. Rand me ensinou que a verdadeira virtude não é viver para o outro, mas viver com integridade consigo mesmo, em um respeito profundo à realidade e à razão. E, por mais controversa que essa visão seja, é inegável que ela nos força a olhar para dentro e reconhecer que, sem o indivíduo, o coletivo não passa de um vazio sem significado.
Rand é incômoda, agressiva e, para muitos, uma ameaça. Mas, para mim, ela se tornou uma libertadora. Ao romper com a falácia do igualitarismo forçado, encontrei o caminho para uma vida baseada na autenticidade, onde a minha própria capacidade de criar, pensar e existir não depende da permissão do coletivo, mas da minha própria vontade de ser quem sou.
Ayn Rand, com sua defesa da liberdade individual e do capitalismo como motor moral da sociedade, certamente seria uma figura ainda mais controversa e polêmica nos dias atuais, especialmente em um cenário onde o predomínio de ideais de esquerda permeia a mídia, o ambiente acadêmico e grande parte do discurso público. Sua filosofia objetivista, que exalta a razão, a produtividade e o individualismo, desafiaria diretamente a narrativa coletiva de muitos setores, colocando-a na linha de frente de debates acalorados e reações inflamadas.
Hoje, Rand seria facilmente tachada com rótulos simplistas e reducionistas. Sua defesa do capitalismo e do “egoísmo racional” seria vista por muitos como insensível ou até opressora, e é provável que seus argumentos fossem frequentemente distorcidos para servir de exemplo de tudo aquilo que os críticos da economia de mercado e do individualismo apontam como problemático. A mídia e o jornalismo, onde o pensamento progressista e de esquerda é predominante, tenderiam a criticá-la como uma promotora de ideias antissociais, insensíveis aos desafios da desigualdade. Nesse cenário, ela possivelmente seria retratada como um exemplo de elitismo e uma apologista do “sistema”, ignorando-se as nuances e os fundamentos filosóficos do Objetivismo.
No meio acadêmico, Rand provavelmente enfrentaria uma forte resistência. Seus livros e ensaios sobre a ética do egoísmo, que colocam o indivíduo acima do coletivo, vão na contramão do discurso hegemônico atual, que preza pela luta contra as desigualdades e pela promoção da justiça social como valor supremo. Para muitos intelectuais de esquerda, a crítica radical de Rand ao altruísmo e ao coletivismo pareceria arcaica e até ofensiva, desconsiderando, talvez, os problemas que surgem ao forçar um sistema onde o bem-estar do coletivo se sobrepõe à liberdade individual. É possível que ela fosse desmerecida como uma “pensadora do passado” ou como uma influência negativa, com suas obras relegadas a uma visão secundária, quando não desqualificadas como apologias ao “darwinismo social” — uma interpretação distorcida, mas comum, do seu conceito de individualismo.
Rand, no entanto, se destacaria justamente pela sua recusa em submeter-se à pressão do pensamento coletivo. Em um cenário onde as opiniões contrárias ao consenso de esquerda tendem a ser rechaçadas ou silenciadas, ela seria uma voz que persistiria em reafirmar a importância do mérito individual, da integridade e da razão, ainda que a um alto custo pessoal. Sua crítica ao “politicamente correto”, que se estende às esferas acadêmicas e sociais de hoje, se tornaria ainda mais enfática e dura. Ela veria o ambiente contemporâneo como um reflexo do mesmo tipo de coletivismo que criticava em A Revolta de Atlas — uma sociedade que busca moldar o pensamento individual para servir ao ideal do coletivo.
Mesmo enfrentando uma resistência quase inevitável, Rand atrairia também uma nova geração de leitores curiosos e talvez cansados de uma cultura onde o conformismo ideológico impera. Sua filosofia objetivista, com seu apelo ao racionalismo e à liberdade do indivíduo, seria uma alternativa provocadora e refrescante para aqueles que desejam questionar o status quo e reavaliar a sua própria relação com o coletivo.
10/11/2024
Revisão do Texto Por IA (Chat GPT)
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Barata Cichetto, Araraquara – SP, é o Criador e Editor do BarataVerso. Poeta e escritor, com mais de 30 livros publicados, também é artista multimídia e Filósofo de Pés Sujos. Um Livre Pensador.